
PARECER CFM Nº 41/1999
INTERESSADO: Jarbas Kitner
ASSUNTO: Presença de leigo, familiar ou não, filmando. na sala de parto
RELATOR: Cons. Júlio Cezar Meirelles Gomes
EMENTA: Não há impedimento ético em filmagem de procedimento cirúrgico, desde que a pedido da paciente e autorização dos profissionais envolvidos.
MOTIVO DA CONSULTA
O sr. Jarbas Kitner, de profissão não declarada no e-mail de fl. 2, consulta o Conselho Federal de Medicina sobre a pertinência ética da filmagem de procedimento médico-cirúrgico, quando solicitada pela paciente e praticada por familiar ou por terceiros, mediante autorização.
CONSIDERAÇÕES
A presente consulta reporta-se à filmagem em sala de parto, com exposição de partes íntimas e cenas de relativo impacto para leigos, sem discriminar se parto natural ou cirúrgico, o que de certa forma não modifica a avaliação da cena médica em sua origem.
A rigor, há dois personagens envolvidos na cena, o médico, ou profissional de saúde (enfermeira por exemplo), e a paciente, ou melhor, parturiente, in casu.
A licitude e a conveniência do ato pretendido não se esgota no direito ou no princípio da autonomia (vontade expressa) do paciente cotejado com o preceito do sigilo; não, pode ir além e se completa na autonomia do profissional em permitir ou consentir filmagem de sua imagem e, mais que isto, o registro do seu procedimento técnico, por terceiros, com aparente finalidade de documentação familiar.
A respeito do assunto convém citar a existência de projeto de lei que tramitou na Câmara Legislativa do Rio de Janeiro, dispondo sobre a filmagem obrigatória dos atos cirúrgicos naquele estado, o que sugere a possibilidade de utilização do filme como documento para salvaguardar direitos na apuração de responsabilidade. Ressalte-se que o CFM aprovou parecer contrário sobre a matéria, o qual foi arquivado.
Mas, segundo a forma lacônica e objetiva da indagação efetuada, esta não é a questão precípua da presente consulta, salvo melhor juízo.
Ora, convém saber quais são os princípios e artigos do Código de Ética Médica envolvidos na discussão do tema?
Primeiro, em relação à paciente, temos o princípio da autonomia, já contemplado e satisfeito na manifestação da livre vontade em documentar um ato de sua vida. O sigilo profissional não estará ferido na medida em que a exposição do ato registrado ou partes do corpo humano decorrem por igual da vontade plena da paciente, enquanto portadora de saúde mental e capaz de auto-determinar-se.
Não devemos, ainda, perder de vista a possibilidade do uso indevido do documento, filme para fins promocionais, comerciais, até pornográficos, considerando o envolvimento involuntário do médico ou seu consentimento tão somente para registro histórico-familiar.
Sob outra ótica, é possível considerar a filmagem linear do parto como um documento equivalente à declaração por escrito ou, senão, o laudo descritivo do ato praticado, conforme direito da paciente ou familiar, estabelecido no art. 71 do CEM, a saber:
"Art. 71 – Deixar de fornecer laudo médico ao paciente, quando do encaminhamento ou transferência para fins de continuidade do tratamento, ou na alta, se solicitado."
No caso do art. 71 é aceitável a presunção do documento filmado como ilustração até para continuidade de tratamento, desde que solicitado, como arremata o referido artigo.
O art. 112 do CEM, por outro lado, obriga o médico a fornecer atestado ao paciente ou seu representante legal, e, convenhamos, nada atesta melhor a existência de um ato quanto a fixação de sua imagem viva, embora não seja esta a intenção primária; ainda, é possível convir que o meio audiovisual pode ser considerado no mínimo insólito à luz dos meios convencionais usados na medicina, à guisa de registro.
A rigor, a filmagem do parto é um documento que atesta melhor do que palavras o ato praticado - como, quando e porquê.
Este é um lado da questão, o direito do paciente/familiar obter um documento que ilustre a sua existência ao fixar para a eternidade momentos dramáticos da condição humana, vividos com riscos e emoção, ligados ao milagre da vida, como o parto.
Em contrapartida, há que se considerar nos devidos termos a autonomia do médico ou profissional praticante do ato no sentido de evitar uma tomada de imagem que possa registrar um eventual insucesso. Além da possibilidade de contaminação do ambiente cirúrgico ou simplesmente o prosaico "direito de arena", que é o direito de propriedade da própria imagem, vez que não há remuneração proposta pela parte interessada. Pode soar descabido este tipo de direito, agora invocado, mas não é bem assim.
A rigor, entre os direitos do médico contidos no CEM não consta o direito de não ser filmado, nem deveria, posto que o mesmo alude ao direito de cidadania, portanto é no capítulo dos direitos civis que devemos buscar o fundamento legal para sua eventual negativa ou o simples direito de resguardo da própria imagem. Paralelamente, não parece ético, nem mesmo elegante, que o médico queira cobrar por sua aparição em cena implícita ao ato médico, tal como atestado, parte integrante da consulta/ato.
Por outro lado, sobrevêm reflexões relativas à infecção hospitalar por conta do que dissemos a respeito da presença de equipamentos e pessoas estranhas ao ambiente cirúrgico.
Há que se considerar, também, a questão anterior, ou seja, o prosaico "direito de arena" nunca reclamado pelos pacientes quando a equipe realiza filmagens com intuito científico. Neste caso, a ausência do interesse lucrativo - tal como no caso da documentação histórico-familiar - pode, em princípio, tornar lícita a filmagem; mesmo assim há que ser solicitada a autorização do profissional assistente como autoridade intangível da equipe e que, no mais das vezes, nada tem a opor.
A QUESTÃO LEGAL
Não conhecemos quaisquer normas proibitivas nos Conselhos, mas convém, sim, observar as normas da instituição hospitalar (regulamentos próprios, rotinas e outros dispositivos regimentais).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consulta, apesar de rasa em sua aparência e simples na sua formação, contém implicações legais e, como tal, faz jus a plena atenção deste Conselho; convém alertar que estamos em plena era digital, com tecnologias de ponta capazes de captar imagens e sons com absoluta precisão e, assim, imortalizar os momentos mais simples e cotidianos de pessoas comuns - que dispõem, como dizia Andy Warrol, de pelo menos 15 minutos de glória em algum momento da vida. Quem sabe se não estão contidos no exato momento do parto?.
CONCLUSÃO
Não vislumbramos impedimento ético formal para a filmagem na sala de parto, desde que a pedido do paciente e/ou familiar e a autorização dos profissionais envolvidos no ato, ressalvadas as disposições regimentais da instituição.
Brasília, 24 de março de 1999.
JÚLIO CEZAR MEIRELLES GOMES
Conselheiro Relator
Aprovado em Sessão Plenária dia 20/08/99
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