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PROCESSO CONSULTA CFM N° 2882/89
PC/CFM/Nº 04/1991


ORIGENS: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
INTERESSADOS: DRS. CARLOS ARMANDO SELLARO E ARNALDO BARONE PINHEIROS - FEBEM, E DR. JAIME ANBINDER - DIRETOR TÉCNICO DO CS-1 DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS -SP

ASSUNTO: POSICIONAMENTO A SER ADOTADO PELA EQUIPE MÉDICA EM FACE À SOLICITAÇÕES, POR AUTORIDADES JUDICIAIS E ADMINISTRATIVAS, PARA O FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES RELATIVAS A MENORES INFRATORES E DETENTOS DO SISTEMA PRISIONAL, PORTADORES DE SOROLOGIA POSITIVA PARA O HIV.

RELATOR: CONS. HILÁRIO LOURENÇO DE FREITAS JÚNIOR
Ref. Segredo Médico
 

EMENTA: Estão impedidos de revelar SEGREDO MÉDICO, toda a equipe de profissionais que, em virtude do exercício de sua profissão, tenham conhecimento de fatos relativos aos pacientes menores infratores e detentos prisionais, salvo por justa causa, dever legal, ou autorização expressa do paciente.
 

PARTE EXPOSITIVA

O presente processo teve a sua origem a partir de questionamentos levantados pelas equipes médicas da FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO ESTAR DO MENOR – FEBEM - SP e do CENTRO DE SAÚDE 1 de São José dos Campos-SP que, em expedientes encaminhados ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP, solicitaram orientações sobre o posicionamento a ser adotado pela equipe médica, diante de requerimentos de autoridades jurídicas e administrativas, para o fornecimento de informações médicas relativas a menores infratores e detentos do sistema prisional, portadores de sorologia positiva para o HIV. Em ambas as consultas, os médicos em apreço manifestam as suas preocupações sobre o procedimento a ser adotado frente a situação em que a equipe médica se defronta com o dilema de vir a romper o sigilo médico por solicitação de seus superiores ou de autoridades judiciais e o rígido cumprimento do que estatue o Código de Ética Médica, o Código Penal e o Código Civil em seus artigos relativos ao Segredo Profissional.
No primeiro expediente, as questões formuladas foram:
 
1 - Deve o médico revelar resultados de exames de menores infratores quando solicitados pela Diretoria da FEBEM, a qual a equipe médica é subordinada?

2 - Pode o médico revelar estes resultados de exames à equipe multidisciplinar composta por assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, professores, monitores, pessoal de enfermagem, diretor, da unidade, etc.?

3 - Estando o menor sob a guarda e responsabilidade do Exmo. Sr. Juiz de Menores que é o seu responsável legal, qual a atitude do médico quando solicitado a revelar tais exames?

4 - Como proceder quanto as informações a serem colocados no relatório multidisciplinar quando da transferência do menor infrator anti-HIV reagente para outras unidades da FEBEM?

5 - Como proceder quando a equipe multidisciplinar entende que os familiares devam ser informados e o menor infrator anti-HIV reagente manifesta o desejo em contrário?

6 - Teria o menor infrator, com sorologia positiva para o HIV, correto julgamento de sua condição física e toda uma série de implicações que extrapolam a sua individualidade, envolvendo familiares, contatos sexuais e muitas vezes filhos?

Quanto ao segundo expediente, as questões formuladas foram:

1 - Deve o médico informar ao Diretor do Estabelecimento Penal, às Instituições Judiciais e filantrópicas sobre a situação de saúde dos pacientes sob seus cuidados profissionais?

2 - O médico deverá permitir a presença de escolta policial no consultório durante o atendimento médico?
Diante de tais questionamentos, o Presidente do CREMESP designou inicialmente o Cons. Adagmar Andriolo para se pronunciar sobre o contido no expediente de n° 21.594/88 - FEBEM, e o Cons. Luiz Gastão Mange Rosenfeld que responderia ao expediente de n° 9.356/89 - CS I de São José dos Campon-SP.
Acatando integralmente o Parecer da lavra da eminente Ass. Jurídica do CREMESP, Dra. Cecília S. Marcelino, o Cons. Adagmar Andriolo apresentou o referido parecer ao Pleno daquele Regional, não obtendo, contudo a aprovação do mesmo nos termos propostas, tendo sido então, naquela ocasião, designado o Cons. Luiz Gastão Rosenfeld para emitir novo parecer sobre a matéria.

Em sessão plenária realizada em 18.09.89, ambos os pareceres, da lavra do Cons. Luiz Gastão M. Rosenfeld foram aprovados pelo Pleno daquele Regional.
 
CONSIDERAÇÕES RELATIVAS AO EXP. N° 21.594/88
INTERESSADO: FEBEM
 
Em resposta à equipe médica da FEBEM e citando o artigo 154 do Código Penal e os artigos 102 e 103 do Código de Ética Médica, o parecerista assim se pronunciou:

"O segredo médico diante de moléstia infecto-contagiosa comporta considerações a respeito do direito individual que passa a ser suplantado pelo direito da coletividade. A notificação compulsória e uma instituição que rompe essa barreira".

Segundo o parecerista, diante de tais circunstâncias a "quebra do sigilo médico" se justifica pois permite, as autoridades sanitárias, a adoção de medidas profiláticas evitando novas contaminações.

E conclui o seu parecer afirmando:
"Diante do exposto entendemos que no caso da Unidade de Menores Infratores da FEBEM, pode o médico comunicar às autoridades administrativas os menores contaminados pelo HIV desde que a identificação desses menores vise a adoção de medidas profiláticas e o tratamento adequado desses pacientes. Essas comunicações devem estar condicionadas à participação do médico na organização das medidas profiláticas afim de assegurar a sua adequação técnica e moral e assim garantir a justa causa da "quebra do segredo médico".

"Com relação à comunicação aos pais ou responsáveis legais, no caso o Juiz de Menores, cabe ao médico julgar se o menor está apto a compreender a complexidade do problema e a se conduzir adequadamente, caso contrário a comunicação deve ser realizada independentemente da decisão do menor.
"A equipe multidisciplinar constituída por profissionais de saúde está sujeita ao segredo profissional podendo ser notificada sem restrições sobre os menores contaminados pelo HIV.

CONSIDERAÇÕES RELATIVAS AO EXP. N° 9.356/89
INTERESSADO: CENTRO DE SAÚDE 1 DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS-SP

Tendo por instrumento de análise os mesmos diplomas legais, o parecerista conclue:

"No caso de estabelecimentos prisionais, pode o médico comunicar às autoridades, administrativas ou judiciais gerais os detentos contaminados pelo HIV, desde que a identificação desses indivíduos vise a adoção de medidas profiláticas e tratamento médico adequado aos pacientes."

E acrescenta:
"Considerando-se o caso específico da entidade filantrópica que presta assistência aos presos em regime semi-aberto não se justifica a ruptura do segredo médico, visto que pressupõe-se os indivíduos liberados para esse regime prisional apresentam comportamento adequado ao convívio social".
 
No que tange ao terceiro item da consulta, referente a presença de escolta policial durante o atendimento médico, opina o Cons. Luiz G. M. Rosenfeld "ser de responsabilidade da autoridade policial a guarda de um presidiário bem como a segurança da equipe de saúde durante o seu atendimento.

E acrescenta:
"Na dependência do comportamento do presidiário e a critério da autoridade policial, o atendimento pode ser realizado com o paciente contido por algemas ou até, se indispensável, com acompanhamento policial. Esta última situação deve ser evitada a fim de não prejudicar o relacionamento médico paciente e permitir a ruptura do segredo médico".
 
DOUTRINA
Afora as situações decorrentes da prática médica que não parecem trazer em seu conteúdo, pontos polêmicos capazes de provocar conflitos em nossas consciências, resta-nos analisar a conceituação e o mérito de que seja "segredo médico", seu alcance e limitações.

Da época em que o segredo médico foi colocado no juramento de Hipócrates onde, no dizer do Prof. Genival Veloso de França, em seu livro, "Direito Médico" "... tal princípio se traduzia em uma obrigação moral, compactuada entre os mestres de Cós e os neófitos de Asclepíades, não repousando em bases jurídicas, nem sobre uma noção de ordem pública", até os nossos dias, muitas transformações se deram, substituindo a clássica deontologia por um sistema de normas adaptáveis à realidade atual. Entretanto longe de termos superados o dilema da correta e adequada conceituação do que venha a ser "segredo médico" e dos limites nítidos e inquestionáveis de seu conteúdo filosófico e deontológico, a modernidade nos remete à novos conflitos por sentirmos que os princípios éticos, e jurídicos estabelecidos nem sempre se mostram fáceis de serem aplicados em certas circunstâncias.

Assim se pronunciou o notável jurista, Dr. ANTONIO CARLOS MENDES, em seu parecer apresentado ao CREMESP, em 10.02.80 sobre o segredo médico:

"0 segredo médico é uma espécie de segredo profissional, isto é, consiste no resultado das confidências que o médico, como tal, recebe de seus clientes, com o fim de poder prestar-lhe qualquer serviço atinente a sua profissão. As confidências feitas ao médico pelo doente não se devem restringir apenas àquelas que o paciente manifesta mas, antes, a tudo que o médico observa e verifica ligado à doença de seu cliente, incluindo o que lhe diz o doente e o que contempla por si e até o que descobre e que o doente não deseja revelar".

Conhecido por uma ou por um número limitado de pessoas, o segredo medico, obtido necessariamente no exercício da profissão é protegido ética e penalmente, com o intuito de proteger a vontade manifesta ou não do paciente, resguardando a confiança que se estabelece na relação médico-paciente e frustrando os danos que a sua revelação poderia causar no conceito que o paciente goza na sociedade, evitando com isso, prejuízos de ordem material ou moral.

Enfim, entendemos ser, o segredo médico, o silêncio a que está obrigado a manter o profissional da medicina, sobre fatos que ele viu, ouviu ou deduziu no exercício de sua profissão, ressalvados os casos de justa causa, dever legal ou por autorização expressa do Paciente.

JURISPRUDÊNCIA
O segredo médico está protegido no Código de Ética Médica em seus artigos 102 usque 109 e artigo 117 além dos 154 do Código Penal, 144 do Código Civil e 207 do Código de Processo Penal. Tais instrumentos jurídicos e ético garantem ao paciente, e obrigam ao médico a guarda do segredo.
 
Código de Ética Médica
É vedado ao médico: - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do
exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou
autorização expressa do paciente.
 
Parágrafo único: permanece essa proibição

a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido.

b) quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.

Art. 103 - Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente.

Art. 104 - Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir paciente ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações leigas.

Art. 107 - Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei.

Art. 108 - Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso.
 
Art. 117 - Elaborar ou divulgar boletim médico que revele o diagnóstico, prognostico ou terapêutica, sem a expressa autorização do paciente ou de seu responsável legal.
* deixamos de citar os artigos do C.E.M. que mesmo se referindo ao segredo médico, não guardam relação direta com o presente caso.

Código Penal
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tenha ciência, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Pena: detenção de três meses a um ano.
 
Código Civil
Art. 144 - Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão deva guardar segredo.
 
Código de Processo Penal
Art. 207 - São proibidos de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo salvo, se, desobrigado pela parte interessada quiserem dar seu testemunho.

A não observância dessas normas éticas e penais resulta em punições a todos os profissionais que dolosamente vierem a quebrar o sigilo das informações obtidas no exercício de seu mister. 11 l
 
Entretanto a obrigação da guarda do segredo médico não é absoluta. Para tanto existem exceções do segredo que, por interesse da coletividade encontram amparo nos artigos 269 do C.P., 66 da lei das Contravenções Penais, e no artigo 59 do C.E.M.
 
Código Penal
Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória.
Pena: detenção de seis meses à dois anos.
 
 
Lei das Contravenções Penais
Art. 66 -Deixar de comunicar à autoridade competente: (...) II - Crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal.
 
Código de Ética Médica Art. 59 - É vedado ao médico:

"Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe um dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal". (grifo nosso)

Estas normas éticas e jurídicas contemplam as hipóteses legais de quebra do sigilo médico por "justa causa" diante das quais o médico se acha protegido, não se constituindo tal procedimento em infração ética ou penal. Caracterizam tais exceções as informações prestadas pelo médico nas: declarações de nascimento, declarações de óbito, doenças de notificação compulsório, laudos periciais e atestados médicos.

Além dessas exceções previstas nos artigos citados, outras exceções são reguladas pelo Direito Positivo ao reconhecer como excludente de criminalidade, a quebra do segredo médico nas hipóteses de legítima defesa, do estado de necessidade ou do exercício regular do direito.

Enquanto que para alguns estudiosos da matéria o julgamento dos motivos que justificariam a quebra do sigilo médico por justa causa está subordinada exclusivamente ao arbítrio do médico, este Egrégio Conselho, em parecer n° 3016/89, aprovado em 20/03/90, da lavra do nobilíssimo Cons. Hércules Sidnei Pires Liberal faz referência a farto material jurisprudencial que afirmam categoricamente estar, a justa causa tutelada pelo Direito. Por isto, nos ilustra o nobre parecerista, no 2° item de suas conclusões que: o médico somente poderá revelar o segredo médico se o caso estiver contido nas hipóteses de justa causa., determinadas exclusivamente pela legislação e não pela autoridade, ou se houver autorização expressa do paciente. (o grifo é nosso).

Segundo ainda o jurista ANTONIO CARLOS MENDES, citado pelo Cons. Hércules Sidnei Pires Liberal em seu parecer, "a justa causa tem, assim, os seus limites fixados pelo Direito, não admitindo circunstâncias estranhas que conduziriam fatalmente à imprecisão e alargamento excessivo da posição justificativa, com o enfraquecimento da tutela penal".
 
PARTE CONCLUSIVA

Tendo por instrumento de análise os princípios doutrinários e jurisprudências contemplados neste parecer, passamos a apreciar as questões formuladas nos respectivos expedientes.
 
Da análise do conteúdo do expediente CREMESP de n° 21.594/88 que trata da questão dos menores da FEBEM com sorologia positiva para o HIV convém destacar as três situações, diante das quais , o parecerista se pronunciou:

1- Revelar segredo médico às autoridades administrativas da FEBEM, sobre menores infratores com sorologia positiva para o HIV justificando a quebra do sigilo médico pela necessidade de adoção de medidas profiláticas a serem implementadas pelas autoridades sanitárias

2- Revelar segredo Médico aos pais ou responsáveis legais (no caso, o juiz de menores) após reconhecer a incapacidade do menor infrator em dar solução ao problemas por seus próprios meios.

3- Revelar segredo Médico à equipe multidisplinar, sobre os Menores da FEBEM, por entender que a solução do problema não se limita a ação do Médico como também pela imposição do sigilo profissional a que estão sujeitos todos os profissionais da equipe.

Como vimos, o segredo médico não é absoluto estando entretanto, a sua revelação, subordinada à tutela penal e aos preceitos éticos da profissão. Assim, entendemos que não podemos concordar com a opinião do parecerista quanto a primeira situação, visto que nenhum benefício traria, aos menores infratores, a revelação de seus nomes e enfermidades ao administrador responsável. Pelo contrário, é de se imaginar os possíveis danos morais que tal procedimento acarretaria aos mesmos, com a revelação dessas informações. As autoridades administrativas cabe, tão somente, apoiar as decisões da equipe médica no âmbito da instituição.

Concordamos entretanto com o parecerista quanto ao seu encaminhamento nas duas outras situações. No nosso entendimento, não há quebra do sigilo médico quando o segredo é dado a conhecer ao juiz de menores porquanto, estando o menor infrator sob tutela do estado, e o juiz da Vara de Menores o seu responsável legal previsto do Art. 103 do C.E.M.; assim como também não há quebra do sigilo quando da revelação do segredo médico perante a equipe multidisciplinar constituída com o propósito de uma melhor abordagem do problema, por estarem também, esses profissionais, presos ao sigilo profissional por força do Art. 207 do Código de Processo Penal.

Quanto ao segundo expediente de n° 9.356/89 relativo aos detentos do sistema prisional com sorologia para o HIV, aqui também o parecerista do CREMESP aborda a questão do segredo médico em duas situações que merecem breves considerações:

1- Revelar segredo médico sobre detentos portadores de sorologia positiva para o HIV, às autoridades administrativas ou judiciais legais;

2- Revelar segredo médico sobre mesmos detentos, às instituições filantrópicas que prestam assistência social e espiritual no interior dos presídios.

Em face a estas duas situações, lembramos que o Cons. Relator pronunciou-se favorável a revelação do segredo médico às autoridades administrativas ou judiciais gerais e contrário à revelação do segredo às entidades filantrópicas.
 
No que se refere a primeira situação, acreditamos já à termos contemplada ao comentarmos o expediente anterior, ou seja, naquela ocasião afirmamos que "revelar segredo médico às autoridades administrativas e judiciais nenhum benefício proporcionaria ao detento nem tampouco havia o amparo dos diplomas legais para a quebra do sigilo".

Mesmo considerando as estreitas relações que comumente ocorrem entre os detentos em graus variados de promiscuidade, tendo como conseqüência a provável transmissão do HIV para outros detentos, não será a simples identificação destes, às autoridades do sistema prisional que irá proporcionar a correta e adequada abordagem e epidemiológica do problema.

Em parecer elaborado pelo Cons. Antonio Ozório Leme de Barros com a colaboração do Cons. Guido Carlos Levi, aprovado na 1295° Reunião Plenária do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, realizada em 03/05/88, em sua alínea (e), sobre Estabelecimentos Prisionais, lemos:

"De nada adiantaria a adoção de medidas de identificação de portadores do HIV entre aqueles que ingressam no sistema prisional se, efetivamente não se puder desenvolver um atendimento subseqüente adequado e que respeite a dignidade da pessoa. Tal procedimento, tendo-se em vista as atuais condições do sistema, poderá servir para aumentar a estigmatização dos portadores do HIV, expondo-os a riscos de segregação ou mesmo hostilização. Além disso, há que se pensar na melhoria dos serviços de saúde hoje disponíveis no âmbito de tais estabelecimentos, sabidamente precários em termos de recursos (C.E.M. - art. 1°, 2°, 6°, 47 e 53).

"As condições peculiares existentes nos presídios impõem que sejam adotadas programas educacionais, dirigidos à população carcerária e aos funcionários de tais Instituições com o objetivo de reduzir, na medida do possível, o risco de aquisição da doença (C.E.M. - art. 1°. 2°, 6° e 12)".

"Finalmente, devemos ter em conta de que cabe ao Estado zelar pela preservação da integridade e da dignidade daqueles que se encontram recolhidos ao sistemas prisional. Ao médico que atua em tais instituições, por seu turno, é atribuída parte dessa responsabilidade, devendo este, portanto, empregar o melhor de si para que tal escopo seja atingido (C.E.M. - art. 1°, 2°, 19, 22, 44 e 53)".

Homologado pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Ministério da Saúde, o citado parecer consegue ser simples e sábio, doutrinário e pedagógico, ao compatibilizar os princípios filosóficos e deontológicos com a realidade social com que se defrontam de um lado a deontologia médica e de outro, os imperativos legais e morais responsáveis pela salvaguarda dos interesses da coletividade.

Assim, não podemos concordar com a proposição do parecerista quarto à Conclusão adotada para a primeira situação.

No tocante a segunda situação, parece-nos de meridiana clareza que em nenhuma hipótese, prevista ou omitida pelos diplomas legais, explícita ou implícita, se justifica a ruptura do sigilo profissional perante pessoas estranhas ao ofício da medicina, destituídas que são da obrigação da guarda do segredo médico que vieram a conhecer, no que estamos de acordo com a posição adotada pelo parecerista.
 
Finalmente passamos a considerar a última questão levantada pela equipe médica do Centro de Saúde de São José dos Campos referente a presença de escolta policial no consultório durante o atendimento médico.
Naquela oportunidade o Cons. Luiz G. M. Rosenfeld concluiu:

"... ser de responsabilidade da autoridade policial a guarda de um presidiário bem como a segurança da equipe de saúde durante o seu atendimento" e que "... na dependência do comportamento do presidiário e a critério da autoridade policial, o atendimento pode ser realizado com o paciente contido por algemas ou até, se indispensável, com acompanhamento policial.
 
Nestas circunstâncias do atendimento do presidiário duas situações são colocadas:

1 - o atendimento médico ocorre com o presidiário contido por algemas.

2 - o atendimento médico do presidiário ocorre na presença de escolta policial.

Absolutamente não podemos concordar com a opinião do parecerista, por considerar que estas condições do atendimento médico, são indignas ao ser humano, envergonham a medicina e contrariam os postulados éticos e morais da profissão.

A nossa discordância com a opinião do parecerista não se baseia num excesso de zelo humanitário ou de sentimento de pieguismo por aqueles que estão na condição de detento e portanto, com seus direitos restritos à vontade da autoridade policial. Mas antes se baseia em princípios consagrados mundialmente e que se expressam com muita nitidez nos postulados éticos da profissão médica em seus PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS e nos PRINCÍPIOS DE ÉTICA MÉDICA relativos ao papel do pessoal de saúde, especialmente os médicos, na proteção de prisioneiros e detentos contra tortura e outra forma cruel, desumana ou degradante de tratamento ou punição. Senão vejamos:
 

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1° - A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.

2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra a sua dignidade e integridade.
 
 
DIREITOS HUMANOS:
Art. 47 - Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

PRINCÍPIO 1:
O pessoal de saúde principalmente os médicos encarregados da assistência médica de prisioneiros e detentos, tem o dever de oferecer-lhes proteção à sua saúde física e mental, e tratamento de doença da mesma qualidade e padrão dispensados àqueles que não são prisioneiros ou detentos.
 

Brasília-DF, 08 de março de 1991.
 


HILÁRIO LOURENÇO DE FREITAS JUNIOR
Cons. Relator
 


Aprovado em Sessão Plenária
Dia 08/03/91


Não existem anexos para esta legislação.

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