Na Mídia - Atendida nua no quarto dele
Extra / Cidade
23/07/2018
Paciente com problema gástrico ouviu dura sentença: ‘Em seis meses, desenvolverá um câncer’
Preso após um procedimento estético que levou a bancária
Lilian Calixto, de 46 anos, à morte, Denis Furtado, o Doutor Bumbum, também
fazia tratamentos clínicos sem comprovação científica, cobrando preços altos e
submetendo as pacientes a consultas com métodos pouco ortodoxos. O EXTRA
localizou uma delas: uma mulher de 27 anos que pediu anonimato e disse ter
ficado traumatizada após três consultas no apartamento do médico, na Barra da
Tijuca. Ela contou que foi submetida a termografia, ES Complex e terapia
neural. As sessões, algumas no quarto do médico, eram marcadas para o período
da noite, e a paciente tinha que ficar nua.
Por cada consulta, ela disse ter desembolsado R$ 3.500.
Duas foram pagas em dinheiro, e outra por depósito bancário em nome de
terceiro, sem recibo. A jovem ainda contou ter recebido receitas para 20
medicamentos produzidos por uma farmácia de manipulação. Em Brasília, Denis é
investigado por venda casada: comercialização de remédios após realização de
consultas.
Tudo aconteceu no ano passado, época em que ela sofria de
um mal que nenhum otorrinolaringologia conseguia diagnosticar. Ela não podia
engolir alimentos sólidos. Por isso, seu peso caiu de 68 para 41 quilos, e ela
entrou em depressão.
— Quando punha comida na boca, ficava entalada. Isso fazia
com que eu não conseguisse respirar. Foi quando encontrei nas redes sociais o
Doutor Denis. Eu estava fragilizada e me identifiquei com as coisas que ele
falava. Entrei em contato e marquei consulta. Achei estranho ser recebida às
17h no apartamento dele e só ser atendida perto de meia-noite. Mas pensei: se é
a solução, vou fazer — disse.
Na primeira vez, o médico a submeteu à termografia, técnica
que utiliza raios infravermelhos para mapear um corpo ou uma região para
distinguir áreas de diferentes temperaturas.
— Fiquei meia hora pelada na frente dele, em pé. Dizia que
eu era muito bonita e que iria “voltar a ficar como sempre fui, voltar a ter
vida”. Ele se gabou dizendo: “Sabe quanto custou essa câmera? R$ 50 mil lá
fora. São mais de R$ 300 mil em equipamentos”. E passou aquele feixe de luz
sobre o meu corpo todo. Depois, mostrou numa televisão em cima de sua cama o
desenho de um ser humano em que havia pontos nas cores verde, laranja e
vermelho — contou a paciente.
Amiga fez preenchimento
Uma amiga de Lilian contou ao “Fantástico”, da TV Globo,
sem se identificar, que fez preenchimento de glúteos com Denis, por indicação
da bancária.
— Como eu sei que ela é uma pessoa muito metódica, que tudo
o que ela faz você pode confiar, eu não pesquisei nada. Só confiei na palavra
dela. Fui e fiz. Graças a Deus, o meu deu certo.
Na época, porém, quando descobriu que a intervenção seria
feita num apartamento, a amiga disse que chegou a mandar uma mensagem para
Lilian:
— Ela me disse que a clínica estava em reforma, por isso o
procedimento seria feito ali, e perguntou se tinha algum problema. Eu estava um
pouco apreensiva, pensando em desistir. A única coisa que tinha na sala era uma
mesa, que foi afastada e, no lugar, colocada uma maca. Poderia ter sido eu,
porque foi no mesmo local, da mesma forma, com as mesmas pessoas e os mesmos
produtos.
Uma enfermeira que trabalhou com o médico, identificada
apenas por Wanessa, disse que ele nem pedia exames:
— Em São Paulo, ele atendia no quarto do hotel. E
descartava o material no lixo. Seringa, agulha, gaze com sangue, tudo.
Depois de alguns dias, o hotel pediu que o grupo se
retirasse.
Cremerj: ‘não há comprovação científica’
Na segunda consulta, a jovem se submeteu a E S Complex,
técnica que analisa através da luz a onda vascular e a variação da frequência
cardíaca do paciente para avaliar o sistema nervoso:
— Ele mandou eu encaixar os pés num equipamento e os dedos
das mãos em outro. E agia como se estivesse vendo alguma coisa no notebook. Lá
tinha um gráfico com vários tipos de doenças que o paciente poderia ter ou já
tinha. Foi quando sentenciou: “Sua gastrite já está desenvolvida, você vai ter
úlcera em um ano e, em seis meses, desenvolverá um câncer de esôfago”.
O terceiro tratamento foi a terapia neural, pouco conhecida
no Brasil, que usa injeções com anestésico para estimular o sistema nervoso.
— Ele aplicou muitas injeções. Na cabeça, no rosto, no
nariz, na boca, na garganta e até no umbigo. Fiquei desacordada e tinha flashes
— contou.
Segundo Nelson Nahon, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio
(Cremerj), os tratamentos “não têm comprovação científica”: — Acaba
sendo perigoso. Ela ainda tomou os 20 medicamentos por um mês. Entre os
frascos, que custaram R$ 3 mil, havia Lugol, tiroxina, magnésio dimalato,
melatonina, cortisol, protease, amilase, pancreatina, papaína e betaína, para
questões gastrointestinais, distúrbios alimentares, problemas de sono e
estresse.
Para taxista, Denis disse que tinha
levado Lilian ao hotel
O taxista que levou a bancária Lilian Calixto ao
apartamento onde Denis Furtado atendia as pacientes, num condomínio da Barra da
Tijuca, contou ao “Fantástico”, da TV Globo, sua versão sobre as últimas horas
da cliente, com quem trocou mensagens de texto até as 21h06 do dia 14. O
motorista, que preferiu manter o anonimato, desmentiu a versão do médico e
revelou que recebeu o pagamento de R$ 300 de uma funcionária do Doutor Bumbum,
com a exigência de que assinasse um recibo também assinado por Lilian.
Segundo ele, a bancária foi deixada no local às 12h45 de
sábado. Na porta do condomínio, ele combinou de esperá-la até que o
procedimento acabasse.
— Às 15h39, quando me ligou, ela havia me dito que cedeu a
vez para uma pessoa que estava com o marido muito estressado com a demora.
Enquanto aguardava a vez, Lilian trocou mensagens com o
taxista. Numa delas, às 18h26, avisou que iria demorar mais. A última vez em
que a bancária se comunicou com o motorista foi às 21h06. O procedimento ainda
não havia começado. Segundo o taxista, ela disse que levaria ainda uma hora e
meia para ser atendida, o que se opõe ao depoimento de Denis na delegacia. O
médico afirmou ter atendido a paciente entre 18h e 19h.
— Marquei o horário (do atendimento), que seria às 22h30.
Mas, entre 22h10 e 22h30, me chamou muito a atenção o movimento de carros
entrando e saindo no prédio, e um deles saiu muito rápido, um carro preto. Aí,
eu fui bater um papo com os porteiros, por volta das 23h e pouco, e um deles
falou que o médico já tinha ido embora.
Quando viu o carro do médico voltando ao condomínio, o
taxista foi até ele.
— Eu o abordei: “O senhor, por acaso, é o médico que está
com a senhora Lilian?”. Aí ele: “Sim, por quê?”. Eu falei que era taxista e que
estava preocupado, porque a deixei às 13h, e ela vinha falando comigo, mandando
mensagens e, depois das 21h06, não me respondeu mais. Ele falou de um jeito
meio estranho, um pouco alterado, que foi a um restaurante com ela e depois a
levou ao hotel — disse o taxista.
Após a conversa, uma funcionária de Denis desceu, pagou R$
300 a ele e exigiu que assinasse um recibo.
Lilian morreu no Hospital Barra D’Or, no domingo, por volta
de 1h.