
PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 3.728/2003 – PC CFM N° 6/2004
INTERESSADO: Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia
ASSUNTO: Exigências para aborto legal em decorrência de crime de estupro
RELATOR: Cons. Pedro Pablo Magalhães Chacel
EMENTA: A interrupção de gravidez decorrente de violência sexual somente deve ser realizada de acordo com as normas técnicas do Ministério da Saúde para o atendimento a abortamentos em casos previstos na legislação brasileira.
Em 29/11/2002, a Corregedoria do CREMEB recebe consulta feita pelo diretor do Instituto de Perinatologia da Bahia a respeito da interrupção da gestação em mulheres vítimas de violência sexual, particularmente no tocante à necessidade de autorização judicial prévia ou emissão de Boletim de Ocorrência (BO) por uma Delegacia Especializada.
A consultora jurídica do CREMEB, dra. Cássia Barreto, responde à mesma detalhando a legislação a respeito e concluindo:
“No crime de estupro surge sempre a violência na prática do ato sexual, fazendo-se necessário, sempre, o exame de corpo de delito através de perícia.
No Código Penal Brasileiro o corpo de delito é aquela “prova da existência do crime”. Perícias, em geral, são todos os exames feitos por peritos (médicos, químicos, grafólogos, enfim técnicos de quaisquer misteres), destinados a prestar esclarecimentos à Justiça e que constituem a demonstração da existência de um fato.
Os peritos devem descrever minuciosamente o que observarem e responder aos quesitos formulados, em relatório que apresentam, o que toma o nome de auto, se for ditado ao escrivão em seguida ao exame, ou laudo, se for redigido dentro do prazo de 5 dias que a lei concede. As perícias, em regra, são feitas por peritos oficiais, funcionários que exercem profissionalmente o mister.
Por sua vez, o art. 182 do Código Penal referido explicita que “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceita-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte” .
Os peritos não atuam no conhecimento, embora não seja pacífico o entendimento de que o juiz tem a faculdade de rejeitar o laudo.
Assim, somente por ordem judicial poderá o médico atender ao pedido de interrupção da gravidez na ocorrência de estupro, não sendo, portanto, o laudo médico o instrumento que atesta legalmente a ocorrência do estupro. O médico, procurado nesta circunstância, deve orientar os interessados a buscar, inicialmente, a via judicial (fls. 3 e 4). Das fls. 6 a 8, o parecer da consultora jurídica, com a seguinte ementa:
“A interrupção da gestação por médicos em mulheres vítimas de violência sexual (estupro), na hipótese do art. 128, II, do Código Penal, deverá ser precedida de autorização judicial".
O conselheiro José Abelardo Garcia de Menezes, baseado no parecer da consultora jurídica, faz considerações sobre a inviolabilidade do direito à vida, garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal e pelo Decreto nº 20.931/32, que dispõe em seu artigo 16 ser vedado ao médico:
“f) Dar-se a práticas que tenham por fim impedir a concepção, ou interromper a gestação, só sendo admitida a provocação do aborto ou parto prematuro, uma vez que verificada por junta médica sua necessidade terapêutica”.
O Conselheiro detalha ainda os artigos do CP que tratam do assunto e diz entender que para a prática do aborto, quando a gravidez resultar de estupro, faz-se necessária a certificação do delito sexual, não sendo o médico o agente capaz de proceder as investigações e assumir o risco de realizar o ato abortivo sem que a autoridade competente o autorize.
Recomenda que o médico somente pratique o ato abortivo com autorização judicial.
Lembra ainda que o artigo 43 do CEM explicita ser vedado ao médico descumprir a legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento (fls. 10 a 12).
A conselheira Maria Madalena de Santana, em parecer de vistas, discorre sobre a norma técnica do Ministério da Saúde, assinada pelo ministro José Serra em 1999, anexada a este PC, onde são definidos os procedimentos a serem adotados pelas unidades de saúde que atendem a mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual, na qual se estabelece:
“O atendimento das adolescentes e mulheres vítimas de violência sexual deve ser realizado em local específico, garantida a privacidade;
Que esse tipo de atendimento seja prestado por equipe multiprofissional composta por médicos, psicólogos, enfermeiras e assistentes sociais”.
A norma define ainda os equipamentos e materiais permanentes que devem estar em perfeitas condições de uso e ressalta a importância do apoio laboratorial no diagnóstico e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis, bem como sistemas padronizados de registro de dados e sensibilização e treinamento das equipes multidisciplinares.
Com relação aos procedimentos que devem ser obedecidos o citado documento refere a autorização expressa da grávida, ou em caso de incapacidade, de seu representante legal para realização do abortamento, firmada em documento próprio; cópia do Boletim de Ocorrência policial; informação, à mulher ou a seu representante legal, de que ela poderá ser responsabilizada criminalmente caso as declarações constantes no Boletim de Ocorrência policial forem falsas; registro no Prontuário Médico e, de forma separada, das consultas da equipe multidisciplinar e da decisão por ela adotada, assim como dos resultados dos exames clínicos ou laboratoriais.
Por fim, como documentos necessários à realização do aborto, são exigidos: cópia do registro do atendimento médico à época da violência sofrida; cópia do laudo do IML quando dispuser.
A conselheira relatora de vistas tece considerações e concorda com a necessidade da autorização judicial para a interrupção da gravidez (fls. 15 a 19).
Nas fls. 20 a 62, encontra-se a documentação resultante do Fórum para implementação da discussão do atendimento ao aborto previsto na lei brasileira, organizado pelo Centro de Pesquisas das Doenças Materno-Infantis de Campinas (CEMICAMP) e Departamento de Tocoginecologia da UNICAMP.
As normas técnicas do Ministério da Saúde para o atendimento a abortamentos em casos previstos pela legislação brasileira podem ser encontradas às fls. 63 a 74.
A fl. 75 traz o despacho do presidente do CREMEB, conselheiro Jecé Freitas Brandão, encaminhando o processo ao CFM, com solicitação de apreciação, por tratar-se de questão abrangente em todo o país, visto ser uma norma do Ministério da Saúde que autoriza a realização do aborto somente com o Boletim de Ocorrência, que se contrapõe ao Código Penal Brasileiro.
Na fl. 76 consta o encaminhamento ao IPERBA, do parecer aprovado pelo CREMEB, entendendo a necessidade de autorização judicial para a prática de abortamentos em caso de estupro.
DISCUSSÃO
O artigo 128 do Código Penal brasileiro estabelece:
Não se pune o aborto praticado por médico:
I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II- se a gravidez resulta de estupro, e o aborto é precedido do consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Como se vê, o Código Penal brasileiro autoriza a interrupção da gestação em casos de gestação decorrente de estupro. Não depende esta interrupção de decisão judicial, mas somente de constatação do fato. Feito o Boletim de Ocorrência policial (BO) e constatada, pelo IML, a existência de ato sexual com sinais físicos de violência, ou mesmo apenas sinais de violência psicológica, entendo estar caracterizado o estupro. Nos locais onde não exista serviço do IML, o exame feito por médico constatando o ato sexual deve também ser aceito como sinal de veracidade da informação prestada pela vítima no Boletim de Ocorrência policial.
Nestes casos, ocorrendo gestação, o abortamento já está autorizado pela lei. Compete ao Poder Judiciário analisar os autos e julgar o estuprador. Caso o Poder Judiciário entenda que a mulher submetida ao aborto mentiu, decidirá a respeito. Neste aspecto a norma técnica do Ministério da Saúde salienta esta possibilidade. Nesta circunstância, o médico que praticou o aborto foi iludido em sua boa fé e não pode ser culpado de qualquer ato delituoso.
Entendo que a norma técnica do Ministério da Saúde não se contrapõe ao Código Penal Brasileiro, não havendo motivos para impedir seu acatamento.
É o parecer, SMJ.
Brasília, 15 de setembro de 2003.
Pedro Pablo Magalhães Chacel
Relator
Parecer aprovado em sessão plenária
Dia 7/1/2004
Não existem anexos para esta legislação.
Atenção: Com a edição de novas leis e/ou resoluções, pareceres antigos podem estar desatualizados.
Sede: Praia de Botafogo, 228 – Botafogo – CEP: 22.250-145
Tel.: (21) 3184-7050 – Fax: (21) 3184-7120
Homepage: www.cremerj.org.br