
RESOLUÇÃO CFM nº 2.379/2024
Publicado em: 12/04/2024 | Edição: 71 | Seção: 1 | Página: 167
Define e disciplina a medicina do sono como ato médico exclusivo.
*Atenção ao apostilamento nos considerandos.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, alterado pelo Decreto nº 10.911, de 22 de dezembro de 2021;
CONSIDERANDO a Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina e estabelece ser competência privativa do médico a determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
CONSIDERANDO que cabe à Comissão Mista de Especialidades composta pelo Conselho Federal de Medicina, pela Associação Médica Brasileira e pela Comissão Nacional de Residência Médica legislar sobre especialidades e áreas de atuação na medicina;
CONSIDERANDO que a medicina do sono foi definida como área de atuação desde 2011, pela Resolução CFM nº 1.973/2011, sendo atualmente prevista na Resolução CFM nº 2.068/2013;
Onde se lê: CONSIDERANDO as Resoluções CFM nº 2.153/2013 e nº 2.056/2016, que disciplinam os departamentos de fiscalização e obrigam a participação de um responsável técnico em exames diagnósticos como a polissonografia;
Leia-se: CONSIDERANDO as Resoluções CFM nº 2.153/2016 e nº 2.056/2013, que disciplinam os departamentos de fiscalização e obrigam a participação de um responsável técnico em exames diagnósticos como a polissonografia;
CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 2.147/2016, que estabelece normas sobre a responsabilidade, as atribuições e os direitos de diretores técnicos, diretores clínicos e chefias de serviço em ambientes médicos;
CONSIDERANDO a Resolução CNRM nº 64 de 23 de dezembro de 2021, que aprovou a matriz de competências dos programas de residência médica para área de atuação em medicina do sono no Brasil;
CONSIDERANDO o Parecer CFM nº 18/2015, que não permite a realização de exames complementares que configurem ato médico sem solicitação do profissional médico;
CONSIDERANDO o disposto na Resolução CFM nº 2.314/2022, que disciplina o uso da telemedicina no Brasil; e
CONSIDERANDO o decidido na sessão plenária de 4 de abril de 2024;
RESOLVE:
Art. 1º A medicina do sono é área de atuação da medicina voltada para estudo, diagnóstico, prognóstico, tratamento e prevenção das doenças do sono, englobando as diversas fases do ciclo sono-vigília e suas interações com as condições de saúde física e mental ao longo de todo o espectro da vida.
§ 1º O diagnóstico nosológico das doenças do sono é ato exclusivo do médico e compreende a anamnese e o exame físico do paciente, bem como a solicitação e a interpretação de exames complementares.
§ 2º Nas equipes multiprofissionais, visando ao cuidado e à monitorização do paciente, cada profissional atua conforme suas competências e sob a coordenação médica.
Art. 2º A interpretação e a emissão de laudos de polissonografia, oximetria de noite inteira, teste domiciliar para apneia do sono, actigrafia, teste das múltiplas latências do sono, teste de manutenção de vigília, sonoendoscopia, entre outras tecnologias da medicina do sono, devem ser realizadas por médico, preferencialmente aquele que tem área de atuação em medicina do sono, considerando a multiplicidade de causas e a necessidade de diagnóstico diferencial.
Art. 3º Cabe exclusivamente ao médico indicar o tratamento clínico e/ou cirúrgico adequado de forma personalizada para as doenças do sono.
§ 1º A indicação e a prescrição do tratamento com dispositivo de pressão positiva são prerrogativas do médico e envolvem o tipo de equipamento, as definições dos parâmetros, a escolha de interface, o uso de umidificação e outros recursos tecnológicos.
§ 2º No tratamento multiprofissional das doenças do sono, cabe ao médico coordenar a equipe, determinando as estratégias de tratamento, encaminhamentos e seguimento para cada paciente.
§ 3º Os diretores técnicos e clínicos dos estabelecimentos de saúde públicos e privados só podem disponibilizar equipamentos de pressão positiva para os pacientes para uso domiciliar ou hospitalar mediante prescrição médica.
Art. 4º O acompanhamento do paciente com doenças do sono envolve avaliação médica periódica, dados objetivos do dispositivo terapêutico, quando for o caso, e a realização de exames complementares, se necessário.
§ 1º Os dados fornecidos pelos dispositivos de pressão positiva são fundamentais para instruir o médico quanto à adequação da resposta e à adesão ao tratamento.
§ 2º Os dados gerados pelos equipamentos de diagnóstico, tratamento e monitorização obtidos por telemetria devem fazer parte do prontuário médico e devem seguir as normativas do Conselho Federal de Medicina quanto a sua guarda, sigilo, privacidade e acesso às informações.
§ 3º O médico assistente tem direito de acesso às informações geradas pelos dispositivos de monitoramento, sendo vedada a modificação de parâmetros por outros profissionais sem a autorização médica.
Art. 5º Ao médico cabe determinar as configurações e características do dispositivo de pressão positiva e da interface, a partir da avaliação clínica de cada paciente.
§ 1º A fim de garantir eficácia, segurança e evitar eventos adversos ao paciente, a indicação e todo processo de adaptação devem ser supervisionados pelo médico.
Art. 6º As pessoas jurídicas que prestarem serviços associados à medicina do sono por telemedicina, plataformas de comunicação e arquivamento de dados deverão ter sede estabelecida em território brasileiro e estarem inscritas no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado onde estão sediadas, com a respectiva responsabilidade técnica de médico com área de atuação registrada (RQE) em medicina do sono regularmente inscrita no CRM.
§ 1º Os diretores técnicos das empresas fornecedoras de equipamento médico e que realizam telemetria devem manter as informações em sigilo e não podem autorizar a mudança de qualquer parâmetro realizada por outros profissionais.
Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, DF, 4 de abril de 2024.
JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Presidente |
DILZA TERESINHA AMBRÓS RIBEIRO
Secretária-geral |
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 2379/2024
A área de atuação em medicina do sono exige inicialmente a formação em medicina, seguida de residência médica com obtenção de título de especialista em pneumologia, neurologia, otorrinolaringologia, psiquiatria, pediatria ou clínica médica. Após o treinamento em uma dessas especialidades, é necessário, para o médico se tornar especialista em medicina do sono, fazer residência em medicina do sono (matriz de competência – Resolução CNRM nº 64/2021), ou ter o título fornecido em medicina do sono pela Associação Médica Brasileira. Essa longa formação se deve não apenas à complexidade dos distúrbios do sono e sua íntima relação com outras doenças, mas também aos riscos para saúde que essas doenças podem oferecer. Nesse sentido, um treinamento específico por meio de um programa de residência com pelo menos 2.880 (duas mil, oitocentas e oitenta) horas, ou para obtenção do título de especialista em medicina do sono, pode garantir a capacitação nessa área de atuação.
Os distúrbios do sono envolvem doenças que acometem desde recém-nascidos até idosos. Seu espectro de gravidade é variável, comumente com importante comprometimento de qualidade de vida e elevada morbimortalidade. Existem mais de 60 doenças relacionadas à medicina do sono com critérios diagnósticos e tratamentos específicos. Os diagnósticos nosológicos de doenças relacionadas ao sono devem ser derivadas de um amplo conhecimento das doenças crônicas envolvidas, de uma ampla e complexa anamnese e exame físico e de exames complementares gerais e específicos. O tratamento está associado não apenas ao tratamento com medicamentos e que derivam de prescrição médica, mas também a procedimentos invasivos não destituídos de complicações potencialmente graves.
São métodos diagnósticos em medicina do sono: polissonografia, que monitora as atividades durante o sono; teste domiciliar para apneia do sono; teste das múltiplas latências para início do sono, que mensura a sonolência diurna; teste de manutenção de vigília, que avalia a capacidade de permanecer acordado; e actigrafia, que registra os padrões de atividade e repouso ao longo dos dias. Todos esses métodos desempenham papel significativo no diagnóstico nosológico e no tratamento das doenças do sono.
Esses testes específicos para a investigação das doenças do sono são complexos e exigem conhecimento amplo da fisiologia normal do sono, sua fisiopatologia, diagnóstico diferencial, critérios diagnósticos, indicação e contraindicação de cada método. A inobservância desses critérios pode levar pacientes a eventos adversos graves, e por isso os pacientes devem ser monitorados por médicos, preferencialmente especialistas na área de medicina do sono.
A realização e a interpretação da polissonografia, por exemplo, exigem extenso treinamento teórico e prático para o reconhecimento de padrões eletroencefalográficos, respiratórios, eletrocardiográficos e de movimentos. Outra aplicação da polissonografia é a titulação da pressão dos dispositivos de pressão positiva para portadores de doenças respiratórias do sono. A realização desses procedimentos também requer treinamento aprofundado para o correto ajuste do suporte pressórico e ventilatório para apneia obstrutiva do sono e síndromes de hipoventilação, conforme padronizado por normativas internacionais. A actigrafia, outro método complexo, requer condições específicas, e sua
interpretação exige profundo conhecimento de inúmeras variáveis derivadas cuja interpretação deve estar de acordo com padrões e diretrizes nacionais e internacionais. Dessa forma, são necessários treinamentos robustos e específicos na área para aquisição de habilidades e conhecimentos.
As conclusões diagnósticas a serem apresentadas nos laudos técnicos exigem interpretação e integração dos achados, e, por se tratar de diagnóstico nosológico, cabem apenas ao médico. A inobservância desses fatores leva a risco de diagnósticos sem acurácia, com iatrogenia no tratamento e potenciais danos à segurança do paciente.
A assistência ventilatória é utilizada para o tratamento de diversos distúrbios respiratórios, neurológicos e relacionados ao sono. A orientação da assistência ventilatória não é um ato isolado e independente no tratamento do paciente, mas está diretamente relacionada à(s) causa(s) da insuficiência respiratória subjacente e aos demais aspectos de saúde do paciente. A escolha do suporte ventilatório exige raciocínio clínico e amplo conhecimento das doenças que podem estar contribuindo para a insuficiência respiratória, como distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos, doenças cardiovasculares, alterações hemodinâmicas, quadros inflamatórios e infecciosos sistêmicos, intoxicação por drogas, entre outros. A exemplo da ventilação invasiva, o suporte ventilatório não invasivo tem uma série de parâmetros que precisam ser definidos e individualizados para atender às necessidades clínicas de cada paciente, minimizando potenciais riscos dessa terapêutica.
O suporte ventilatório pode ser intermitente durante o sono apenas, mas pode haver a necessidade de ele ser mantido de forma contínua. A descontinuação ou utilização incorreta do suporte pode ameaçar a vida. Desse modo, só o médico pode determinar o tipo de suporte ventilatório (invasivo ou não invasivo), a duração de uso, a utilização ou não de oxigenioterapia associada, o perfil de equipamento e interface a ser utilizado e os parâmetros de tratamento. O médico é o único profissional com treinamento teórico e prático aprofundado para diagnóstico nosológico, diagnóstico diferencial, prognóstico e tratamento das patologias associadas ao sono.
Qualquer tratamento com pressão positiva, seja ou não relacionado a distúrbios respiratórios do sono, requer dispositivos classificados pelo nível II, risco intermediário, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Federal Drug Administration (FDA) ratifica a posição da Anvisa e ainda determina que esses dispositivos classificados pelo nível II requerem prescrição médica. Países europeus, como França, Itália, Alemanha e Tchéquia, também consideram obrigatória a prescrição de dispositivos de pressão positiva por um profissional médico. Alguns dos riscos que o FDA elenca para classificar os dispositivos de pressão como nível de risco intermediário são: infecção, narcose por reinalação de gás carbônico, risco de lesão corporal por excesso de pressão na via aérea, risco de choque elétrico, risco de lesões cutâneas pelo acoplamento de interface, interferência eletromagnética com outros equipamentos, potencial uso incorreto, resultando em tratamento inadequado ou lesão corporal.
Apesar de não haver norma regulamentadora no Brasil que exija venda sob prescrição médica dos dispositivos de pressão positiva, a classificação de risco intermediário pela Anvisa, bem como os potenciais riscos associados a essa forma de suporte ventilatório,
atestam claramente a complexidade e os riscos envolvidos, exigindo indicação e acompanhamento médico. É obrigação e responsabilidade exclusiva do médico definir e prescrever o suporte ventilatório e avaliar diretamente toda alteração de conduta necessária para o tratamento de um paciente sob assistência ventilatória.
A atuação multiprofissional não pode ser confundida como oportunidade para outros profissionais de saúde realizarem diagnóstico privativo do médico e indicação terapêutica, atribuições exclusivas do médico, conforme assegurado pela Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina e suas competências privadas. Por maior que seja a qualificação e o treinamento do profissional não médico na área relacionada a distúrbios do sono, esses profissionais não podem assumir responsabilidades médicas. A atuação multiprofissional deve sempre ser liderada e orientada pelo médico assistente, sendo esse profissional o responsável ético-legal pelo tratamento do paciente.
Diante dessas argumentações técnicas e do risco de diagnósticos inadequados e prescrições terapêuticas que podem levar a acidentes e eventos adversos graves, esta resolução se faz necessária para que se esclareça a atuação médica na medicina do sono.
ALCINDO CERCI NETO
Conselheiro Relator
Não existem anexos para esta legislação.
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