
PROCESSO-CONSULTA CFM nº 7.658/97
PC/CFM/Nº 25/98
INTERESSADO: Conselho Regional de Medicina do Estado do Piauí
ASSUNTO: Exames realizados em Shopping Center
RELATOR: Cons. Júlio Cézar Meirelles Gomes
RELATOR DE VISTA: Cons. José Abelardo Garcia de Meneses
EMENTA: A divulgação promocional de atendimento médico deve ser alicerçada na moderação, procurando informar à sociedade os avanços científicos.
Deve o médico afastar-se do mercantilismo e da propaganda falaciosa.
Na hipótese de possível infringência ao Código de Ética Médica, a sindicância deve ser instaurada pelo Conselho Regional de Medicina, conforme preceitua o Código de Processo Ético-Profissional.
Propaganda médica que induz à necessidade de exame complementar de forma consumista é antiética.
A propaganda e divulgação de assunto médico não deve estimular a inversão no atendimento à saúde, cindindo o contato e o entendimento entre as pessoas.
DA CONSULTA
Trata o presente de pedido de "vistas" solicitado ao parecer apresentado pelo 1° Secretário do CFM, cons. Júlio Cézar Meirelles Gomes, sob consulta formulada por médicos de Teresina/PI, proprietários de uma clínica de ultra-sonografia instalada em Shopping Center, dispostos a realizar exames especializados de forma preventiva.
E X P O S I Ç Ã O
Transcrevo trechos do parecer originário da lavra do eminente conselheiro desta casa, Júlio Cézar Meirelles Gomes.
"Em novembro de 1997 os referidos médicos Drs. José Ricardo de Souza Neto e Marta Maria P. de Souza elaboraram um projeto de divulgação de serviços (propaganda) que consiste em pacote ultrassonográfico de dois tipos, com varredura de diversas regiões anatômicas por um preço promocional inferior à soma dos procedimentos isolados e divulgado em painel no espaço saúde no referido shopping.
Segundo informações contidas na consulta feita do CRM-PI, após a detecção de alterações ultrassonográficas os pacientes seriam encaminhados a um especialista sem ônus adicional ou vantagem financeira para clínica de origem. A propaganda desse tipo de promoção é feita mediante cartaz no próprio Shopping Center, cujo conteúdo não foi revelado e prospecto cujo texto se reproduz abaixo:
"A RAD IMAGEM AVANÇA...
VOCÊ SABE POR QUÊ?
A saúde no Piauí está bem servida. Existem métodos capazes de identificar qualquer anomalia por mais escondida que esta esteja. O diagnóstico por imagem, por exemplo, está revolucionando a medicina de hoje. Dispomos agora de equipamentos da mais alta sofisticação, mas de nada adiantaria se não pudéssemos contar com uma equipe de doutores que entendessem mais de medicina do que essas máquinas maravilhosas...
É assim que a Rad Imagem descobre tudo que você tem com a maior facilidade do mundo e faz todos os exames que você precisa sem nenhuma burocracia. Atendemos também aos Planos e Seguros Saúde. E tem mais, agora estamos instalados no Espaço Saúde do Teresina Shopping para receber você com muito mais conforto, atenção redobrada, bastante profissionalismo e muita competência.
Rad Imagem, o Futuro Agora..!
"É sempre bom verificar como anda a sua saúde...!"
Entregamos exames à domicílio ou diretamente a seu médico conforme solicitação"
A primeira questão a ser apreciada no presente parecer é admitir se o Conselho Federal de Medicina em caráter excepcional deve atender à demanda em apreço, até prova em contrário restrita à competência da CODAME/CRM-PI, conforme preconiza a Res. CFM 1036/80 item a do art.16, in verbis:
"a)- dar parecer a consultas feitas ao Conselho Regional de Medicina a respeito de publicidade de assuntos médicos, interpretando pontos duvidosos, conflitos e omissões"
O encaminhamento feito pelo presidente da entidade, Dr. Luís Nodgi, ocorreu, segundo alegações do mesmo, de dificuldades de ordem pessoal e institucional para emissão de parecer tendo em vista tratar-se de médicos de sua relação de amizade com forte envolvimento junto a outros Conselheiros. A vista de alegação, não resta senão acatar o pedido."
A questão trazida ao Conselho pelos subscritores da consulta formula em sua origem duas perguntas distintas:
"1° Em qualquer local ou em qualquer momento em nossa cidade observamos propagandas de Clínicas, Hospitais e Consultórios Médicos. Sabemos que em uma economia de mercado como a nossa toda e qualquer propaganda (publicidade) é sempre um investimento que se reveste (direta ou indiretamente) em promoções. Neste sentido indagamos o que não é ético com referência a estas propagandas, observado o disposto no art. 132 do capítulo XIII do nosso código de ética. Quais são os limites diferenciais de uma propaganda que não proporcione promoção da entidade médica?"
Assim se pronunciou o parecerista Júlio Cézar:
"Se, no presente caso, a entidade médica é a própria clínica de ultra-sonografia nada de mais nem de menos que a propaganda promova a instituição que a concebeu com esse exato propósito. A questão é como fazê-lo. A resposta está contida de maneira clara e explícita no texto do Capítulo XII do CEM e nos termos da Res. 1036/80 do CFM. Nada temos a acrescentar ao que está escrito, nem cabe interpretação da norma face a clareza iniludível do referido texto."
"2º Com o intuito de divulgar o diagnóstico e tratamento precoce (3º nível de prevenção) temos observado freqüentemente entidades médicas públicas e privadas promoverem eventos onde são realizados consultas e/ou outro procedimentos médicos na maioria das vezes com cortesia completa ou parcial. Nestes casos, em geral, quando diagnosticado desvio na normalidade, o paciente é encaminhado para prosseguimento da investigação, o que invariavelmente gera novos procedimentos, não mais com cortesia. Observado o disposto em nosso Código de Ética, existe impedimento para tal procedimento?"
Desta forma se pronunciou outra vez mais o cons. Júlio Cézar:
"A segunda questão alcança o âmago da consulta quando nos indaga se no presente caso, considerado o pacote ultrassonográfico uma cortesia promocional, ou seja, uma redução de custo do conjunto de exames, haveria ou não impedimento ético. Como se vê a promoção significa um conjunto de exames solicitados ou não, por médicos que implica em fazer mais do que o pretendido ou quiçá o necessário, sugerindo lesão potencial dos artigos 60 e/ou 42 do CEM que recomendam ao médico evitar procedimentos em exagero com intuito comercial. No caso a pretensão da clínica, segundo alega é a varredura preventiva, embora haja a vantagem comercial de vender exames não solicitados ou senão desnecessários; mas prevenir não pode ser considerado desnecessário se considerarmos a faixa de idade estipulada acima de 45 anos, desde que o candidato aos exames seja esclarecido das desvantagens e inconveniências e não seja induzido a fazê-lo, sendo-lhe facultado fazer o procedimento simples de origem. Caso o indivíduo por sua livre e espontânea vontade resolva submeter-se a um "check up ultra-sonografia ", não vejo inconveniente formal e ainda goza da vantagem da redução de custo.
Haveria inconveniente ético, repito, "na indução" do paciente que portador de um pedido de ultra-sonografia simples, sendo levado a consumir um pacote complexo, não pretendido ou solicitado, quando haveria uma clara influência do profissional de saúde sobre o paciente. Nesse caso tem que existir o pleno e total esclarecimento sobre o direito do paciente em não fazer o pacote, desde que possa avaliar com clareza, as vantagens e desvantagens da proposta, tudo em linguagem acessível e não aliciante.
Afora esta questão, cabe apreciar a possibilidade do preço vil do pacote em aparente desacordo com o artigo 86 do CEM e configurando ademais um tipo de concorrência desleal. Não parece ser o caso visto que a banda comercial no presente caso entre 60 a 80 reais mostra-se na faixa de tolerância e nos limites previstos do artigo 89 do CEM. Portanto o valor mostra-se na faixa do razoável.
...
Para concluir, há que se examinar os termos do panfleto da Clínica Rad Imagem, o qual dispõe "que existem métodos capazes de identificar qualquer anomalia por mais escondida que ela esteja". Noutro trecho ainda diz que "a RAD Imagem descobre tudo que você tem com a maior facilidade do mundo", numa linguagem sem sombra de dúvida sensacionalista, imprópria que induz a expectativa em desacordo com as possibilidades técnicas da ciência médica, o que merece apreciação pela CODAME do CRM-PI."
P A R E C E R
Tem sido um princípio dogmático nos Conselhos de Medicina a defesa hercúlea da restauração da saudável prática da relação médico-paciente, como esteio na profilaxia das alegações de erro médico. Aliás, o nosso Código de Ética Médica, alicerçado nos princípios hipocráticos, conta entre os seus princípios basilares com compromissos de respeito à vida, a importância do segredo profissional e à preservação da relação médico-paciente.
O cidadão não queixa-se de absolutamente nada. Ou se percebe algo anormal que esteja comprometendo a sua saúde, por razões diversas, não procura o Médico. De uma forma ou de outra, ao invés de ser orientado a procurar aquele que irá conversar, examinar, palpar, olhar, sentir, é induzido a realizar um exame subsidiário, complementar, para a partir daí procurar um médico, com algumas fotografias e um laudo para que, aí sim, possa ser examinado. Senão, vejamos uma situação hipotética mas não muito fora da realidade: o cidadão que vai ao lazer ou às compras em família e que, de repente, depara-se com um anúncio:
"A RAD IMAGEM AVANÇA...
VOCÊ SABE POR QUÊ?
A saúde no Piauí está bem servida. Existem métodos capazes de identificar qualquer anomalia por mais escondida que esta esteja. O diagnóstico por imagem, por exemplo, está revolucionando a medicina de hoje. Dispomos agora de equipamentos da mais alta sofisticação, mas de nada adiantaria se não pudéssemos contar com uma equipe de doutores que entendessem mais de medicina do que essas máquinas maravilhosas...
É assim que a Rad Imagem descobre tudo que você tem com a maior facilidade do mundo e faz todos os exames que você precisa sem nenhuma burocracia. Atendemos também aos Planos e Seguros Saúde. E tem mais, agora estamos instalados no Espaço Saúde do Teresina Shopping para receber você com muito mais conforto, atenção redobrada, bastante profissionalismo e muita competência.
Rad Imagem, o Futuro Agora..!
"É sempre bom verificar como anda a sua saúde...!"
Entregamos exames à domicílio ou diretamente a seu médico conforme solicitação".
(Os grifos são de responsabilidade deste Relator)
Como médico, independente de estar conselheiro, gostaria de acreditar que estou enganado.
C O N C L U S Ã O
Entendo ser este trabalho insidioso uma propaganda falaciosa, que não deve prosperar. Há indícios de agressão ao nosso Código de Ética em cinco artigos, senão vejamos:
Código de Ética Médica:
"Art. 9° - A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio.
É vedado ao médico:
Art. 60 - Exagerar a gravidade do diagnóstico ou prognóstico, complicar a terapêutica, ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.
Art. 80 - Praticar concorrência desleal com outro médico.
Art. 86 - Receber remuneração pela prestação de serviços profissionais a preços vis ou extorsivos, inclusive através de convênios.
Art. 132 - Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico."
Ao apurar este fato deve o Conselho Regional de Medicina investigar, inclusive, o anúncio das especialidades anunciadas pelos consulentes, para que também não haja infração ao artigo 135 do nosso diploma legal:
"É vedado ao médico: Art. 135 - Anunciar títulos científicos que não possa comprovar ou especialidade para o qual não esteja qualificado."
Desta forma, amparado no artigo 4° do Código de Processo Ético-Profissional, deve o CRM-PI instaurar a devida sindicância visando contornar e elucidar a distorção descrita acima, in verbis:
"Art. 4° - A sindicância será instaurada:
I – ex-officio, por deliberação do Conselho, ao tomar conhecimento de denúncia formulada por Conselheiro;
II – mediante denúncia por escrito, ou tomada a termo, na qual conste o relato dos fatos e a identificação completa do denunciante;
III - ..."
No presente, há uma inversão que incomoda, uma ruptura na anamnese e no exame físico. Cindir o contato e o entendimento entre pessoas humanas é algo que denigre a profissão médica.
Este é o parecer, S.M.J.
Brasília (DF), 5 de setembro de 1998
JOSÉ ABELARDO GARCIA DE MENESES
Conselheiro Relator de Vista
Parecer aprovado na Sessão Plenária do dia 09/09/98 JAGM/mfmo
Não existem anexos para esta legislação.
Atenção: Com a edição de novas leis e/ou resoluções, pareceres antigos podem estar desatualizados.
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