
PARECER CONSULTA N° 726/88
PC/CFM/Nº 05/1989
ASSUNTO : Teste de Imunofluorescência para AIDS em trabalhador
RELATOR : Conselheiro Antonio Rafael da Silva
O Dr. Sylvio Fernandes Botelho, CRM 52-07565/, Chefe dos Serviços Médicos da Companhia Atlantic de Petróleo, tendo em vista a perspectiva de se incluir nos exames pré-admissionais e nos exames periódicos dessa companhia testes de Imunofluorescência para AIDS, vem solicitar parecer do Conselho Federal de Medicina sobre a conveniência ou não de sua realização.
PARECER E CONCLUSÕES
A partir do instante em que se diagnosticou o primeiro caso de AIDS, até seu alastramento a nível mundial, muitos problemas, surgiram que vão desde a falta de atendimento médico, até as discriminações social, econômica e trabalhista, mostrando que a propagação da epidemia segue padrões diversos, frente a um vírus que sendo o mesmo em todos os continentes e parasitando as mesmas cédulas do corpo humano, não raramente consegue levantar a mesma problemática do temor.
Os impactos sociais que gera, remete-nos a diferentes representações da doença e da saúde segundo os grupos sociais integrantes de uma mesma sociedade. É sabido que cada país, mobiliza-se para enfrentar os problemas de saúde de acordo com a sua organização social e graus de cultura. É fácil verificar no cotidiano que em nosso país a mesma doença recebe tratamento diferenciado segundo a categoria da vítima; que a representação da saúde para as classes menos privilegiadas se restringe a ausência de doença enquanto que para a dominante a questão passa pela qualidade de vida.
No que diz respeito a AIDS todas as estatísticas mostram o acometimento maior na população cuja faixa etária está entre aquelas de maior produtividade, com previsão de que 40% a 50% dos infectados evoluição para AIDS num período de 10 anos. Neste contexto há de se pensar que a sociedade brasileira deva se preocupar com a AIDS, pelo número de novos casos que aparecerão, pelos recursos disponíveis, pelos hospitais que necessitam de melhor aparelhamento, pelo prejuízo econômico do país com a perda de significativa força de trabalho, já que a doença é inexorável. Enfim, por tudo isso, a mágoa, a preocupação e a necessidade de se fazer alguma coisa, levam indivíduos e instituições a tomarem suas iniciativas.
Há de se perguntar: é ético ao médico de posse de um exame, dar conhecimento do resultado fora do âmbito da saúde pública? Pode um Departamento Médico ou o próprio médico de uma empresa quebrarem o sigilo profissional e fornecerem resultados de exames que de direito pertencem ao paciente? O resultado de exames fornecidos a empresas traz alguma contribuição à saúde pública? Não constitui cerceamento no direito de trabalhador a realização de um exame compulsório e sem direito ao domínio do resultado? Estas são indagações inquietantes e no momento são motivo de grandes controvérsias.
Sobre a perspectiva de se incluir testes Anti-HIV, na admissão e periodicamente em trabalhadores de empresas, somos de acordo que não há justificativa para a realização de tal exame. No estado atual dos conhecimentos o teste de triagem que tem limitações, não só de ordem técnica como econômica, pode apresentar falsos positivos e isto servir de pretexto para bloquear acesso ao trabalho. Seguindo. Quem precisa saber do resultado do teste são o interessado e as autoridades de saúde pública para que estruturem suas campanhas e tenha conhecimento da extensão do problema. Isto foge ao âmbito das empresas que podem sim prestar uma grande contribuição à prevenção da AIDS, ao portador do vírus e ao aidético, ao difundir os conhecimentos relacionados à prevenção da doença entre os empregados, familiares e comunidade diretamente ligada à empresa e ajudando, em caso de tomar conhecimento, ao doente e aos empregados portadores de vírus, colaborando com recursos na manutenção de instituições que prestam assistência à prevenção e tratamento da AIDS. Cabe lembrar a empresa que o trabalho integra socialmente as pessoas e evita o caminho da marginalização. Uma pessoa marginalizada (e AIDS projetou esta característica em nossa sociedade) sem possibilidades de trabalho, privada da assistência médica, sem condições financeiras, pode voltar-se, como forma de sobrevivência, para atividades que contribuam para a disseminação da doença.
Do ponto de vista do empregado a exigência do teste é discriminatória e descabida de sentido lógico. No particular do médico da Empresa em posse de resultado do teste à sua revelação fere o Código de Ética Médica naquilo que é o primeiro dos seus Princípios Fundamentais; "A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza" e invade o capítulo dos Direitos Humanos no seu artigo 47 "é vedado ao médico discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto". No caso geral de um Departamento Médico de uma empresa, o que deverá fazer ao receber o resultado HIV positivo de um trabalhador? Primeiramente, o resultado configura um documento sigiloso entre o médico e o paciente não podendo ser revelado a outrem, principalmente a uma empresa, pois seria uma maneira de burlar as normas de proteção ao trabalhador. Poderia haver pressões da empresa mas o médico tem deveres e direitos e entre estes o de não poder "em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar a sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção do seu trabalho" artigo 8° do CEM. Além disso, o dever ético impede a revelação de assuntos confidenciais ligados à profissão expresso genericamente no artigo 102 do Código" é vedada ao médico revelar fatos de que tenha conhecimento virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente". O artigo 105 do mesmo Código é enfático na particularidade ao afirmar "é vedado ao médico revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade". Quanto aos outros profissionais não médicos, cuidar de assegurar a privacidade da informação, lembrando o artigo 107 do CEM: "É vedado ao médico deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei".
CONCLUSÕES
É do conhecimento geral a grande discussão sobre as empresas devem ou não exigir o teste de AIDS para seus empregados. Considero fato grave a sua realização por empresas cujo único sentido é impedir o acesso ao trabalho. O fato torna-se mal grave quando se usa um teste sem o prévio consentimento e conhecimento do interessado sobre sua finalidade. Mais grave ainda por quebrar o eixo da relação médico paciente e infringir o artigo 56 do CEM: "é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas o terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida". Por estas razões sou de parecer que:
a) quaisquer informações médicas sobre o empregado ao empregador devem cingir-se a aptidão ou não ao trabalho se temporária ou permanente para desempenho de determinadas funções;
b) a realização de testes sorológicos para AIDS; por parte do empregador não encontra respaldo técnico, científico e ético, sendo tarefa de autoridades sanitárias;
c) a realização de testes sorológicos para AIDS em trabalhador nestas circunstâncias, é violação ao seu direito, fere a Consolidação das Leis do Trabalho além de contribuir, em caso positivo, para a sua marginalização enquanto cidadão.
Este é o meu parecer s.m.j.
Brasília, 18 de fevereiro de 1989.
ANTONIO RAFAE L DA SILVA
Relator
Aprovado em Sessão Plenária
Dia 18/02/89
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