
RESOLUÇÃO CREMERJ Nº 361/2025
(Publicado no DOU de 14 de mar. De 2025, seção 1)
Dispõe sobre a obrigatoriedade de comunicação imediata à autoridade policial nos casos de suspeita de envenenamento atendidos por médicos no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.
O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso das suas atribuições, conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, conforme decidido na 90ª e na 94ª Sessão Plenária, realizada em 30 de janeiro de 2025 e 18 de fevereiro de 2025, adota a seguinte resolução:
Art. 1º É dever do médico que atender paciente com suspeita de envenenamento comunicar com a maior brevidade possível o caso à autoridade policial, observando as condições estabelecidas nesta Resolução.
Art. 2º A comunicação à autoridade policial deverá ser realizada sempre que o paciente:
I - estiver inconsciente ou for menor de idade; ou
II - for maior de idade e consciente, salvo se o próprio paciente declarar expressamente que a ingestão do veneno foi voluntária ou acidental.
Parágrafo único. O diretor técnico da unidade deverá estabelecer o protocolo de comunicação com a autoridade policial.
Art. 3º Sempre que possível o médico deverá:
I – solicitar a coleta de amostras de sangue do paciente, preferencialmente em volume mínimo de 8 mL, utilizando tubos com inibidor glicolítico fluoreto e anticoagulante EDTA (tubo de tampa cinza);
II – esclarecer os responsáveis pelo armazenamento que as amostras de sangue devem ser mantidas em condições refrigeradas (2-8°C), sem congelamento, e preservando a cadeia de custódia do material, até eventual entrega à autoridade policial ou autorização para descarte;
III – solicitar a coleta, no caso de realização de lavagem gástrica, do material obtido, esclarecendo os responsáveis pelo armazenamento de que a preservação deve ser feita em recipiente plástico adequado, sob congelamento, e que a cadeia de custódia deve ser assegurada até eventual entrega à autoridade policial ou autorização para descarte; e
IV – solicitar que todas as amostras sejam devidamente rotuladas, indicando claramente o nome do paciente, a data e o horário da coleta no próprio tubo ou frasco.
Paragrafo único. A aplicação do disposto neste artigo deve ser feita de modo que não prejudique a assistência prestada ao paciente.
Art. 4º O diretor técnico da unidade de saúde na qual o paciente foi atendido deve envidar esforços para:
I - assegurar que as condições para coleta e preservação das amostras de sangue e materiais biológicos, incluindo lavado gástrico, estejam disponíveis, com equipamentos de refrigeração apropriados; e
II - estabelecer procedimentos internos para a guarda das amostras, a fim de preservar sua integridade até que sejam requisitadas pela autoridade policial ou descartadas.
Art. 5º Caso a autoridade policial não requisite a amostra em até 10 dias após a sua efetiva comunicação, o material poderá ser descartado conforme procedimento regular da unidade privada de saúde, ou antes, caso haja autorização da autoridade policial.
§ 1º Nos casos em que a coleta for feita por agente público, o procedimento de descarte deverá ser regulamentado pela autoridade sanitária competente do ente federativo ao qual a unidade de saúde pertence, seja ele municipal, estadual ou federal.
§ 2º A responsabilidade pela guarda e conservação da amostra coletada não será, em hipótese alguma, do médico que apenas solicitou a coleta.
Art. 6º Ao realizar a comunicação à autoridade policial, o médico deverá elaborar um relatório contendo:
I - o quadro clínico do paciente no momento do atendimento;
II - os resultados de eventuais exames realizados; e
III - os elementos que levaram à suspeita de envenenamento.
Parágrafo único. O relatório deverá ser anexado ao prontuário do paciente e disponibilizado à autoridade policial, quando requisitado formalmente.
Art. 7º O médico deverá registrar no prontuário do paciente:
I - as condições clínicas observadas no momento do atendimento;
II - as medidas realizadas, incluindo a coleta de sangue e outros materiais biológicos, quando realizado;
III - o horário e o método de comunicação à autoridade policial, com detalhes do contato realizado; e
IV - a alegação do paciente maior de idade e consciente, quando se tratar da exceção prevista no inciso II do art. 2º.
Art. 8º As unidades de saúde deverão realizar treinamentos periódicos voltados à cadeia de custódia e aos protocolos de comunicação com as autoridades policiais, assegurando que médicos estejam aptos a seguir os procedimentos estabelecidos nesta Resolução.
Art. 9º Esta Resolução entrará em vigor 90 dias a partir da data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2025.
Conselheiro Walter Palis Ventura
Presidente do CREMERJ
Ricardo Farias Júnior
Primeiro Secretário
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CREMERJ Nº 361/2025
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), no cumprimento de sua missão de orientar e normatizar a conduta médica em situações que envolvam a ética profissional e o interesse público, apresenta esta Resolução, que dispõe sobre o dever do médico de comunicar com brevidade à autoridade policial os casos de suspeita de envenenamento, bem como de solicitar a coleta e a preservação de materiais biológicos, sempre que possível.
A necessidade dessa normatização se impõe diante do crescente número de casos de envenenamento recentemente noticiados pela imprensa, evidenciando a relevância desse fenômeno como questão de saúde pública e de segurança. O envenenamento, muitas vezes silencioso e de difícil diagnóstico inicial, pode ser um instrumento de crime deliberado, exigindo pronta investigação para evitar novas vítimas e garantir a responsabilização dos envolvidos. Em tais circunstâncias, o médico assume um papel fundamental, pois frequentemente é o primeiro profissional a identificar sinais sugestivos de intoxicação, tornando-se peça central no início da apuração dos fatos.
A obrigação de comunicação nesses casos encontra respaldo legal no artigo 66 da Lei das Contravenções Penais, que impõe ao profissional o dever de informar à autoridade competente sobre a ocorrência de crimes de ação penal pública incondicionada, desde que tal conduta não exponha o paciente a um processo criminal. No caso específico do envenenamento, a omissão dessa comunicação pode comprometer a investigação.
Além da comunicação imediata, a solicitação de coleta de materiais biológicos, como sangue e lavado gástrico, representa um elemento essencial para a apuração criminal. O artigo 158-A do Código de Processo Penal estabelece o dever do agente público de preservar eventuais elementos de interesse pericial que possam contribuir para a elucidação de um crime. O médico, ao identificar um caso de possível envenenamento, tem a capacidade técnica para solicitar que amostras biológicas sejam colhidas e armazenadas adequadamente, permitindo que a investigação ocorra de forma mais eficiente. Muitas vezes, esse material já é coletado para fins clínicos, tornando razoável que uma fração seja reservada para fins periciais.
É importante destacar que a Resolução respeita integralmente a autonomia do paciente e o sigilo médico. A comunicação compulsória à autoridade policial está restrita a situações em que a vítima está inconsciente ou é menor de idade, garantindo a proteção daqueles que não podem expressar sua vontade. Para os casos em que o paciente maior de idade e consciente se manifesta de forma clara quanto à voluntariedade ou acidentalidade da ingestão, o dever de comunicação é afastado, respeitando-se sua autodeterminação.
A normatização ora proposta não inova na ordem jurídica, mas oferece diretrizes claras para a conduta médica em um cenário sensível, proporcionando maior segurança ao profissional que, ao agir conforme a lei, contribui para a justiça e para a sociedade. Além disso, ao estabelecer a necessidade de preservação do material biológico por um prazo razoável de até 10 dias, busca-se compatibilizar a rotina hospitalar com as exigências periciais. No caso específico do agente público que realiza a coleta, reconhece-se que a simples eliminação do material após esse período não seria condizente com o dever de preservação previsto no artigo 158-A do Código de Processo Penal, razão pela qual cabe à autoridade sanitária do ente federativo ao qual pertence a unidade de saúde definir o destino adequado das amostras remanescentes.
Por fim, a Resolução estabelece um período de 90 dias para sua implementação, garantindo que as unidades de saúde possam se organizar, treinar seus profissionais e adequar seus procedimentos internos. Dessa forma, viabiliza-se a aplicação da norma sem prejudicar a rotina assistencial e reforça-se o compromisso da classe médica com a segurança, a legalidade e o dever de colaborar com a Justiça.
ANDRÉ LUÍS DOS SANTOS MEDEIROS
Conselheiro Relator
Não existem anexos para esta legislação.
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