Clipping - Trabalhar em UPA de Costa Barros vira punição
Extra / Cidade
20/08/2018
Funcionários com pior avaliação da OS vão para unidade onde ameaça do tráfico é constante.
A violência que cerca a UPA inaugurada há quatro anos na
comunidade de Costa Barros, na Zona Norte, tem sido agravada pela precariedade
nas condições de atendimento. Ali, não são raros os casos de profissionais de
saúde agredidos e ameaçados por traficantes. E há dois meses, sem receber
repasses da prefeitura, a unidade sofre com equipes desfalcadas e estoques
críticos de medicamentos e insumos, racionados para uso de pacientes internados
e que chegam em estado grave. Não é à toa que trabalhar na unidade cravada de
tiros por dentro e por fora virou sinônimo de punição.
Com o salário de julho atrasado, a organização social (OS)
Iabas, que administra as UPAs de Costa Barros, Vila Kennedy e Madureira, tem
dificuldade para reter e contratar profissionais. A solução tem sido remanejar
funcionários para a unidade mais desfalcada, Costa Barros. Os critérios para
escolher quem vai para lá, segundo mensagem de WhatsApp de uma coordenadora,
são: “faltas, excesso de atestados, insubordinação”. Ela avisa ainda: “O RH já
fez esse levantamento e não me deu muita opção”.
— Estamos em pânico. Tenho colegas que nem conseguem dormir
com medo de serem mandados para Costa Barros — contou uma profissional de
enfermagem da UPA Madureira, que prefere se manter anônima.
O medo não é sem razão. No sábado, dois funcionários da UPA
Costa Barros foram agredidos por uma paciente, que mordeu o braço de um
enfermeiro e jogou um suporte de ferro, usado para colocar soro, em cima de um
técnico de enfermagem, além de quebrar um computador. De acordo com pessoas que
trabalham lá, a revolta da paciente teria sido motivada pela falta de
atendimento adequado, já que só casos considerados muito graves estão sendo
aceitos.
Técnica foi jurada de morte
A agressão sofrida pelos funcionários no sábado não foi
registrada na polícia, apesar de não serem raros esses episódios de violência.
Há cerca de dois anos, uma técnica de enfermagem sofreu ameaças na mesma UPA.
— Fui jurada de morte por um bandido que estava drogado
quando trabalhava em Costa Barros. Isso é comum lá. A unidade fica dentro da
favela. Depois disso, tive síndrome de pânico e fiquei hipertensa — desabafa a
técnica de enfermagem que pediu para não ser identificada.
Um médico que atende em outra UPA desabafa:
— Ao dizer que os repasses para a OS estão em dia, a
prefeitura joga a população contra médicos e enfermeiros e acabam acontecendo
agressões como a de sábado.
Presidente da Federação Nacional dos Médicos, Jorge Darze
afirma que a violência contra profissionais de saúde é uma epidemia:
— Pelo menos 50% dos médicos sofrem algum tipo de alteração
psicológica por conta das situações de estresse ligadas às precárias condições
de trabalho.
A Secretaria municipal de Saúde informou que trabalha com a
Secretaria de Fazenda para regularizar os repasses e alguns pagamentos já foram
realizados. Afirmou que não há orientação para restrição no atendimento. O
Iabas não se manifestou.
‘Ele disse: ‘vou pegar um fuzil e voltar
aqui’
Y,Técnica de enfermagem que saiu de Costa Barros
Quando eu trabalhava em Costa Barros, um traficante entrou
na sala vermelha, ordenando prioridade no atendimento. A mulher alcoolizada
estava sendo atendida, mas ele ameaçou a mim e a médica de morte. A médica
pediu demissão e eu fui transferida. Outra vez, um homem entrou com o filho
doente e eu falei que não havia pediatra. Ele disse: “vou pegar um fuzil e
voltar aqui e ver se não vai ter pediatra”. O porteiro, que é da comunidade,
acalmou o homem.