Na Mídia - Com preço baixo, clínica popular é o negócio da vez
O Globo / Economia
22/10/2017
Saturação do SUS e crise nos planos dão fôlego ao segmento, que já atrai investidores de peso
Essas clínicas funcionam como ambulatórios e prestam
serviços de baixa complexidade, como atendimento por queixas como gripe,
diarreia e dores musculares. As consultas variam de R$ 69 a R $120 e podem ser
paga sem dinheiro ou cartão, com parcelamento em até dez vezes. São agendadas
por telefone, WhatsApp e até Facebook. As clínicas costumam oferecer exames
clínicos e de imagem. Um exame de glicose pode sair aR$4; o hemograma completo
aR $12. Para um raio X, o paciente desembolsa de R $40 aR $60. Algumas oferecem
procedimentos como tratamento de varizes, atendimento com psicólogos e
psiquiatras.
Segundo sócios das clínicas, o ganho se dá pelo volume de
consultas e exames, além dos custos reduzidos quando comparados a hospitais
particulares. Denys Xavier, diretor executivo da Clínica SIM, de Fortaleza
(CE), afirma que o quadro de pessoal é 30% menor que o de uma clínica geral ou
hospital de porte equivalente, pois, como não aceitam plano de saúde, não têm
equipes para lidar com operadoras. Além disso, os médicos não têm carteira
assinada, são prestadores de serviço.
O SUS é muito bom no atendimento de alta complexidade, como
câncer, cirurgias em caso de acidentes etc. Mas tem deficiências no atendimento
primário e secundário, o que significa longas filas para os pacientes. Nosso
mercado está aqui — diz Xavier.
—
REMUNERAÇÃO DOS MÉDICOS
Foi com esse modelo que Xavier, filho de médicos, atraiu
investidores anjos (que investem capital próprio em empresas nascentes) para a
SIM, entre eles Rodrigo Galindo (presidente da Kroton Educacional) e Joaquim
Ribeiro (ex-presidente da Technos). Este ano, o fundo de venture capital
Monashe, que investe em negócios como o aplicativo de transporte 99, se uniu
aos sócios. A clínica, que começou em 2007 como empresa familiar, tem seis
unidades em Fortaleza e abriu uma em Recife, semana passada. Até o fim do ano,
serão mais sete. Em 2018, virão outras 16, com investimento de R$ 600 mil cada.
O modelo de remuneração dos médicos varia. Na SIM, eles
ganham um percentual da consulta (de 40% a 60%). Em outras clínicas, como na
Megamed, os donos pagam um fixo de R$ 1.200 a R$ 1.300 por plantão de seis a
oito horas para especialidades cujas consultas custam mais caro, como a psiquiatria.
Médicos de especialidades com consultas de preço menor recebem a partir de R$
300 por dia trabalhado, além de percentual por atendimento.
A média paga por consulta pelas operadoras de saúde era de
R$ 57,72, em 2013, segundo os últimos dados da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), que regula as operadoras. O valor é considerado baixo pelos
médicos, que se queixam de receber em até 90 dias. Nas clínicas populares, o
pagamento é mensal ou semanal.
— Éa nova fronteira no mercado de trabalho médico. Oferece
o que a população pode pagar e, para os médicos, há vantagens como o pagamento
sem atraso e sem a glosa dos planos — afirma Lígia Bahia, especialista da UFRJ,
complementando que, embora seja uma tendência em países em desenvolvimento, o
serviço não colabora para a boa gestão da saúde nem alivia a demanda no SUS. —
As clínicas populares cuidam do sintoma, não da doença. As demandas de maior
complexidade continuam concentradas no SUS. E há outros limitadores. É um
negócio que demanda escala, que tende a ficar concentrado nas áreas mais
adensadas.
Não há dados oficiais
sobre o crescimento das clínicas populares. Segundo a Anvisa, elas seguem as
normas relativas à infraestrutura e boas práticas em serviços de saúde. Estão
sujeitas a normas de estados e municípios, e têm licenciamento e fiscalização
sob responsabilidade dos órgãos da vigilância sanitária locais. Precisam de
diretor técnico e registro junto aos conselhos de medicina. Segundo Emmanuel
Fortes, diretor de fiscalização do Conselho Federal de Medicina, não podem
distribuir panfletos ou oferecer cartões de fidelidade.
O Conselho Regional de Medicina do
Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) diz ver o interesse de
investidores em clínicas populares “com extrema preocupação”. “O segmento não
pode ser visto por empresas como uma forma de gerar grandes lucros”, diz.
Foi a possibilidade de retorno financeiro com um negócio de
impacto social que levou o empresário Roberto Justus a investir na Megamed, há
dois anos. Com duas filiais em São Paulo, a clínica planeja abrir 30 unidades e
120 franquias em dez anos — já foram vendidas cinco no Rio. Justus tem 30% da
empresa, ao lado da família de Ruy Marco Antonio (que controlava o Hospital São
Luiz) e outros sócios menores.
— É um mercado em que há carência de serviço de qualidade
para pessoas que precisam de atendimento. Uni o útil ao agradável — diz Justus.
Assim como ele, Eli Horn, fundador da Cyrela, e Eduardo
Alcalay, presidente do Bank of America Merrill Lynch, decidiram entrar nesse
ramo. Os dois estão entre os sócios da Cia. da Consulta e foram atraídos por um
jovem administrador de empresas, Victor Fiss, que ainda na faculdade lançou um
projeto-piloto de clínica médica para atender a população de baixa renda a
preços acessíveis. Há poucos meses, a Cia. da Consulta abriu sua primeira
unidade na Praça da Sé, em São Paulo. Como as demais clínicas populares, não
trabalha com o SUS nem aceita plano de saúde.
‘UBER DA MEDICINA’
No Rio, a Granato é uma das líderes na área. Já levantou R$
8 milhões com parceiros: o fundo Albatroz, o sócio da Passe VIP, Antonio Bindi,
e o publicitário Vita Zocos, da VZA. São sete unidades, incluindo a primeira na
Baixada Fluminense, que abre amanhã. Paulo Granato, médico e fundador, quer
levantar R$ 50 milhões numa próxima rodada de investimentos. Ele prevê fechar
2017 com 200 mil atendimentos, alta de 60%:
— A crise acelerou o crescimento das clínicas populares,
mas o modelo não está amparado na crise. O SUS não tem perspectiva de melhora
no médio ou longo prazo. Por outro lado, há médicos e pacientes insatisfeitos
com os planos de saúde.
Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde,
não vê as clínicas populares como concorrente: