
PARECER CREMERJ Nº 27/1995
INTERESSADOS: G. M. T. C., A. M. F. S.
RELATORES: Câmara Técnica de Cirurgia Plástica
Dr. Carlos Alberto Jaimovich
COBERTURA, PELOS PLANOS DE SAÚDE, DE RECONSTRUÇÕES MAMÁRIAS.
EMENTA: Tomando como exemplo, a empresa Golden Cross, que preceitua no Capítulo VIII, cláusula 19, item "d", de seu contrato, "a empresa garante a cobertura de tratamento clínico e cirúrgico de neoplasias malignas e suas conseqüências", comprova-se que o paciente tem garantido seu tratamento, desde quimio e/ou radioterapia até a própria mastectomia. As seqüelas indesejáveis deixadas pelo tratamento, a deformidade torácica decorrente da mastectomia, embora representem a cura do paciente, são "conseqüências da neoplasia". Há de se considerar ainda o fator psicológico, lembrando que uma mulher, que ao longo da vida, teve toda sua imagem corporal sedimentada, sofre terrível abalo quando, subitamente, se vê vítima de câncer e que, para sobreviver, precisa ser mutilada. Portanto, "por questões éticas, deontológicas, morais, psicológicas, físicas, humanísticas e até mesmo filosóficas", só resta aos Planos de Saúde admitirem que as reconstruções mamárias devem receber o tratamento compatível com sua importância, passando a ser incluída entre os procedimentos garantidos e cobertos em suas cláusulas contratuais.
CONSULTA: O parecer responde a questionamento feito por médicos e pacientes sobre a negativa sistemática dos Planos de Saúde em liberar cirurgias de reconstrução mamária pós-mastectomia, considerando-as excluídas de cobertura contratual.
PARECER: Trata-se aqui do questionamento feito por médicos e pacientes sobre a negativa sistemática dos Planos de Saúde em liberar cirurgias de reconstrução mamária pós-mastectomia, considerando-as excluídas de cobertura contratual.
Citando como exemplo o contrato de seguro-saúde da Golden Cross, em seu Capítulo III, cláusula 5ª, parágrafo 1º e 2º , onde está estabelecido que "a cirurgia plástica somente terá cobertura contratual quando necessária à restauração das funções de algum órgão ou membro alterado em decorrência de acidente pessoal ocorrido na vigência deste contrato" e "para fins deste contrato, acidente pessoal é o evento exclusivo, diretamente externo, súbito, involuntário, causador de lesão física, excluídos os casos dentários".
Para fins de raciocínio, seria conveniente citar também o Capítulo VIII, cláusula 19, item "d", que, abordando os prazos de carência, garante o tratamento clínico e cirúrgico de, entre outras, "neoplasias malignas e suas conseqüências".
É sabido que ao assinar um contrato, a pessoa reconhece e aceita todos os termos e condições nele contidos e, deste modo, à primeira vista concorda que as reconstituições mamárias estariam fora de qualquer cobertura contratual porque seriam "cirurgias de finalidade estética", não recuperando a função de um órgão ou membro. Logo, a mulher que teve uma neoplasia mamária e necessitou de uma mastectomia para curar-se, não poderia postular uma reconstituição, porque o contrato, a priori, já caracterizou "restauração de função" e o evento causador da lesão como "externo, súbito, direto". Isto, teoricamente, eliminaria os carcinomas, pois, obviamente, não são acidentes pessoais com estas características.
Entretanto, estas argumentações são frágeis e sucumbem logo à primeira análise das próprias restrições contratuais: no citado Capítulo VIII, a empresa garante a cobertura de tratamento clínico e cirúrgico de neoplasias malignas e suas conseqüências. Ora, se a paciente apresentava câncer de mama (detectado após os 18 meses de carência exigidos pela Empresa), tem garantido seu tratamento, desde quimio e/ou radioterapia até a própria mastectomia. Não resta dúvida que as seqüelas deixadas pelo tratamento são conseqüências indesejáveis do mesmo, ainda que tenham representado a cura da paciente. Ou alguém duvida que a deformidade torácica decorrente de mastectomia seja uma "conseqüência da neoplasia", nos termos do próprio contrato?
A nosso ver, já aí estaria uma primeira e bem clara argumentação para que todo e qualquer plano de saúde se tornasse obrigado a dar cobertura às reconstruções mamárias.
Mas há ainda uma segunda análise que não pode deixar de ser feita. Repousa sobre o questionamento sobre quais as funções atribuídas às mamas femininas. As mamas têm, essencialmente, três funções básicas: lactação, sexualidade e morfológicas (composição da imagem corporal feminina).
São "ab initio" fundamentais para a preservação da espécie através da amamentação da prole. Mas mesmo esta função pode deixar de existir com mamas tidas como normais quando ocorre algum impedimento orgânico ou hormonal e a mulher não consegue amamentar seu filho. Mas nem por isso as mamas deixam de ter importância. Do mesmo modo, mulheres em idade mais avançada que não vão mais amamentar, não desejariam, obviamente, se descartar de um órgão só porque ele não "funciona mais" em sua tarefa básica de produzir leite. Mesmo porque existem outras duas funções, tão importantes quanto a primeira. As mamas são seguramente e comprovadamente, tão ou mais importantes para a composição da imagem corporal feminina, do que a própria genitália. Não se pode considerar supérflua sua importância, sobretudo em nossa cultura e em nossa civilização, para a formação da auto-imagem da mulher. A auto-estima é fator decisivo para a sexualidade saudável e as mamas são indissociáveis da estrutura psicológica que sustenta a auto-estima. A integração psico-social está diretamente ligada a esta auto-estima.
Uma mulher, que ao longo da vida, teve toda a sua imagem corporal sedimentada, sofre terrível abalo quando, subitamente, se vê vítima de um câncer e que, para sobreviver, precisa ser mutilada.
É bem verdade que a reconstituição mamária não devolve uma mama plena, em condições de produzir leite, com sensibilidade erótica-sensual completa.
É sabido, no entanto, que tal cirurgia, uma das mais requintadas sob o ponto de vista técnico e psicológico da Cirurgia Plástica, transporta tecidos para que se possa "simular" o aspecto de uma mama normal.
Ao longo dos anos, demonstrou-se largamente que a gratificação das pacientes que se beneficiam com essas cirurgias tem sido inequívoca e flagrante, e que sua qualidade de vida tem melhorado significativamente. Sabe-se que tais fatores são positivos para a manutenção da sobrevida e que, portanto, sem nenhum exagero, podem ser considerados como parte integrante do próprio tratamento do câncer ou mesmo da sua estabilização ao longo do tempo.
Recairemos sempre sobre o ponto fundamental desta discussão: a dignidade da pessoa.
Por outro lado, após a 5ª década principalmente, as mamas passariam a ter uma função que poderíamos chamar de "perigosa", ou seja, passam a ser com mais freqüência sítio de surgimento de neoplasias. Nesta fase, não há mais lactação e sua importância erótico-sensual poderia ser considerada menos intensa. Nem por isso se preconiza "mastectomias profiláticas" de rotina nestas pacientes, pois seria obviamente, uma agressão desnecessária e inconcebível, provocando, além do mais, total e gratuita destruição da imagem corporal feminina.
Portanto, a participação das mamas na formação da imagem corporal é, sem dúvida, uma nobilíssima função. É uma função poderosa, não podendo ser considerada secundária ou supérflua. Ou pode ser considerada normal uma mulher sem as suas mamas? O desbalanceamento do equilíbrio com sobrecargas para a coluna vertebral também não pode ser olvidado, entre as várias conseqüências decorrentes de uma mastectomia.
Deste modo, os parágrafos 1º e 2º da cláusula 5º do Capítulo III não eliminaram de modo nenhum, a obrigatoriedade dos Planos de Saúde em dar cobertura às reconstruções mamárias.
Assim, não se pode deixar de considerar o câncer mamário como um "acidente pessoal" "latu senso". Mas obviamente não pode ser classificado na mesma categoria das lacerações provocadas por acidentes automobilísticos ou similares, que, estes sim, têm a cobertura contratual garantida. Mas, analisando com um pouco mais de cuidado esta interpretação, a mastectomia é um "evento direto e causador de lesão física" caracterizado pela deformidade residual que fica no tórax após a extirpação do órgão doente. Entretanto, o cirurgião que executa a mastectomia não está provocando uma iatrogenia. Quando bem indicada, é um método terapêutico necessário e correto. Mas o processo de cura só estará completo com a reconstrução, mesmo que como uma "imitação", de uma estrutura o mais parecida possível com a de uma mama normal.
Finalmente, a Resolução CREMERJ n. 19/87, Art. 1º, item "h", estabelece que "as empresas contratantes estão obrigadas a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde". Portanto, por questões éticas, deontológicas, morais, psicológicas, físicas, humanísticas e até mesmo filosóficas, só resta aos Planos de Saúde admitirem que as reconstruções mamárias devem receber o tratamento compatível com sua importância, passando a ser, portanto, incluídas entre os procedimentos garantidos e cobertos em suas cláusulas contratuais.
Vale citar, por oportuno, a frase de uma paciente mastectomizada que luta para obter a tão sonhada reconstrução, e que bem expressa o grau de comprometimento que cerca o final de um tratamento de câncer mamário:
"- Todo dia, ao me olhar, fico feliz por estar viva e choro por estar fisicamente mutilada".
A justiça e a razão podem tardar, mas não devem falhar!
(Aprovado em Sessão Plenária de 06/03/1995)
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