Clipping - Invisível, mas que mata
Extra / Bem viver
31/07/2018
Doença de Chagas pode provocar distúrbios graves no coração e aparelho digestivo
Um acidente vascular cerebral deixou Nancy Dominga da Costa
sem sensibilidade no lado direito do corpo, aos 39 anos. Hoje, com 44, diz que
seu “maior problema é ser invisível”. Nancy, a exemplo de outros tantos
portadores da doença de Chagas, só descobriu o mal depois do AVC. Dos oito
irmãos de Nancy, cinco descobriram ter Chagas, causada pelo parasita
Trypanosoma cruzi, após o diagnóstico dela. Um deles, faleceu. Assim como um
sobrinho de 29 anos, que morreu enquanto esperava por transplante de coração, e
uma cunhada, Anastácia, que com o coração aumentado, teve ataque cardíaco
fulminante, aos 52 anos. Distúrbios graves no coração e aparelho digestivo são
a principal consequência da doença crônica.
— O Brasil não nos vê e somos muitos — diz ela, que nasceu
em Grão-Mogol (MG), mas, hoje, mora na Tijuca e se trata na Fiocruz.
Tânia Araújo-Jorge, chefe do Laboratório de Inovações em
Terapias, Ensino e Bioprodutos do Instituto Oswaldo Cruz, explica que há entre
um milhão e quatro milhões de portadores da doença no país, dos quais cerca de
30% desenvolvem problemas graves.
— A doença é um problema crítico, devido à subnotificação.
Estimamos que 90% das pessoas que precisam de tratamento não têm acesso a ele —
destaca Alberto Novaes Ramos Jr., da Universidade Federal do Ceará.
Não se sabe exatamente quantas pessoas têm Chagas no
Brasil, porque só Goiás tem notificação compulsória da forma crônica. A
notificação no país só é compulsória para a forma aguda, o que não é nem a
ponta do iceberg para uma doença em que, nesta fase, quase sempre é
assintomática.
Pobreza é fator determinante. E não há
vacina
No Brasil, controlar a transmissão pelo barbeiro Triatoma
infestans foi uma grande conquista. Mas ele não é o único transmissor. A doença
pode ser passada ainda por outros barbeiros, transfusão de sangue, de mãe para
filho e pelo consumo de alimentos contaminados pelas fezes do inseto.
— Quase sempre, a doença só é diagnosticada avançada.
Chagas está entre as principais causas de transplante do coração e uso de
marca-passo. Não sabemos quantos casos há no Rio, porque aqui nunca foi feito
um inquérito. A Fiocruz atende 1.500 pacientes, mas há outros espalhados.
Estimamos que 90% dos casos estão nas cidades, devido à migração do campo —
afirma Tânia.
A doença foi descrita pelo médico e sanitarista brasileiro
Carlos Chagas no ano de 1909, em Lassance (MG).
A maioria dos médicos não sabe diagnosticar, o tratamento é
velho, não há vacina e a pobreza continua a ser fator determinante de
adoecimento. É uma doença da ignorância. São muitas as negligências — diz
Araújo-Jorge.