Clipping - Bonsucesso: paciente com câncer sem remédio
Extra / Cidades
27/06/2018
Médico precisa mudar o medicamento para diminuir as dores de homem no hospital.
Após 12 dias internado numa maca no corredor da emergência
do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), Valdir Ribeiro Muniz, de 55 anos,
chora ao saber que não poderá mais ir para casa — ele acabara de receber alta
médica — porque não há na farmácia da unidade morfina em comprimido. Sem a
forte medicação, o paciente não suportaria as dores causadas pela metástase
óssea. Ele implora. Quer passar a noite em sua cama. Um médico, então, decide
mudar a medicação para dor por uma que o hospital tem para fornecer.
— Vamos para casa — confirma ele, olhando para a mulher,
Neusa Ferreira, que acompanhava o marido.
A falta de medicamentos e insumos no HFB tem provocado a
suspensão de cirurgias e, desde ontem, ameaça a realização de transplantes de
rim. Médicos denunciam que, até o início da noite de ontem, havia no hospital
apenas seis frascos de thymoglobulina, um medicamento essencial para evitar a
rejeição do órgão.
— Esses seis frascos serão usados por uma paciente
internada. À noite, chegaram 20 frascos emprestados, que podem garantir apenas
um transplante, mas não nos permite trabalhar com a segurança necessária em
função de serem pacientes de alto risco — disse um médico que pediu para não
ser identificado.
Essa dificuldade em manter a segurança do paciente em
função das precariedades do hospital, que ainda sofre com a carência de
profissionais de saúde, foi o que levou o médico a condicionar a alta de Valdir
ao seu retorno à unidade em dois dias.
— O médico explicou que, para dar alta, teve que trocar o
remédio e não sabe se as dores ficarão sob controle. Vamos ter que voltar para
ver se a dose está adequada. É um remédio muito forte — disse Neusa, que encara
três horas de ônibus com o marido doente para ir de Ilha de Guaratiba, onde
moram, até o HFB.
Além de não ter morfina na farmácia do HFB, a unidade está
sem talonários de receitas especiais para dar aos pacientes que têm condições
de comprar o remédio. Não era o caso de Neusa:
— Não tenho como comprar. Vou ter que ouvi-lo gritar a
noite toda.
Sentada há sete dias, sem cirurgia
Há sete dias, uma mulher está sentada numa poltrona na
emergência do HFB aguardando uma cirurgia para retirada de cálculo nos rins. As
dores quase a fazem perder os sentidos.
A cirurgia não é realizada porque não há cateter uretral no
hospital. Os médicos registraram a falta do material no prontuário da paciente
e recomendaram a transferência dela para outra unidade.
Não é um caso isolado. Anteontem, o presidente do corpo
clínico do hospital apresentou uma lista com 27 insumos em falta no centro
cirúrgico, incluindo cinco tipos de fios de sutura, além de dez medicações,
numa reunião realizada com representantes da unidade e o Cremerj.
— A primeira operação que estava agendada para a manhã de
segunda-feira foi suspensa porque não havia cateter para peridural (anestesia)
— afirmou Baltazar Fernandes, presidente do corpo clínico do hospital.
O defensor público federal Daniel Macedo afirmou ontem que
vai enviar um ofício, dando prazo de 72 horas para a diretora da unidade, Luana
Camargo da Silva, explicar as razões do desabastecimento e se algum paciente
foi prejudicado:
— O Bonsucesso recebe R$ 170 milhões para fazer sua
autogestão e não consegue ter morfina para pacientes com câncer.