
PROCESSO-CONSULTA CFM nº 4.747/11– PARECER CFM nº 36/11
INTERESSADO:
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ASSUNTO:
Procedimento de radioablação guiada por tomografia computadorizada e punção biópsia
RELATOR:
Cons. Lúcio Flávio Gonzaga Silva
EMENTA: Para neoplasias renais, a radioablação está indicada para os pequenos tumores múltiplos, pequenos tumores em rim único ou pequenos tumores em pacientes idosos contraindicados para a ressecção convencional ou clássica.
DA CONSULTA
Consulta protocolada no Conselho Federal de Medicina sob o nº 4.747/2011, datada de 12 de maio de 2011, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e assinada pelo meritíssimo juiz de Direito dr. J. M. P., traz, in verbis: (...) solicito providências no sentido de informar a este juízo se o procedimento de radioablação guiada por tomografia computadorizada e punção biópsia é considerado, para a lesão do sr. N. V. A. L. – 76 anos, diabético, hipertenso, história prévia de tireoidectomia total e retossigmoidectomia (adenocarcinoma de reto) –, nódulo no rim esquerdo, de 2 cm, com recomendação de retirada (...), como tratamento experimental.
Anexa cópia da ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela, encaminhada ao exmo. sr. dr. juiz de Direito da Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, datado de 1o de junho de 2010 e assinado pelos drs. J. M. M. (OAB/SP) e T. S. A. T. (OAB/SP), constando como requerente o sr. N. V. A. L e como requerido a Medial Saúde S/A.
Após robusta argumentação, a ação culmina com o pedido: “Ante o exposto, requer o suplicante, respeitosamente, se digne V.Exa. determinar a citação da Medial Saúde S.A., (...) disponibilizar ao suplicante o tratamento por radioablação guiado por tomografia computadorizada e punção biópsia no mesmo ato, com internação no Hospital AC Camargo, onde tal tratamento já se faz sob protocolo adequado, como solicitado pelos médicos que assistem o autor, com todos os procedimentos recomendados, atendendo-se a ordem médica nesse sentido, cumprindo a obrigação que deriva do plano de saúde (...).
DOS FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS
O câncer de rim é o terceiro tumor mais frequente do trato urinário, compreendendo 3,5% de todas as neoplasias malignas humanas1. Dados da American Cancer Society estimam que mais de 50 mil americanos são diagnosticados com câncer de rim, a cada ano2. No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2008 pouco mais de quatro mil pessoas receberam o diagnóstico dessa doença3.
Hoje, com o uso disseminado de exames de imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada), o diagnóstico de tumores renais cada vez menores, incidentais, tem sido frequentemente documentado, especialmente em pacientes com mais de 70 anos 4.
A nefrectomia radical, outrora o procedimento padrão para o carcinoma de células renais (câncer de rim), devido ao fato de cursar em seu seguimento com alta incidência de doença renal crônica, com aumento da mortalidade geral e cardiovascular, está em crescente desuso para esses pequenos tumores incidentais5.
Ademais, os pacientes portadores de alguns desses pequenos tumores renais são geralmente idosos, com alguma disfunção renal e comorbidades outras; portanto, com contraindicação para ressecções cirúrgicas. Para eles, a opção mais apropriada pode ser a ablação por radiofrequência ou crioablação, após biópsia da massa renal e confirmação histológica da neoplasia 5.
A ablação por radiofrequência consiste na aplicação de calor na intimidade do tumor. Este calor é gerado em dispositivo mecânico próprio, a partir da fricção de moléculas de água com ondas de radiofrequência. O paciente é mantido de bruços (decúbito ventral) e a tomografia computadorizada é usada para localizar o tumor. Por acesso percutâneo ou laparoscópico, a ablação é obtida usando temperatura entre 50o-100oC, que destrói as células tumorais 5,6.
Esse tipo de procedimento operatório vem sendo adotado em vários centros urológicos importantes do mundo. A primeira publicação de tratamento de tumor renal por ablação por radiofrequência aconteceu em 1999 7.
Uma procura no Medline, enfocando o período 2003 a 2009, identificou 11 estudos publicados, representando 755 pacientes e 868 tumores operados por essa técnica minimamente invasiva: ablação por radiofreqüência. Essas séries de publicações têm demonstrado resultados oncológicos similares às técnicas cirúrgicas extirpativas clássicas 8.
A técnica de crioablação, por seu turno, consiste na utilização de dispositivos que utilizam o argônio para alcançar rápido resfriamento no interior dos tumores. Temperaturas de 40oC negativos na intimidade do tumor produz morte celular por hipóxia ambiente. Dois ciclos: congelamento (argônio)/descongelamento (hélio) constituem o tratamento completo. A ultrassonografia é usada em todo o processo para monitorar a bola de gelo que se forma na área tratada 5,9.
Metanálise publicada em 2008 identificou 22 séries de casos de câncer de rim tratados com crioablação, perfazendo um total de 600 tumores. Os pacientes foram operados em 23 instituições americanas, europeias e asiáticas, incluindo várias universidades dos Estados Unidos e serviços urológicos da Itália, Suécia, Japão e Dinamarca 7.
DAS INDICAÇÕES ATUAIS ACEITAS
A ablação percutânea por radiofrequência e a crioablação percutânea são procedimentos minimamente invasivos, hoje aceitos como alternativas ao tratamento cirúrgico para o carcinoma de células renais.
A menor morbidade operatória, a possibilidade de tratamento ambulatorial e a possibilidade do tratamento de pacientes com alto risco cirúrgico são as principais vantagens dessas técnicas minimamente invasivas.
Para o caso específico dos tumores renais, as indicações para ablação por radiofrequência ou crioablação adotadas atualmente são:
pequenos tumores corticais (≤ 3 cm) encontrados incidentalmente em pacientes idosos;
tumores em paciente com predisposição genética para desenvolver lesões múltiplas;
tumores renais bilaterais;
tumor em paciente com rim único, com alto risco para perda completa da função renal se submetido à cirurgia parcial convencional 10.
DA RESPOSTA AO CONSULENTE
A princípio, a ablação de tumores renais, seja por radiofrequência ou por crioablação, é um procedimento minimamente invasivo, reconhecido pela ciência e pelas sociedades médicas especializadas e de uso corrente nos grandes centros urológicos ─ como citados anteriormente, com várias séries de casos publicados e com controle oncológico similar aos procedimentos cirúrgicos convencionais ou clássicos. Destarte, não pode ser considerado procedimento experimental.
Quanto à pergunta específica do consulente, um paciente de 76 anos, portador de nódulo renal esquerdo com 2 cm e de um outro tumor primário e com comorbidades e história de grandes ressecções cirúrgicas prévias, a radioablação guiada por tomografia computadorizada e punção biópsia pode ser, sim, considerada, na circunstância, o melhor tratamento para o caso em questão.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 12 de agosto de 2011
LÚCIO FLÁVIO GONZAGA SILVA
Conselheiro relator
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. David A, Kunkle DA, Uzzo RG. Cryoablation or radiofrequency ablation of the small renal mass: a meta-analysis. Cancer 2008; 113: 2671-2680.
2. Jemal A, Siegel R, Ward E et al. Cancer statistics, 2099. CA Cancer J Clin 2009; 59: 225-249.
3. OMS – Globocan: projeto da Organização Mundial da Saúde para estatística do câncer no mundo.
4. Chow WH, Devesa SS, Warren JL et al. Rising incidence of renal cell cancer in The United States. Jama 1999;281:1628-1631.
5. Karam JA, Kamran A, Matin SF. Ablation of kidney tumors. Surg Oncol Clin N Am 2011; 20:341-353.
6. Goldberg SN, Gazelle GS, Mueller PR. Thermal ablation therapy for local malignancy: a unified approach to underlying principles, techniques, and diagnostic imaging guidance. AJR Am Roentgenol 2000; 174:323-331.
7. Gill IS, Remer EM, Hasan WA et al. Renal cryoablation: outcome at 3 years. J Urol 2005; 173:1903-1907.
8. Salas N, R Rajan, Dummett S, Leveille RJ. Results of radiofrequency kidney tumor ablation: renal function preservation and oncologic efficacy. World J Urol 2011; 28:583-591.
9. Finelli A, Rewcastle JC, Jewett MA. Cryotherapy and radiofrequency ablation: pathophysiologic basis and laboratory studies. Curr Opin Urol 2003; 13; 187-191.
10. Ljungberg B, Cowan NC, Hanbury DC, Hora M, Kuczyk MA, Merseburger AS, Patard JJ, Mulders PFA, Sinescu IC. EAU Guidelines on renal cell carcinoma: the 2010 update. European Urology 2011; 58:398-406.
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