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RESOLUÇÃO CFM Nº 2.232, DE 17 DE JULHO DE 2019
Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 16 set 2019. Seção 1, p. 113-4

REVOGA RESOLUÇÃO CFM Nº 1.021/1980

 

 

Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.
 

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, e regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pela Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013,

 

CONSIDERANDO que a Constituição Federal (CF) elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República;

 

CONSIDERANDO o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em especial o inciso I do § 3º do art. 146, que exclui a tipicidade da conduta nos casos de intervenção médica sem o consentimento do paciente, se justificada por iminente perigo de morte;

 

CONSIDERANDO o disposto no Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2012) em relação à capacidade civil, à autonomia do paciente e ao abuso de direito;

 

CONSIDERANDO o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990);

 

CONSIDERANDO que a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, assegura direitos e proteção a pessoas com transtorno mental e autoriza sua internação e tratamento involuntários ou compulsórios;

 

CONSIDERANDO o normatizado pelo Código de Ética Médica em relação aos direitos e deveres dos médicos e a autonomia dos pacientes;

 

CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.995/2012, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade;

 

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo a eles zelar e trabalhar, com todos os meios a seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina, pelo prestígio e pelo bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente; e

 

CONSIDERANDO o decidido na sessão plenária de 17 de julho de 2019,

resolve:


Art. 1º A recusa terapêutica é, nos termos da legislação vigente e na forma desta Resolução, um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão.


Art. 2º É assegurado ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no momento da decisão, o direito de recusa à terapêutica proposta em tratamento eletivo, de acordo com a legislação vigente.

 

Parágrafo único. O médico, diante da recusa terapêutica do paciente, pode propor outro tratamento quando disponível.


Art. 3º Em situações de risco relevante à saúde, o médico não deve aceitar a recusa terapêutica de paciente menor de idade ou de adulto que não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, independentemente de estarem representados ou assistidos por terceiros.

 

Art. 4º Em caso de discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou familiares do paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar etc.), visando o melhor interesse do paciente.


Art. 5º A recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico quando caracterizar abuso de direito.

 

§ 1º Caracteriza abuso de direito:

 

I - A recusa terapêutica que coloque em risco a saúde de terceiros.

 

II - A recusa terapêutica ao tratamento de doença transmissível ou de qualquer outra condição semelhante que exponha a população a risco de contaminação.

 

§ 2º A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto.


Art. 6º O médico assistente em estabelecimento de saúde, ao rejeitar a recusa terapêutica do paciente, na forma prevista nos artigos 3º e 4º desta Resolução, deverá registrar o fato no prontuário e comunicá-lo ao diretor técnico para que este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto.


Art. 7º É direito do médico a objeção de consciência diante da recusa terapêutica do paciente.


Art. 8º Objeção de consciência é o direito do médico de se abster do atendimento diante da recusa terapêutica do paciente, não realizando atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.


Art. 9º A interrupção da relação do médico com o paciente por objeção de consciência impõe ao médico o dever de comunicar o fato ao diretor técnico do estabelecimento de saúde, visando garantir a continuidade da assistência por outro médico, dentro de suas competências.

 

Parágrafo único. Em caso de assistência prestada em consultório, fora de estabelecimento de saúde, o médico deve registrar no prontuário a interrupção da relação com o paciente por objeção de consciência, dando ciência a ele, por escrito, e podendo, a seu critério, comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina.


Art. 10. Na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente.


Art. 11. Em situações de urgência e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica.


Art. 12. A recusa terapêutica regulamentada nesta Resolução deve ser prestada, preferencialmente, por escrito e perante duas testemunhas quando a falta do tratamento recusado expuser o paciente a perigo de morte.

Parágrafo único. São admitidos outros meios de registro da recusa terapêutica quando o paciente não puder prestá-la por escrito, desde que o meio empregado, incluindo tecnologia com áudio e vídeo, permita sua preservação e inserção no respectivo prontuário.


Art. 13. Não tipifica infração ética de qualquer natureza, inclusive omissiva, o acolhimento, pelo médico, da recusa terapêutica prestada na forma prevista nesta Resolução.


Art. 14. Revoga-se a Resolução CFM nº 1.021/1980, publicada no D.O.U. de 22 de outubro de 1980, seção I, parte II.


Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.


CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA
Presidente do Conselho

 

HENRIQUE BATISTA E SILVA
Secretário-Geral

 

 

 

 

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº2.232/2019

 

O  Código  de  Ética  Médica  (CEM)  atribuiu  ao  paciente  a  condição  de  parte  principal  da relação  com  o  médico,  legitimada  em  um  vínculo  de  respeito  mútuo  que  se  materializa  noconsentimento livre e esclarecido.

 

O  consentimento  livre  e  esclarecido não  foi  concebido  como  instrumento  de  proteção contra  riscos  da  profissão,  como  se fosse  um seguro  de  responsabilidade  civil  para  proteger  o médico, mas, sim, como garantia da autonomia e da dignidade do paciente.

 

Para  entender  as  variações  envolvidas  no  relacionamento  médico-paciente,  anota  H. Tristram Engelhardt Jr.Fundamentos da bioética,

 

...somos levados às tradicionais questões de livre e informado consentimento, confidência, paternalismo  e  os  direitos  dos  pacientes  em  recusar  tratamento,  ou  dos  médicos  em  não aceitar um paciente. [...] Com a autoridade do consentimento vem o direito de entregar-se aos cuidados de  outras  pessoas, de abandonar  esses cuidados, de aceitar  a ajuda  ou  de recusá-la.

 

A autonomia, uma expressão da liberdade, é o bem jurídico supremo do ser humano, valor reconhecido  pela  legislação  brasileira.  A  Constituição  Federal,  em  seu  art.  5º,  determina  que todos  são  iguais  perante  a  lei,  sem  distinção  de  qualquer  natureza,  garantindo-se  aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à  igualdade,  à  segurança  e  à  propriedade.  Os  incisos  II  e  III  dispõem  que  ninguém  será obrigado  a  fazer  ou  deixar  de  fazer  alguma  coisa  senão  em  virtude  de  lei  e  que  ninguém  será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

 

O Código Civil estabelece, no art. 15, que o paciente não pode ser submetido a qualquer procedimento terapêutico sem o seu consentimento.

 

A Lei nº8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), tratou expressamente da autonomia do paciente no art. 7º. Os serviços que integram o SUS  são  desenvolvidos  de  acordo  com  as  diretrizes  previstas  no  art.  198  da  Constituição Federal,  devendo preservar  a  autonomia  das  pessoas  na  defesa  de  sua  integridade  física  e moral.

 

O  Estatuto  do  Idoso  (Lei  nº10.741,  de  1º  de  outubro  de  2003),  no  art.  17,  assegura  ao idoso  que  esteja  no  domínio  de  suas faculdades mentais  o  direito  de  optar  pelo  tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.

 

O  Estatuto  daPessoa  com  Deficiência  (Lei  nº13.146,  de  6  de  julho  de  2015)  atribui  ao poder público a competência para garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo  de toda a vida, determinando que ela não poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou  cirúrgica,  a  tratamento  ou  a  institucionalização  forçada.  O  consentimento  prévio,  livre  e esclarecido  é  indispensável  para  a  realização  de  tratamento,  procedimento,  hospitalização  e pesquisa  científica.  A  pessoa  com  deficiência  somente  será  atendidasem  seu  consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu  superior  interesse  e  adotadas  as  salvaguardas  legais  cabíveis.  No  caso  de  pessoa  com deficiência  em  situação  de  curatela,  o  Estatuto  assegura  sua  participação,  no  maior  grau possível, para a obtenção de consentimento, que pode ser suprido em casos excepcionais.

 

Não se pode tratar da autonomia do paciente sem mencionar a histórica decisão de 14 de abril de 1914, relatada  pelo juiz Benjamin Cardozo (à época integrante da Corte de Apelações de Nova York, e de 1932 a 1938 juiz da Suprema Corte) no processo Schloendorff v. Society of New York Hospital:

 

Todo  ser  humano  adulto,  no  gozo  de  suas  faculdades  mentais,  tem  o  direito  de  decidir  o que   pode   ser   feito   no   seu   corpo;   o  cirurgião   que   realizar   uma   operação   sem   o consentimento do paciente comete uma violência pela qual será responsabilizado (Pratt v. Davis,  224  Ill.  300;  Mohr  v.  Williams,  95  Minn.  261),  salvo  nos  casos  de  emergência, quando o paciente estiver inconsciente, e quando for necessário operá-lo sem tempo hábil para se obter o consentimento.

 

 

O  precedente  do  processo Mohr  v.  Williams, de  1905,  tratou  de  uma  intervenção médica  realizada  sem  consentimento,  caracterizando,  por  isso,  um  dano  ao  paciente.  O precedente da relatoria dojuiz Benjamin Cardozo:

 

pode  ser  considerado  como  responsável  por  estabelecer  o  caráter  do  debate  a respeito   do   livre   e   informado   consentimento.   Além  disso,   qualifica   tal   direito reconhecendo-o apenas  em indivíduos de mente sadia e idade adulta. [...] O direito ao  livre  e  informado  consentimento,  em  seu  sentido  mais  fundamental  dentro  da moralidade  secular  geral,  compreende  1)  o  direito  de  dar  consentimento  a  participar do tratamento sem coerção, sem ser enganado e com competência, assim como 2) o de retirar-se do tratamento, por completo ou em parte. Slater v. Baker e Stapleton dá destaque ao livre e informado consentimento como meio de maior colaboração entre o médico  e  o  paciente,  de  maneira  a  garantir  um  tratamento  mais  eficaz  para  o paciente.  Só  mais  tarde  é  que  se  torna  mais  central  o  consentimento  do  futuro paciente  como  fonte  de  autoridade  moral.  A  jurisprudência  do  Juiz  Cardozo  em Schloendorff coloca em destaque o papel do consentimento do paciente como fonte de autoridade.  Este  tema  torna-se  proeminente  nas  reflexões  do  século  XX  sobre  os direitos  individuais  e,  algumas  vezes,  é  simplesmente  chamado  de  direito  de  ser deixado em paz.

 

A  partir  da  elevação  da  liberdade  individual  à  categoria  de  bem  jurídico-penal,  conclui Manuel da Costa Andrade,presidente do Tribunal Constitucional de Portugal, o médico não pode apenas sacrificar o velho mandamento hipocrático: salus aegroti suprema lex esto![A saúde  do  paciente  é  a  lei  suprema!]  Tem  também  de  prestar  homenagem  ao  imperativo: voluntas  aegroti  suprema  lex  esto! [A  vontade  do  paciente  é  a  lei  suprema!] [...]  Este último,  um  axioma  que  significa  a  prevalência  do  princípio  da  autodeterminação  sobre  a saúde  e  a  vida.  E  reversamente  a  denegação  à  sociedade,  ao  Estado e  ao  médico  de qualquer Vernunfthoheit [juízo soberano]sobre a “irracionalidade” da escolha do paciente. A  recusa  do  paciente  tem  de  ser  respeitada  qualquer  que  sejam  as  suas  consequências. [...]  Não  é,  noutros  termos,  punível  o  médico  que,  correspondendo  àvontade  livre, esclarecida e inequívoca do paciente, omite ou interrompe o tratamento indispensável para lhe salvar a vida. [...] Por outro lado, a estrutura do bem jurídico típico empresta sentido à concordância  do  portador  concreto,  predeterminando  o  seu estatuto  dogmático  e  o respectivo  regime  jurídico-penal.  Trata-se,  concretamente,  de  um  caso  de  acordo  que exclui a tipicidade.
 

O   Código   de   Ética   Médica   de   1988,   por   sua   vez,   fez   parte   do   processo   de redemocratização  que  transformou  as  relações  no  País  no fim  daquela  década.  Esse  Código trouxe avanços significativos para o exercício da Medicina no Brasil e foi produzido durante a 1ª Conferência  Nacional  de  Ética  Médica,  realizada  de  24  a  28  de  novembro  de  1987,  no  Rio  de Janeiro,  antes,  portanto,  da  Constituição  Federal,  do  Código  de  Defesa  do  Consumidor,  do Código Civil e de outros estatutos relevantes para o contexto desta Resolução agora motivada.

 

O Código de Ética Médica de 1988 já tratava do consentimento informado:

 

 

É vedado ao médico:
Art.  46.  Efetuar  qualquer  procedimento  médico  sem  o  esclarecimento  e  consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida. [...]
Art.  56.  Desrespeitar  o  direito  do  paciente  de  decidir  livremente  sobre  a  execução  de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida. [...]
Art.  59. Deixar  de  informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do  tratamento,  salvo  quando  a  comunicação  direta  ao  mesmo  possa  provocar-lhe  dano, devendo, nessecaso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. [...]
Art. 123. Realizar  pesquisa em ser  humano, sem que este  tenha  dado consentimento por escrito, após devidamente esclarecido sobre a natureza e consequências da pesquisa.

 

O  penúltimo  CEM  (ResoluçãoCFM  nº1.931/2009)  e  o  atual  (Resolução  CFM  nº2.217/2018)repetem esses deveres médicos, dentre outros, nos seguintes artigos:

 

É vedado ao médico:
Art.  22.  Deixar  de  obter  consentimento  do  paciente  ou  de  seu  representante  legal  após esclarecê-lo  sobre o  procedimento  a  ser  realizado,  salvo  em  caso  de  risco  iminente  de morte. [...]
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. [...]
Art.  31.  Desrespeitar  o  direito  do  paciente  ou  de  seu  representante  legal  de  decidir livremente  sobre  a  execução  de  práticas  diagnósticas  ou  terapêuticas,  salvo  em  caso  de iminente risco de morte.
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico  e  tratamento  de  doenças,  cientificamente  reconhecidos  e  a  seu  alcance,  em favor do paciente. [...]
Art.  34.  Deixar  de  informar  ao  paciente  o  diagnóstico,  o  prognóstico,  os  riscos  e  os objetivos  do  tratamento,  salvo  quando a  comunicação  direta  possa  lhe  provocar  dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. [...]
Art. 39. Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal. [...]
Art.   42.   Desrespeitar   o   direito   do   paciente   de   decidir   livremente   sobre   método contraceptivo,  devendo  sempre  esclarecê-lo  sobre  indicação,  segurança,  reversibilidade  e risco de cada método. [...]
Art.   101.   Deixar   de   obter   do   paciente   ou   de   seu   representante   legal   o   termo   de consentimento   livre   e   esclarecido   para   a   realização   de   pesquisa   envolvendo   seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
§ 1º. No caso de o paciente participante de pesquisa ser criança, adolescente, pessoa com transtorno  ou  doença  mental,  em  situação  de  diminuição  de  sua  capacidade  de  discernir, além do consentimento de seu representante  legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão.

 

Foi  nesse  contexto  que  surgiu  a necessidade  de  se  regulamentar,  em  resolução  deste Conselho Federal de Medicina, o direito de recusa à terapêutica proposta ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no momento da decisão, em tratamento eletivo.

 

O direito à recusa terapêutica deve ser respeitado pelo médico, desde que ele informe ao paciente  os  riscos  e  as  consequências  previsíveis  da  sua  decisão,  podendo  propor  outro tratamento  disponível.  Restou  expresso  que  não  tipifica  infração  ética  de  qualquer  natureza, inclusive  omissiva,  o  acolhimento,  pelo  médico,  da  recusa  terapêutica  prestada  na  forma prevista  nesta  Resolução,  tampouco  caracteriza  a  omissão  de  socorro  prevista  no  Código Penal. O contrário: o tratamento forçado poderia caracterizar crime.

 

A dignidade do paciente incapaz, menor de idade ou  adulto que não  esteja no pleno uso de  suas  faculdades  mentais,  independentemente  de  estar  representado  ou  assistido,  foi especialmente   considerada   nesta   Resolução.   Nesses   casos,   impõe-se   a   prevalência   do tratamento  indicado,  sem  consentimento  livre  e  esclarecido,  em  casos  de  risco  de  morte  e  de urgência e emergência com risco relevante à saúde.

 

A  Resolução  estabelece  que  havendo  discordância  insuperável  entre  o  médico  e  o representante,  assistente  legal  ou  familiares  do  paciente  quanto  à  terapêutica  proposta,  eledeve  comunicar  o  fato  às  autoridades  competentes  (Ministério  Público,  Polícia,  Conselho Tutelar etc.), visando o melhor interesse do paciente.

 

A  resolução  autoriza  o  médico  a  rejeitar  a  recusa  terapêutica  nos  casos  definidos  como abuso de direito, devendo ele, o médico, comunicar o fato ao diretor técnico do estabelecimento de  saúde  para  a  tomada  das  providências  necessárias  visando  assegurar  o  tratamento proposto.

 

A Resolução regulamenta a objeção de consciência comodireito do médico de se abster do atendimento diante da recusa terapêutica do paciente. Na objeção de consciência o médico, eticamente,  deixa  de  realizar  condutas  que,  embora  permitidas  por  lei,  são  contrárias  aos ditames de sua consciência. A Resolução ressalva que na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa em realizar o tratamento trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação não pode ser interrompidapor objeção de consciência, devendo o profissional adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica.

 

A   Resolução   determina,   ainda,   que em   situações   de   urgência   e  emergência   que caracterizem  iminente  perigo  de  morte  o  médico  deve  adotar  todas  as  medidas  necessárias  e reconhecidas  para  preservar  a  vida  do  paciente,  independentemente  da  recusa  terapêutica,  o que  não  significa  um  retorno  ao  paternalismo  médico.  A  exceção  ao  consentimento  livre  e esclarecido,  nesses  casos,  foi  preservada  em  nome  dos  valores  da  nossa  sociedade  e  da tradição  éticada  Medicina  brasileira,  cabendo  destacar  que  a  mesma  ressalva  foi  feita  na decisão   pioneira   do   JuizBenjamin   Cardozo.   A   intervenção  médica   ou   cirúrgica   sem   o consentimento  do  paciente  ou  de  seu  representante  legal  se  justificada  por  iminente  perigo  de morte (Código Penal, art. 146, § 3º, I), não caracterizando constrangimento ilegal, enquanto não o assistir tipifica omissão de socorro.

 

Em   suma,   a   Resolução   regulamenta   relevante   conquista   da   sociedade   brasileira materializada  na  Constituição  Federal,  nas  leis  em  geral  e  no  Código  de  Ética  Médica.  O Conselho Federal de Medicina, ao aprová-la, cumprirá, uma vez mais, o seu compromisso com o respeito à dignidade da pessoa humana, atendendo a uma antiga demanda de médicos e de pacientes.

 

MAURO LUIZ DE BRITTO RIBEIRO

Relator

 

 


Não existem anexos para esta legislação.


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