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PARECER CREMERJ Nº 165/2006

INTERESSADO: Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro 
Coordenação de Saúde da Comunidade

RELATOR: Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CREMERJ

QUESTÕES RELATIVAS À PRÁTICA DE HETERO E AUTO-HEMOTERAPIA.

EMENTA: A utilização da hetero e auto-hemoterapia como método terapêutico adjuvante para melhorar a imunidade e/ou para tratamento de doenças infecciosas, neoplásicas, alérgicas e outras não tem suporte científico e não obedece às condições estabelecidas para coleta e transfusão de sangue. Opina a Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CREMERJ que este tipo de tratamento deveria ser proscrito, por colocar em risco a saúde dos pacientes que a ele se submetem, sem que se vislumbre qualquer possível efeito benéfico.

CONSULTA: Consulta encaminhada pela Secretaria Municipal de Saúde, através da Coordenação de Saúde da Comunidade, a qual solicita esclarecimentos acerca da prática de auto-hemoterapia. Expõe que um médico que atua em uma unidade de Programa de Saúde da Família da Prefeitura do Rio de Janeiro vem utilizando a auto-hemoterapia em vários pacientes. Preocupada com a saúde da população, a consulente vedou a utilização de tal terapia, o que causou a reação contrária do médico em questão, levando-o a mobilizar seus pacientes, Conselho Distrital de Saúde do local, entidades e pessoas físicas em geral, justificando que esta terapia não é proibida e que existem diversos artigos científicos a respeito, publicados em revistas médicas.

PARECER: A Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CREMERJ, solicitada a se pronunciar, anota que trata-se de dúvida acerca da utilização de  hetero e auto-hemoterapia como método terapêutico adjuvante para melhorar a imunidade e/ou para tratamento de doenças infecciosas, neoplásicas, alérgicas e outras.

Este método consiste na retirada de pequenas quantidades de sangue do próprio paciente para posterior reinfusão, em geral por via intramuscular. Em alguns casos, nos quais, por algum motivo, não é possível retirar do próprio paciente, o sangue é coletado de um outro indivíduo, geralmente parente em primeiro grau do paciente, para ser posteriormente injetado por via intramuscular.

No caso em tela, o sangue era coletado e reinfundido por meio de seringas; o sangue utilizado era alogênico, colhido de um parente do paciente.

O médico que utiliza este método, instado pelo CREMERJ a expor as suas bases e fundamentos que justificavam este tipo de terapêutica, explicou que a hetero e a auto-hemoterapia reforçavam a imunidade ao aportar células sangüíneas ao organismo. Nenhum detalhe foi fornecido pelo médico a respeito de como estas células agiriam sobre o sistema imunológico ou sobre qualquer outro sistema do organismo dos pacientes. A bibliografia de apoio fornecida pelo médico era bastante antiga, e incluía até mesmo um extenso texto datado de 1940! Nem mesmo nesta bibliografia foi possível vislumbrar qualquer fundamentação para o emprego desta terapia.

Feitas estas considerações iniciais, há que se tecerem os seguintes comentários sobre este tipo de tratamento:

- Não há na literatura médica recente, ou mesmo antiga (até 20 anos), nenhuma referência que recomende a utilização da hetero ou auto-hemoterapia. Utilizar este tipo de prática para reforçar o sistema imunológico, tratar cânceres ou qualquer outra doença, de qualquer etiologia, não tem absolutamente nenhum respaldo em trabalhos científicos.

- Esta falta de suporte científico para o tratamento é perfeitamente lógica, eis que, sabe-se hoje, a transfusão alogênica é capaz, isto sim, de causar desarranjos no sistema imunológico, levando a uma imunossupressão. Esta imunossupressão se manifesta clinicamente por uma maior recidiva de tumores em pacientes transfundidos (em relação aos não-transfundidos), a uma maior freqüência de infecções pós-operatórias em pacientes que receberam transfusão durante o ato cirúrgico, e até mesmo em uma maior propensão à falência de múltiplos órgãos em pacientes de terapia intensiva poli-transfundidos (em relação àqueles menos transfundidos).

Do ponto de vista biológico, esta imunossupressão induzida pela transfusão se manifesta por diminuição no número de células CD4, no número de células NK e na capacidade de proliferação linfocitária do paciente transfundido.

Vê-se, portanto, que a transfusão alogênica, além de não trazer nenhum benefício para o sistema imunológico ainda pode ser deletéria para este. Em relação à transfusão autóloga, esta imunossupressão não ocorreria, mas também não há nenhum benefício conhecido sobre a imunidade do receptor da transfusão.

- Além de baseado em suposições irrealistas e quase delirantes sobre os “poderes do sangue”, este tratamento é flagrantemente ilegal, quando feito com sangue alogênico, visto que, entre as condições a serem obedecidas para que um sangue seja coletado e transfundido estão a testagem do sangue para uma série de marcadores virais e a realização de diversos exames imuno-hematológicos no sangue doado.

Só depois de passar pelos exames previstos por lei é que o sangue é liberado para uso. Antes da transfusão, é obrigatória a realização de testes de compatibilidade pré-transfusional.

Nenhuma dessas etapas parece ter sido cumprida no presente caso, que se refere à administração de sangue alogênico. Isso implica em risco significativo de o paciente contrair doença transmissível pelo sangue, entre as quais a AIDS, a hepatite C e a hepatite B, e de se alo-imunizar, isto é, de produzir anticorpos contra um ou mais antígenos de grupos sangüíneos. Não são raros os relatos de doença hemolítica do recém-nascido surgida em decorrência de alo-imunização de mães que se expuseram a este tipo de tratamento. Acrescente-se que as provas de compatibilidade pré-transfusionais têm que ser feitas em órgãos executores de atividade hemoterápica.

Quanto aos testes sorológicos, existe um intervalo de, no mínimo, 8 horas entre a coleta do sangue e a sua conclusão. No caso em apreço, embora o médico tenha informado que os testes foram feitos, é difícil crer que isso tenha sido possível, já que o sangue teria sido infundido imediatamente após a coleta (em caso contrário, onde, como e por quanto tempo teria este sangue ficado estocado?).

Por tudo o que foi exposto, a Câmara Técnica de Hematologia e Hemoterapia do CREMERJ opina que este tipo de tratamento deveria ser proscrito, por arriscado, ilegal e por colocar em risco a saúde dos pacientes que a ele se submetem, sem que se vislumbre qualquer possível efeito benéfico.

Ressalta-se, ainda, que a Resolução CFM n. 1.499/98, proíbe aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica, além de estabelecer que “o reconhecimento científico, quando ocorrer, ensejará Resolução do Conselho Federal de Medicina oficializando sua prática pelos médicos no país”.

É o Parecer, s. m. j.

Aprovado na Sessão Plenária de 17/07/2006.


Não existem anexos para esta legislação.

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