Clipping - Saúde em primeiro lugar
O Globo / Barra
07/12/2017
Funcionários e usuários da rede municipal se engajam na luta contra precariedade no atendimento
Em agosto, a notícia de que 11 clínicas da família da Zona Oeste seriam fechadas, devido ao encerramento do contrato da prefeitura com a Organização Social (OS) responsável pelas unidades, fez soar o alarme entre profissionais e pacientes das unidades de atenção básica à saúde. Após a forte mobilização dos dois grupos, as clínicas permaneceram abertas, mas, desde então, ambos vêm denunciando problemas como falta de medicamentos e precariedade das instalações, e os funcionários decidiram entrar em greve, em 26 de outubro. A carência é agravada pelo fato de só terem sido abertas cinco das 15 clínicas que a gestão anterior da prefeitura prometeu, em 2015, construir na AP4 (região que abrange Barra, Recreio, Vargens e Jacarepaguá).
Em agosto último, pressionada, a administração de Marcelo
Crivella renovou o contrato com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à
Saúde (Iabas), a OS responsável pela administração de 74 clínicas e Centros
Municipais da Saúde (CMS) na Zona Oeste, por mais um ano. Por isso, os salários
dos funcionários dessa região estão em dia, o que não impediu sua adesão à
greve. Na maior parte dos casos, as clínicas da família estão funcionando com
apenas 30% da sua força de trabalho. O contratados, em greve, são a maioria; já
os concursados continuam com o expediente normal.
Na rede municipal, a atenção básica é de responsabilidade
das clínicas, onde só há equipes de saúde da família; e dos postos de saúde,
unidades mistas onde há também médicos especialistas e mais profissionais
concursados. Muitos dos problemas, como falta de insumos, afetam os dois tipos
de unidades.
Segundo o Portal Rio Transparente, o orçamento para a Saúde
no município este ano foi de R$ 4,99 bilhões, R$ 540 milhões a menos que o de
2016. A redução, explica a médica Rita Helena Borret, membro do comando de
greve, torna-se ainda mais problemática ao se considerar que no ano passado
mais clínicas da família foram abertas na cidade. No mês passado, uma audiência
pública realizada na Câmara Municipal para debater o orçamento de 2018, no
mesmo dia do início da greve, foi marcada por protestos de funcionários da
Saúde, pois a intenção da prefeitura era aprovar um corte de mais R$ 500
milhões.
— Já estávamos nos mobilizando com muita força. Então, às
22h do dia anterior à audiência, o prefeito autorizou um acréscimo de R$ 552
milhões (à verba). Com isso, impedimos a redução do orçamento de 2018. Foi um
resultado da greve. Mas o que estamos pleiteando é um aumento de, no mínimo, R$
250 milhões. Desde o início do ano, os salários de muitos profissionais estão
atrasando — explica Rita.
A prefeitura costuma responder que um dos motivos para as
dificuldades no repasse de verbas é a revisão dos contratos com as OSs, já que
muitas estão sob investigação. Rita, porém, destaca outro problema grave atual,
que não tem relação com as organizações sociais: a falta de medicamentos.
— Os remédios são comprados pela prefeitura, e muitos estão
em falta. Existem os de responsabilidade estadual e federal, mas são casos mais
específicos; os da atenção básica são de responsabilidade do município.
Presidente do Conselho Distrital da Saúde da AP4, Azaury
Castro diz que, atualmente, o maior problema é a escassez de medicamentos para
problemas relacionados à saúde mental.
— Pelo menos 50% dos
remédios estão em falta — afirma Castro, destacando também que uma nova
determinação do Conselho de Farmárcia dificulta a obtenção de medicamentos. —
Agora, as farmácias dos postos de saúde só podem estar abertas com um
farmacêutico presente. Até acho a medida correta, apesar de acreditar que
remédios mais simples, como dipirona, poderiam ser entregues por um técnico de
farmácia. O problema é que nunca tivemos mais de um farmacêutico por posto.
Moradora do bairro, Sarah Baptista representa a Associação
de Moradores de Vargem Grande no Conselho Gestor do Centro Municipal de Saúde
Cecília Donnangelo e é membro do Conselho Distrital de Saúde da AP4. Há um ano,
diz, ela não recebe insulina para o filho diabético.
— Nunca ficamos tanto tempo sem o remédio — afirma Sarah,
que só consegue obter o medicamento com mandados judiciais.
Entre as clínicas da família prometidas no fim do governo
Eduardo Paes que não chegaram a ser entregues à população, há casos de obras
desmanteladas no início, como a da Praça Waldir Vieira, na Taquara, onde restou
apenas a base de cimento, e de estruturas praticamente concluídas, como a da
Cidade de Deus. Segundo Azaury Castro, esta última não está funcionando por
problemas de segurança na comunidade:
— Na gestão do Eduardo Paes, a AP4 foi a menos atendida na
área da ampliação da saúde da família, porque primeiro priorizaram áreas mais
carentes. Quando chegou nossa vez, houve interrupção de obras, e, no fim do ano
passado, parou tudo. Já o governo atual disse que ia analisar os contratos, e
agora diz que não tem verba para terminar as clínicas.
Rita vê ainda outro motivo para o não funcionamento de
algumas clínicas prometidas:
— Não houve verba para concluir todas até 2016. Algumas
estão prontas, mas não funcionam porque isso implica um contrato maior com a
OS, e não há dinheiro. Enquanto isso, como algumas equipes já estavam
contratadas, profissionais foram remanejados para outras unidades.
Este é o caso, por exemplo, do Recreio, onde estava
prevista uma clínica ao lado do Recreio Shopping. Como a obra não foi
concluída, a solução paliativa foi alocar a equipe de atendimento no Centro
Municipal de Saúde Harvey Souza Ribeiro, o que tem causado desconforto aos
pacientes.
— Está muito tumultuado, porque não há espaço físico para
todo mundo trabalhar. O posto de saúde fica misturado com a clínica da família
— afirma Nivaldo Lins, presidente da Associação de Moradores do Terreirão. — Há
déficit em tudo. Os problemas se agravaram a partir de março. Tem gente que
fica duas horas na fila. Há muitos moradores da comunidade nos pedindo ajuda
para marcar consultas em clínicas populares. Às vezes fazemos vaquinha para ajudar.
Os funcionários do posto tentam, mas não dá para fazer milagre. Para piorar, há
um surto de turberculose no Terreirão.
Triagem não resulta em consulta
Azaury Castro diz que, há pouco tempo, questionou a
Secretaria de Saúde sobre o projeto da clínica da família do Recreio. Segundo
ele, a subsecretária havia prometido, cinco meses atrás, reconfigurar o espaço
físico do Harvey Ribeiro para melhorar o atendimento, enquanto a obra da
clínica não fosse concluída. Procurada, a Secretaria municipal de Saúde (SMS)
negou que haja um surto de tuberculose no Terreirão e afirmou que está “em
curso um projeto de redistribuição do espaço do centro”.
Em Vargem Grande, no CMS Cecília Donnangelo, também estão
funcionando simultaneamente a clínica da família e o posto de saúde, porém, de
forma planejada. Com a greve, funcionários que não quiseram se identificar
afirmam que a procura por atendimento caiu pela metade. Os pacientes que vão à
unidade passam por uma triagem e recebem orientações, mas nem sempre são
efetivamente atendidos. No dia em que a equipe do GLOBO-Barra esteve no local,
agentes de saúde faziam um protesto na rua.
— Se demitirem pessoal, os primeiros a caírem somos nós —
diz um dos agentes. — Estamos com salário em dia, mas há muitas unidades com
atraso, então temos que nos unir a eles na luta.
Este é o caso do posto de saúde da comunidade Vila Canoas,
em São Conrado, que, na prática, tem funcionado como clínica de família.
Moradora da Barra, Maria José Berto soube da situação em reuniões do 23º
Conselho Comunitário de Segurança, do qual é membro, e se uniu à causa:
— Faltam medicamentos e os salários atrasam. Esse
sucateamento é criminoso.
A redução do número de
agentes de saúde também já é realidade, diz a médica Rita Helena Borret. Desde
o início do ano, as equipes de atenção básica do município, que atendem cerca
de 3.500 pessoas cada, contam com cinco agentes. Até o ano passado, explica,
eram seis. Segundo ela, a mudança ocorreu após a votação das novas regras de
política da atenção básica do Ministério de Saúde, que unificou os agentes de
vigilância (para fiscalizar locais com risco de dengue) e os de saúde e
eliminou a necessidade de haver agentes de saúde bucal e comunitários nas
equipes:
— A partir dessa brecha, o Rio decidiu diminuir suas equipes.
A proposta era avaliar a vulnerabilidade de cada território, mas não houve
avaliação ou discussão com gestores locais. Na AP4, principalmente, houve
redução em muitos casos, e de forma equivocada. Em Rio das Pedras, cortaram sem
respeitar a vulnerabilidade. Na cidade toda houve mais de 180 demissões este
ano, a maioria, de agentes comunitários.
A SMS afirma que a nova Política Nacional de Atenção Básica
não determina o número de agentes de saúde, mas recomenda que cada profissional
seja responsável pela cobertura de até 750 pessoas. Acrescenta que a portaria
anterior permitia que houvesse de quatro a 12 agentes por unidade.
Para uma médica da AP4, toda a luta dos profissionais da
saúde é em defesa do SUS. Segundo ela, os grevistas não estão em casa, mas sim
nos postos panfletando e alertando pacientes sobre os problemas.
— O SUS está sendo desmontado debaixo do nosso nariz. A
população não está vendo tão claramente, mas quem trabalha com isso vê.
Enquanto isso, os planos de saúde começam a criar opções populares, o que vai
ganhar força e acelerar o fim do SUS — afirma ela, que critica as brigas entre
a prefeitura e as organizações sociais. — Médico não pode ficar sem salário por
causa de investigação sobre OS. As OSs são um custo a mais, e só existem porque
o governo, ao longo dos anos, não deu conta de expandir a rede de atenção
básica. O ideal seria não tê-las.