
PARECER CREMERJ N. 192/2008
INTERESSADA: Dra. M. do C. B. de S.
RELATORES: Dra. Leda Maria da Costa Macedo
Cons. Arnaldo Pineschi de Azeredo Coutinho
Comissão de Bioética do CREMERJ
POSSIBILIDADE DE SELEÇÃO DE SEXO EM TÉCNICA DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA.
EMENTA: Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro não dispor sobre as técnicas de reprodução assistida, mesmo considerando-se legítimo o desejo do casal e a possibilidade científica de realização do procedimento, a seleção de sexo é vedada pela legislação ética.
CONSULTA: Trata-se de consulta formulada pela Dra. M. do C. B. de S., a qual solicita autorização para realização de fertilização in vitro com seleção de sexo, a pedido do casal, por motivo de balanceamento familiar. Expõe que há possibilidade de atendimento à demanda, através da realização do diagnóstico pré-implantacional, com utilização da técnica FISH (fluorescence in situ hybridization), para análise e seleção de cromossomos.
PARECER: A análise da presente demanda requer a apreciação de alguns aspectos que envolvem a questão:
CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ASSUNTO:
1. Há enorme progresso das tecnologias em reprodução assistida. Diante da evolução das técnicas de fecundação artificial, há um natural aumento da procura desses novos meios de reprodução;
2. A sexagem de embriões humanos é possível e permitida, desde que por justificativas médicas;
3. O desejo por escolha do sexo do filho é antigo e legítimo, já que possibilita ao casal um direcionamento no planejamento familiar;
4. A discussão quanto à sexagem de embriões é antiga e passa por situações de cunho econômico e sociocultural, visto o grande número de abortos seletivos em países como a China e a Índia;
5. A demanda de casais que buscam a reprodução assistida com sexagem é crescente, e não necessariamente motivada por recomendações médicas;
6. Não existem métodos acurados e efetivos de separação de cromossomo X e Y do espermatozóide, devendo a sexagem ser realizada no embrião, em fase pré-implantacional, o que também implicaria na produção de embriões do sexo indesejado;
7. A literatura a respeito é controversa: há países, como a Inglaterra, que proíbem seleção de embriões apenas para escolha do sexo. Há outros, como os EUA, em que não há legislação que regule o assunto;
8. São necessárias mais pesquisas para se conhecerem as repercussões comportamentais, psicológicas, culturais e sociais resultantes desses nascidos escolhidos por sexo.
ASPECTOS SOB O PONTO DE VISTA BIOÉTICO:
a) Benefícios:
- Direito ao planejamento familiar, incluindo ter filho do sexo desejado e ter oportunidade de vivenciar a criação deste filho.
b) Malefícios:
- Em relação à mãe e ao embrião/feto:
Risco aumentado de danos físicos, psicológicos e econômicos, por conta do procedimento decorrente da manipulação de embriões, acarretando síndrome de estimulação ovariana, gravidez ectópica, gravidez múltipla; manipulação de embriões acarretando inviabilidade e malformações; uso do filho como meio e não como fim; possibilidade de gerar filho do sexo desejado, porém com anomalia genética decorrente da manipulação; possibilidade de erro humano na sexagem, resultando em sexo não desejado; expectativa de gênero em relação ao sexo desejado; não preservação do potencial da vida do embrião.
- Em relação à sociedade:
Risco aumentado de danos sociais, culturais, e econômicos, por conta do procedimento já que a manipulação de embriões interfere no processo natural de fecundação; descarte de embriões que não forem do sexo desejado; risco de desequilíbrio na distribuição sexual na sociedade; desvio de recursos financeiros para procedimento "não essencial" e para tratamento de possíveis anomalias; discriminação sexual.
Até o momento, não há fundamentação científica para considerar que a escolha do sexo proporcionará desequilíbrio na distribuição de indivíduos do sexo masculino e feminino na sociedade, discriminação sexual, ou dano psicológico ao nascido selecionado por sexo. No entanto, seria recomendável uma avaliação psicológica prévia ao procedimento para a escolha do sexo e o desenvolvimento de pesquisas para se avaliar o impacto desta escolha na família e na sociedade assim como um controle quantitativo dos sexos selecionados, por casal e por clínica, visando o equilíbrio populacional.
As técnicas que permitem a escolha do sexo do embrião já são utilizadas amplamente, usualmente com a finalidade de se identificar desordens genéticas, ligadas ao sexo ou não, em casais que têm indicação de se submeter à fertilização in vitro. Considerando que a escolha de sexo não envolve, necessariamente, esterilidade/infertilidade, e/ou diagnóstico de doença genética, seria mais apropriado o desenvolvimento de técnicas menos intervencionistas, porém mais efetivas, como, por exemplo, a separação de cromossomos X e Y no gameta masculino, visando separar diagnóstico de anomalia genética, de seleção de sexo.
A fertilização in vitro com diagnóstico pré-implantacional no embrião, sem indicação médica, com finalidade exclusiva de seleção de sexo, ou como forma de triagem genética para identificação de doenças e, conseqüentemente, descarte e/ou congelamento de embriões não sadios e/ou do sexo indesejado, aumentará a polêmica sobre a possibilidade de construção de um ser humano, em que outras características fenotípicas poderão ser desejadas no futuro.
Deveria ser repensado também o uso de outras técnicas que podem trazer risco de dano à mulher, como a estimulação ovariana, se não há problemas na ovulação.
Em que pese a possibilidade científica do procedimento desejado pelo casal, de escolha de sexo por motivo de balanceamento familiar, tal conduta é vedada pela Resolução CFM n. 1.358/92, que estabeleceu normas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, tendo como um dos princípios basilares, a recomendação de não aplicação das técnicas de reprodução assistida com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, conforme estatuído no item I, que trata dos princípios gerais, subitem 4, transcrito a seguir:
RESOLUÇÃO CFM n. 1.358/92
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA,
I - PRINCÍPIOS GERAIS
(...)
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
Após o exposto, há que se reconhecer a legitimidade do desejo do casal. Entretanto, apesar de não haver lei que disponha a respeito e de ser cientificamente possível, a escolha do sexo em técnica de reprodução assistida é prática vedada pela legislação ética vigente.
É o parecer, salvo melhor juízo.
Aprovado na Sessão Plenária de 01/12/2008.
Não existem anexos para esta legislação.
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