
PARECER CFM Nº 18/2006
PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 4.278/06
INTERESSADO: Tribunal Regional Federal da 5ª Região
ASSUNTOS: 1. Médico acumular funções de assistente e perito;
2. Avaliação de atestado médico sem a presença do periciando;
3. Realização de junta médica sem a presença do funcionário requerente e composição de junta médica;
4. Arbitrariedade da secretária administrativa.
RELATOR: Cons. José Hiran da Silva Gallo
EMENTA:
O médico não pode ser perito de paciente para quem preste atendimento como assistente, mesmo que o faça em entidade pública. Os atestados médicos só podem ser homologados quando o médico perito e/ou membro de junta médica examinar diretamente o paciente, sob pena de infringir os postulados éticos da profissão. Se o regulamento estabelece que a junta médica será composta por três membros, não tem validade o ato praticado por apenas dois profissionais, por não preencher os requisitos formais. Não pode um membro da junta médica assinar posteriormente o laudo como se tivesse efetivamente participado do ato. Nada impede que por ordem administrativa a inspeção seja realizada após recomposta a junta médica. Porém, o laudo pericial exarado pela mesma deve conter rigorosamente os dados clínicos e patológicos constatados na data em que o paciente foi submetido à perícia. Em hipótese nenhuma o médico pode se submeter a imposições administrativas que contrariem os postulados éticos de sua profissão.
RELATÓRIO
I - DOS QUESTIONAMENTOS
O supervisor da Seção de Saúde do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, médico dr. J.J.R.V., após tecer algumas considerações sobre as atribuições e atividades desenvolvidas por sua seção naquele tribunal, faz os seguintes questionamentos ao CFM:
“1. Há incompatibilidade ética no acúmulo das funções periciais previstas na Lei no 8.112/90 com a atividade assistencial, individual e/ou coletiva, durante o exercício profissional médico num órgão como o Tribunal Regional Federal?
2. Em caso positivo, qual seria a alternativa? Atuar em apenas uma das vertentes? Criar setores separados de perícia e assistência?
3. Atestados encaminhados de varas do interior, que não possuem médico, podem ser homologados sem a presença do servidor? A única alternativa para estas varas seria firmar convênios de cooperação para a realização de perícias médicas?
4. Em períodos de ausência de um dos três médicos do Tribunal (caso de férias, por exemplo), o que fazer com as inspeções por junta médica? Podem apenas dois médicos realizar tal perícia? Poderia o terceiro membro, ao retornar, assinar o documento que foi fruto da inspeção dos outros dois colegas? Pode a administração determinar que a inspeção ocorra a posteriori, quando recomposta a junta médica oficial? A alternativa seria realizar convênios de cooperação e encaminhar os periciandos para outra junta médica nestes momentos de “desfalque”?
5. Quanto ao posicionamento dos médicos do Tribunal diante de servidores que apresentam atestados fora do prazo regimental, em especial quando já convalesceu da moléstia atestada, cabe a devolução do documento ao servidor ou à administração? Pode a administração determinar que o médico homologue o atestado nestes casos?”
II – PARECER
No que se refere à primeira questão, não nos parece de difícil análise, tendo em vista que o Código de Ética Médica (CEM), prevendo situações que poderiam comprometer a isenção do médico quando no exercício de sua atividade, seja assistencial ou pericial, prescreve em seu artigo 120 que: "É vedado ao médico ser perito de paciente seu, de pessoa de sua família ou de qualquer pessoa com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho".
A proibição insculpida no dispositivo deontológico acima transcrito está plenamente justificada por um dos mais relevantes institutos, o da suspeição do perito, que não é apenas uma exigência por insinuação dos interessados, mas em favor da própria isenção da atividade.
Constitui também, sem sombra de dúvidas, uma proteção moral do perito, na insuspeição do seu trabalho e consolidação do ideal de justiça. Tanto isso é verdade que o CEM, no artigo 118, veda ao profissional “deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito (...)”.
Observe-se o fato de que a vedação acima é ilimitada, ou seja, não importa para qual entidade o médico exerça sua atividade pericial ou assistencial, quer pública ou privada, está eticamente proibido de exercer simultaneamente as duas sobre o mesmo paciente.
Aliás, a matéria em foco já foi analisada por este CFM no Processo-Consulta n° 24/96, da lavra do conselheiro dr. Cláudio B. S. Franzen, que de forma brilhante expôs seu juízo de valor sobre a questão, pelo que peço venha para transcrever sua conclusão ao final deste parecer, por concordar inteiramente com a mesma.
No que se refere ao segundo questionamento, ou seja, qual a solução para evitar que o médico atue como perito e assistente do mesmo paciente, tal resposta depende da estrutura jurídica e funcional de cada órgão a que o profissional esteja vinculado. Em setores públicos, onde não raro há insuficiência de profissionais, existe a possibilidade de se firmar convênio com outros órgãos públicos ou, em sua falta, privados, a fim de que os setores de saúde possam auxiliar uns aos outros, evitando a possibilidade de o médico atuar como perito e assistente do mesmo paciente.
A terceira dúvida suscitada pelo requerente também não é de difícil resolução, vez que o CEM, em seus artigos 110 e 119, assim prescreve:
“É vedado ao médico:
Art. 110 - Fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique, ou que não corresponda à verdade.
Art. 119 - Assinar laudos periciais ou de verificação médico-legal, quando não o tenha realizado, ou participado pessoalmente do exame.”
A clareza dos dispositivos acima torna despiciendo maiores considerações, haja vista ser terminantemente proibido ao médico fornecer atestado ou laudos sem ter praticado o ato correspondente. Homologar significa ratificar um ato. Logo, a homologação de um atestado médico, para ser idônea, necessita do exame direto no paciente, onde o membro da junta médica irá confirmar as bases clínicas do atestado firmado por um colega, podendo inclusive discordar, desde que fundamente sua posição.
Portanto, os atestados médicos só podem ser homologados quando o médico perito e/ou membro de junta médica examinar diretamente o paciente, sob pena de infração aos postulados éticos da profissão.
Uma das alternativas viáveis para evitar problemas dessa ordem seria firmar convênio com outros órgãos públicos ou, em sua falta, privados, para que os pacientes possam ser periciados em locais a que possam ter acesso e, conseqüentemente, ser diretamente examinados pelos peritos.
O quarto item, na verdade, se desdobra em quatro indagações, as quais responderemos objetivamente.
As juntas médicas podem ser compostas por dois ou mais médicos. Não raro, por três médicos. Suas atribuições e formas de atuar, do ponto de vista ético, estão dispostas no Código de Ética Médica e nas resoluções emanadas dos Conselhos de Medicina.
Eticamente, não há nenhuma referência à quantidade de médicos que devem compor uma junta, apenas que deve ter, no mínimo, dois profissionais, por conseqüência lógica de ser um órgão colegiado e não monocrático.
Destarte, quanto à formação e efetivo funcionamento das juntas médicas, devem ser respeitadas as normas e regulamentos que as criaram, desde que não esbarrem em preceitos éticos profissionais, ficando a resposta quanto ao questionamento “se pode apenas dois médicos realizar tal perícia” subordinada à análise dos respectivos normativos.
Tratando-se de serviço público federal, a Orientação Normativa nº 41, do Departamento de Recursos Humanos da Secretaria da Administração Federal (SAF) estabelece que: "compete aos dirigentes de pessoal dos órgãos da Administração direta, das autarquias e das fundações federais a designação de juntas médicas oficiais, compostas de 3 (três) membros."
Portanto, se o regulamento estabelece que a junta médica será composta por três membros, não tem validade o ato praticado por apenas dois profissionais, por não preencher os requisitos formais.
Por seu turno, não pode um membro da junta médica, que na oportunidade da perícia, por algum motivo, encontrava-se impossibilitado de realizá-la, assinar posteriormente o laudo como se efetivamente tivesse participado do ato, pois tal atitude é verdadeira afronta ao artigo 119, acima transcrito do CEM.
As ordens administrativas devem ser obedecidas, desde que não contrariem as leis e os postulados éticos da profissão.
Assim, nada impede que, por ordem administrativa, a inspeção seja realizada após recomposta a junta médica. Porém, o laudo pericial exarado pela mesma deve conter rigorosamente os dados clínicos e patológicos constatados na data em que o paciente foi submetido à perícia.
No que concerne às alternativas para resolver tais questões, novamente firmar convênios com outras entidades públicas ou, em sua falta, entidades privadas pode ser a solução.
Por fim, analisando a última indagação do requerente, mais uma vez afirmamos que as normas e regulamentos dos órgãos administrativos devem ser respeitados, desde que não contrariem as leis e/ou os postulados do Código de Ética Médica. Assim, caso o servidor apresente o atestado para ser homologado fora do prazo regimental, o caso deverá ser encaminhado à autoridade administrativa, a quem caberá resolver a questão.
Caso o servidor se apresente à junta médica só após a convalescença, para homologar o atestado, esta só poderá fazê-lo caso tenha condições técnicas científicas para tal.
Paralelamente, temos o fato de que em nenhuma hipótese o médico pode se submeter a imposições administrativas que contrariem os postulados éticos de sua profissão, devendo atuar com total independência técnica e autonomia profissional. Vejamos o que determina o artigo 8° do CEM:
“O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.”
O exercício da medicina, desde os primórdios, tem como uma de suas principais características a qualidade de profissão liberal, o que atribui ao médico o direito inalienável à sua autonomia.
O médico, na qualidade de profissional liberal, tem como maior elemento caracterizador de sua profissão a liberdade do exercício de suas atividades, com autonomia, respeitando compativelmente a ordem pública e social. Tal liberdade, é evidente, está em tudo aquilo que essa ordem admite como lícito e necessário.
Mesmo que a profissão médica esteja sujeita aos modelos socioeconômicos vigentes e o médico, transformado em assalariado ou servidor público, ainda assim ela não perde seu caráter liberal.
O artigo 5°, inciso XIII, da Constituição Federal, diz que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.
Assim, desde que contrarie os postulados éticos da profissão, ordem administrativa alguma poderá obrigar a junta médica a homologar atestados, devendo os profissionais se insurgir contra tais aberrações, com os instrumentos jurídicos próprios.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, temos que:
a) tendo em vista o art. 120 do Código de Ética Médica, somos de parecer que no caso em tela o médico que exerce função de perito não pode desempenhar função de médico-assistente, sob pena de comprometer a isenção necessária à função e, por outro lado, como perito, certamente prejudicará a relação médico-paciente, absolutamente necessária ao bom relacionamento entre os mesmos;
b) os atestados médicos só podem ser homologados quando o médico perito e/ou membro de junta médica examinar diretamente o paciente, sob pena de infração aos postulados éticos da profissão;
c) se o regulamento estabelece que a junta médica deve ser composta por três membros, não tem validade o ato praticado por apenas dois profissionais, por não preencher os requisitos formais;
d) não pode um membro da junta médica, que na oportunidade da perícia, por algum motivo, encontrava-se impossibilitado de realizá-la, assinar posteriormente o laudo como se efetivamente tivesse participado do ato, pois tal atitude é verdadeira afronta ao artigo 119 do Código de Ética Médica;
e) nada impede que, por ordem administrativa, a inspeção seja realizada após recomposta a junta médica. Porém, o laudo pericial exarado pela mesma deve conter rigorosamente os dados clínicos e patológicos constatados na data em que o paciente foi submetido à perícia;
f) desde que contrarie os postulados éticos da profissão, ordem administrativa alguma poderá obrigar a junta médica a homologar atestados.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 9 de novembro de 2006
JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Conselheiro Relator
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