Clipping - Estado não repassou R$ 1,68 bilhão para redes municipais de saúde
O Globo / Rio
02/09/2018
MP diz que estado deixou de repassar R$ 1,68 bilhão para redes municipais de saúde
Com suspeita de estar sofrendo um aborto, sangrando e
pálida de dor, Karen Amorim deixou o Hospital Leal Junior, em Itaboraí, em
busca de uma ultrassonografia, que não conseguiu fazer na unidade da
prefeitura. No recém-reformado Hospital Municipal de Belford Roxo, Ana Carolina
Fernandes entrou em pânico quando ouviu que a espera de seu marido por uma
cirurgia no ^fêmur quebrado pode durar um mês. Em Nilópolis, nem os vizinhos
recorrem mais ao Hospital Municipal Juscelino Kubitscheck nos casos de
urgência. Eles sabem que ali só funciona, no primeiro andar, uma Unidade de
Pronto Atendimento (UPA). Os outros quatro pavimentos estão vazios, após o prédio
ter sido reconstruído e reinaugurado, em 2016.
Rio afora, pessoas sofrem devido ao caos na saúde. Redes
municipais rumam ao colapso. Isso se deve, em parte, à falta de repasses do
governo fluminense, alerta o Ministério Público estadual. Promotores calculam
que, no ano passado, o estado deixou de pagar às prefeituras R$ 1,68 bilhão
para o setor, de um orçamento previsto de R$ 2,68 bilhões. Um relatório
apresentado anteontem à Justiça aponta que a crisenos hospitais municip ai sé
umadas consequências de um persistente subfinanciamento da saúde no Rio— em vez
dos 12% da receita definidos por lei, no primeiro semestre deste ano o estado
só aplicou 4,2%, menos até que os 5,1% de 2017. Entre as pendências, não foram
destinados R$ 47,7 milhões para UPAs de 18 cidades. E, dentro do Programa de
Incentivo Financeiro aos Municípios para a Saúde (Promuni), ficaram zerados
repasses como os para a atenção especializada( R $599 milhões ), compra de
medicamentos(R $83 milhões) e vigilância epidemiológica( R $40 milhões).
— Há anos tomo cinco remédios para pressão alta e dor no
peito. Mas ainda não sei qualé o meu problema porque preciso de um
ecocardiograma, que não é feito aqui — lamenta Zelma Gonçalves na Policlínica
de Engenheiro Pedreira, em Japeri.
O relatório do Ministério Público, elaborado pela 3ª
Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, sustenta que
afila de espera para exames e consulta sé longa equ eleitos de urgência estão
lotados. Nesse cenário, um levantamento do GLOBO, baseado em dados do Sistema
de Informações Hospitalares do SUS disponíveis no Datasus, mostra que o número
de óbitos na rede estadual cresceu 32,9% no primeiro semestre deste ano em
relação ao mesmo período de 2017 — de 3.487 para 4.635. E, no conjunto das
unidades geridas pelas prefeituras, as mortes aumentaram 4,33% (de 15.092 para
15.746).
MAIS DOENÇAS
Enfermidades que poderiam ser combatidas com prevenção se
espalharam pelo estado. Um boletim da Secretaria de Saúde revela que, de
janeiro a junho deste ano, houve alta de 41,2% dos casos prováveis de dengue em
relação ao mesmo período de 2017: de 8.102 para 11.443. Só em Itaboraí,
município com maior taxa de incidência da doença, foram 3.027, sete vezes mais
que no ano passado. Já a chicungunha, com 22.252 casos prováveis no primeiro
semestre, virou surto em Campos. Prefeituras alegam que, sem os repasses do
estado, precisam usar recursos que seriam destinados a outras áreas. Nova
Friburgo calcula que os atrasos do governo estadual somam R $18,16 milhões, a
maioria referentesà UP Ada cidade, com transferências suspensas desde 2015.
Nova Iguaçu alerta que, desde 2017, o estado deixou de repassa rR $21 milhões
para a Maternidade Mariana Bulhões. Em Araruama, no distrito de São Vicente de
Paula, onde fica o hospital geral da cidade, a cada 15 dias moradores dormem em
filas para marcar consultas, às vezes em vão, porque há poucas vagas. Além
disso, hoje não existem mais maternidades públicas na cidade. Muitas crianças
nascem em Saquarema. Isso quando há tempo hábil.
Minha filha nasceu em casa. Abolsa estourou, e a ambulância
não chegava. O hospital daqui não tem condições, só faz o básico — diz Zuleide
Ferreira, de 44 anos. Em nota, a Secretaria estadual de Saúde afirma que vem
repassando para municípios todos os recursos que a pasta da Fazenda coloca no
Fundo Estadual de Saúde. Além disso, o órgão destaca que vem apoiando
especialmente “municípios estratégicos, cujas unidades de saúde assumem um
perfil regional”. A Secretaria estadual de Saúde frisa ainda que houve redução
nos índices de mortalidade nas UTIsd are de fluminense: em 2015, a taxa era de
27,9%, e, no ano passado, caiu para 22,5%, apesar de o número de internações
nos setores de terapia intensiva ter subido 50% no mesmo período, passando de
10.285 para 15.617.