Clipping - ‘Desafio do desodorante’ mata menina
O Globo / Sociedade
08/02/2018
Morte
de menina no ‘desafio do desodorante’ mostra riscos que crianças correm na rede
Uma mania perigosa que se alastra pela internet provocou a
morte de uma menina de 7 anos em São Bernardo do Campo (SP). Adrielly Gonçalves
tentava imitar um vídeo sobre o “desafio do desodorante”, que consiste em
inalar o produto pelo maior tempo que a pessoa conseguir suportar. A menina
colocou um frasco direto na boca e desmaiou. Sofreu uma parada cardíaca. No
domingo, mesmo dia de seu velório, a família divulgou as circunstâncias no
Facebook. Ao relatar o caso, a família tenta iniciar uma campanha de
conscientização e abriu um debate sobre o papel que deve ser desempenhado pelos
pais diante de um conteúdo potencialmente perigoso aos jovens na web.
No Google, uma busca por “desodorante” e “droga” retorna
quase 200 mil resultados, com reportagens alertando sobre os riscos envolvidos,
mas também vídeos e textos ensinando como a inalação deve ser feita. O tema é
tão popular na internet que o buscador oferece algumas “pesquisas
relacionadas”, com termos como “como se cheira desodorante”. Pelo YouTube, a
busca por “inalar desodorante” mostra quase 500 resultados, muitos deles com
vídeos de jovens, aparentemente menores de idade, fazendo uso do produto como
droga.
Esse tipo de desafio não é novo na internet. Em 2017, o da
Baleia Azul se espalhou por meio de grupos em redes sociais. Os participantes
eram incentivados a praticar autolesões e até suicídio. Há outros na rede, como
asfixiar amigos, ingerir grandes quantidades de canela ou gás hélio. Algumas
são inofensivas, mas muitas podem significar risco de vida.
ORIENTAÇÃO PARA PREVENIR
Psicólogos e pesquisadores do mundo digital avaliam que o
problema não é a internet, e sim a falta de preparo de crianças e adolescentes
para lidar com conteúdos na rede. Pesquisadora do Instituto de Tecnologia e
Sociedade (ITS), Chiara de Teffé diz que as redes sociais são recomendadas
apenas para usuários com mais de 13 anos. O caminho da prevenção, diz, é
educação digital: pais orientando e acompanhando o acesso dos filhos.
— Não devemos culpar as mídias sociais e querer que
imponham uma censura prévia — explica. — As plataformas incentivam os usuários
a denunciar um conteúdo que estimule práticas indevidas. Até porque é
impossível que um site como o YouTube analise todos os vídeos que são
carregados, e muitas pessoas poderiam alegar que isso seria um cerceamento à
liberdade de expressão.
A Google afirmou que as políticas do YouTube “restringem
conteúdos que têm a intenção de incitar violência ou encorajar atividades
ilegais ou perigosas”. A empresa recomenda o aplicativo YouTube Kids, com “navegação
ideal para as famílias”.
Para a psicóloga Luciana Nunes, assim como se coloca uma
grade na janela de um apartamento para proteger uma criança, também se deve
adotar um filtro na web. Ela observa que os desafios da internet ganham mais
adeptos nas férias escolares, quando estudantes têm mais tempo livre e são
menos vigiados pelos pais.
Luciana identifica um padrão: jovens que participam destes
desafios já foram expostos a conteúdos semelhantes, em média, seis vezes, seja
vendo os vídeos ou ouvindo comentários de amigos.
— Não adianta combater apenas o “desafio do desodorante”.
Outros aconteceram antes e podem aparecer depois. As crianças querem testar
seus limites, por isso se engajaram meses na Baleia Azul e antes em outro
desafio em que deviam enforcar um amigo até que ele desmaiasse — diz.
Os especialistas recomendam que crianças acessem a internet
sob supervisão dos pais. Chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa de
Misericórdia, Fabio Barbirato assinala que os desafios trágicos muitas vezes
têm como pano de fundo a falta de diálogo familiar.
— Os pais têm medo de perder os filhos, por isso não querem
parecer autoritários. Tentam ser amigos. Ao fazer isso, descem o patamar. Pai
deve oferecer carinho, mas também proteção. Criança não deve ter privacidade no
uso da internet.
ENTRE OS DANOS À SAÚDE, LESÃO CEREBRAL E
CÂNCER
A inalação de desodorante pode provocar, entre muitos
outros danos, asfixia, explica o pneumologista Renato Calil. O médico, do
Hospital Caxias D’Or, afirma que o desodorante pode funcionar como outras
drogas inalatórias, como o lança-perfume e o loló. Calil acrescenta que a
prática de inalar o desodorante não é nova e vem se tornando comum
principalmente entre crianças e adolescentes no Nordeste do país.
A morte e a perda de consciência são as consequências mais
agudas e graves da inalação, mas há outros efeitos nocivos ao organismo se o
consumo for de longo prazo. É possível desenvolver dependência, ansiedade e
irritabilidade, ter uma parada cardíaca e problemas renais.
A inalação desses gases também está ligada ao
desenvolvimento de câncer de mama em longo prazo por conta do alumínio. Também
pode levar ainda a uma lesão cerebral irreversível, com a destruição de
neurônios:
Ao inalar, mesmo pela boca, os gases entram no pulmão e se
ligam em questão de minutos aos glóbulos vermelhos — descreve Calil. — Se isso
é feito em um ambiente mais fechado, com um saco plástico na cabeça, por
exemplo, pode matar em minutos. A pessoa perde a consciência, desmaia e falece
por uma parada cardiorrespiratória. Alguns segundos já representam um risco.