
PARECER CREMERJ N. 131/2003
INTERESSADOS: Vários médicos em solicitações diversas
RELATORES: Cons. Mário Jorge Rosa de Noronha
Cons. Marcos André de Sarvat
Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos
CONCEITOS E PRINCÍPIOS ÉTICOS NA DIVULGAÇÃO DE ASSUNTOS MÉDICOS.
EMENTA: Esclarece, elabora e atualiza conceitos e princípios éticos a respeito de comunicados, entrevistas e anúncios sobre assuntos médicos, em especial nos campos de Cirurgia Plástica, Dermatologia, Endocrinologia, Nutrologia e áreas afins. Aponta situações em que as atuais omissões normativas dificultam a correta fiscalização das diversas formas e meios de propaganda, e solicita a elaboração de Resolução específica pelo CREMERJ e/ou CFM que venha a preencher tais necessidades.
CONSULTA: Questionada por vários médicos a respeito do que seja ético em termos de elaboração de comunicados, participação em entrevistas e emissão de anúncios por parte de médicos, serviços e clínicas, usualmente encontrados nos diversos órgãos de comunicação, a CODAME houve por bem condensar suas considerações na forma deste Parecer, pretendendo embasar e obter Resolução específica que esclareça e oriente a conduta dos profissionais médicos.
PARECER: A CODAME - Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos do Departamento de Fiscalização do CREMERJ - Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro - tem priorizado a educação, a informação e a conscientização a respeito dos aspectos éticos na divulgação de assuntos médicos, e tem contado com a compreensão e compromisso de correção por parte da grande maioria de colegas que publicam anúncios ou participam de matérias na imprensa, na TV e em veículos como a Internet, através de sites.
Entretanto, alguns profissionais tentam burlar o controle deste Conselho, adotando práticas sub-reptícias em que se torna difícil a comprovação de sua autoria, na execução de mensagens de divulgação de seu trabalho. Assim, prosperam impunes, angariando clientela de forma não-ética, em descaso aos princípios éticos que devem reger a concorrência entre médicos e serviços.
Isto ocorre predominantemente na disputa por mercado na área da chamada "medicina estética", que engloba partes de Cirurgia Plástica, Dermatologia, Endocrinologia, Nutrologia e de campos como "medicina ortomolecular", "emagrecimento", "rejuvenescimento" e outras denominações ou sugestões que tentam exacerbar ou atender às exigências de uma população voraz por informações e métodos de melhorar sua aparência física.
Para angariar clientela, tais profissionais adotam as seguintes técnicas de propaganda:
1. contratam e remuneram mensalmente a figura do "assessor de imprensa", pessoa que irá abrir as portas da mídia, sugerindo notas e fotos em colunas sociais, opiniões a respeito de consultas de leigos e espaço para artigos em jornais e revistas, participação em entrevistas em radio e TV, entre outras. Assim, são noticiadas coisas tais como "o médico tal viajou a convite (sic) para apresentar trabalho no Congresso Europeu" ou "O médico x operou a artista y" e o médico passa a ser citado como "o queridinho de fulano", "o favorito dos artistas", "o melhor em nariz", e por aí vão ao limite da imaginação publicitária;
2. dispõe-se a operar figuras de destaque na mídia, e o fazem de forma graciosa, tendo em vista um "acerto verbal" do cliente de divulgar a seguir, em seu meio e fora dele, as "notáveis habilidades" do médico, seja clínico ou cirurgião;
3. assim, são colhidos ou montados depoimentos de pacientes operadas, que "espontaneamente" se dispõem a anunciar as qualidades do médico e do tratamento efetuado, o que fornece material para uma boa matéria jornalística. Frise-se que os médicos, quando chamados a prestar esclarecimentos, via de regra se apresentam como "não tendo sabido de nada" e que tal agradecimento teria sido espontâneo, e que o texto da matéria, embora possa ter imperfeições, foi realizado por um jornalista que, diga-se de passagem, é bem sabido estar fora da abrangência deste CRM;
4. fazem publicar anúncios, em revistas e jornais, como se fossem uma simples "entrevista", em que seus resultados (sempre magníficos) são exaltados, e estatísticas de casos nunca são apresentadas. Dessas matérias publicitárias obtém-se uma sensação de "certeza de bom resultado" e jamais são incluídos número de casos operados, percentuais de bons e maus resultados, grau de satisfação e necessidade de novas intervenções, ou seja, o método científico é desprezado e omitido e adota-se uma nova fórmula, clamorosamente não-ética e sensacionalista, de divulgação do trabalho;
5. apresentam imagens de pacientes "antes e depois" de determinados tratamentos, apesar de advertidos a não fazê-lo. Tais apresentações, mesmo com autorização dos pacientes, são antiéticas quando anunciadas em benefício de um determinado médico, pois dão a entender que este seja sempre o resultado obtido, manipulando as expectativas dos pacientes - o que indubitavelmente vem refletindo sobre as expectativas de todos os pacientes para com todas as cirurgias e cirurgiões;
6. adotam frases de efeito (slogans), modelos e desenhos de figuras humanas em seus anúncios, ao invés de adotar uma linha mais sóbria e compatível com os princípios da profissão, que claramente se diferencie dos anúncios e promessas miraculosas de técnicos (e leigos) esteticistas, "doutores" emagrecedores, fisioterapeutas, professores de educação física e de estabelecimentos como academias de ginástica e similares;
7. montam sites onde abundam as imagens de "antes e depois", prometem segurança e bons resultados, oferecem bons preços, descontos e parcelamentos e anunciam facilidades para uma segunda ou terceira cirurgias.
Tais estabelecimentos por vezes fazem acordos ou contratam médicos e os denominam "supervisores", mas não se dispõem a registrar-se no CRM como Responsáveis Técnicos, alegando que não são clínicas médicas. Ora, conforme frisa a Resolução CREMERJ n. 186/03, todo estabelecimento onde forem praticados atos médicos deverá ser registrado no CREMERJ e ter um médico Responsável Técnico.
Pior, os leigos atuantes nesse aparentemente rendoso negócio paramédico de "vender uma boa aparência" competem livremente com os médicos cumpridores da ética, e acabam, por sua ousadia de marketing, angariando uma clientela que se deixa, por vezes, facilmente, iludir pelas hábeis técnicas de propaganda e convencimento lançadas sobre o grande público.
Portanto, há que se atentar para o fato de que coibir os abusos de médicos nessa "guerra de mercado" pode favorecer o predomínio de "curiosos" e outros profissionais, que, por vezes, até se intitulam "doutores" e que ficarão ainda mais livres para exercitar a sua propaganda tão maciça quanto enganosa.
Em outras palavras, nesse "mercado selvagem" há que se exigir reformulação dos médicos, que concorrem no meio, fixando e exigindo cumprimento às atribuições e competências, limites e restrições de cada um dos agentes e, mais importante, entendendo que a abrangência de suas ações se restringem ao controle dos médicos e clínicas, o CREMERJ deverá encaminhar ao Ministério Público Estadual, órgãos policiais e de defesa do consumidor, Fiscalização Sanitária (Estadual e Municipais) e ao Conselho Nacional de Auto-Regulação Publicitária (CONAR) as denúncias a respeito de tais fatos e práticas, na expectativa de que sejam tomadas as devidas providências.
Entendemos que numa sociedade organizada, que priorize a eficiência e segurança dos serviços prestados à população, há que se contar com que os médicos sejam respeitados e cumpram seu papel de diagnóstico e tratamento de alterações, disfunções e enfermidades, e que os demais profissionais auxiliares e complementares se restrinjam às suas funções de executores de determinados métodos e técnicas - sob supervisão médica, ficando claro e explícito que somente o médico, ouvindo os demais profissionais envolvidos, pode se responsabilizar pela indicação e pela avaliação de resultados.
Por outro lado, devemos esclarecer que não se trata do Conselho Regional de Medicina pretender exercer censura ou, muito menos, retirar da população o poder discricionário ou sua liberdade de receber informação e escolher o quê fazer. De forma alguma não é este o espírito do presente Parecer e da Resolução que ora sugere.
Pelo contrário, há que se abrir totalmente o acesso à informação, em nível e linguagem adequados, mas sempre fiel aos ditames da Ciência, demonstrando e propondo o que realmente estiver comprovado que funciona, e jamais subvertendo a ordem científica como se observa, induzindo ao uso de placebos ou métodos pseudo-inovadores que manipulem o desejo intrínseco em cada um de nós por usufruir do progresso técnico e experimentar coisas novas. Mais grave torna-se tal atitude, por interferir ou arriscar a saúde física e mental da população, e o fazendo em proveito econômico próprio, ignorando as regras éticas de concorrência profissional.
Infelizmente, os médicos atuantes nesse mesmo campo, que sejam devidamente cônscios de sua responsabilidade ético-profissional, podem soar aos desavisados como sendo portadores de ciúme ou inveja, ou como tendo falta de iniciativa ou coragem profissional, ao se queixarem de terem de competir com os reincidentes autores de tais inserções publicitárias manipuladoras. Nada poderá ser mais falso ou injusto e cabe ao CREMERJ, como órgão normativo e judicante, definir a conduta mais adequada e definitivamente coibir desvios e banir excessos.
O presente Parecer pretende justamente representar uma resposta desse Conselho a tais abusos e vir em defesa de regras éticas de concorrência, que dêem a todos os médicos iguais oportunidades de acesso da clientela e divulgação de seu trabalho, restabelecendo uma linha de reconhecimento de mérito e gradual crescimento profissional, dispensando práticas não-éticas, que representam na verdade uma "busca ansiosa de uma forma de tentar acelerar o reconhecimento profissional em seu meio", o que em geral denota ato de concorrência desleal.
Para melhor situarmos a relevância do tema, transcrevemos trechos de matéria assinada pela jornalista Márcia Cezimbra, intitulada "Prontidão afetiva", publicada no jornal O Globo, em 7 de abril de 2003, na qual o médico psiquiatra e psicanalista Jurandir Freire Costa, numa sumária avaliação da vida urbana, opina que vivemos um tempo de prontidão afetiva. Queremos amar, mas no mundo lá fora não há terreno fértil para a vida amorosa. Vivemos sob uma nova cultura, que promete felicidade através de sensações corporais: a boa forma, a sensualidade, o estímulo à beleza e o êxtase das festas. Mas tudo isso é muito rápido e logo desaparece, gerando uma aflição e uma angústia, que estão causando uma epidemia de depressões leves, aliviadas com antidepressivos e outras substâncias psicofarmacológicos. A cultura das sensações vem substituindo nos últimos 30 anos a cultura dos sentimentos, que imperou por quase três séculos, valorizando a vida sentimental e não, como hoje, a boa forma, a juventude, a capacidade de viver mais. Mas há algo errado neste novo estilo de vida, que está levando a população a um consumo de drogas legais, como psicofármacos e álcool, tão grande ou até maior que o da cocaína". Declara ele:
- Isso para mim é desumano. Eu não tenho que me entupir de psicotrópicos para sobreviver, para amar, criar meus filhos, trabalhar; criar artística, científica ou religiosamente. As pessoas precisam dessas drogas para poder dormir e ter um mínimo de paz de espírito e ânimo. Não são pessoas doentes, mas precisam sobreviver. Não pode ser assim.
O consumo em massa de psicofármacos para dormir, emagrecer, trabalhar ou relaxar após uma festa movimenta por ano US$ 500 bilhões, segundo a OMS, e assusta psicanalistas como Benílton Bezerra Júnior, do Instituto de Medicina Social da UERJ, e Tereza Pinheiro, que declaram:
- As pessoas têm que ser belas e jovens, enfrentar a competição, suportar tensões sem reagir, viver sem amparos trabalhistas que estão ruindo e com suportes familiares cada vez mais precários. Desse jeito, só à base de calmantes. É um traço social de desespero, que tende a se agravar. Hoje o que importa é a imagem. É uma cultura de imagens. Se você é jovem, bonito e está ao lado de um carro Audi, você é alguém. Do contrário, você não existe.
A depressão é uma epidemia mundial e a estimativa da OMS é que em 2020 seja a principal causa de morte, superando a atual, que é a por infarto. Todo mundo está tão fascinado pela idéia do corpo perfeito, da longevidade, da vitalidade e da sanidade que ninguém mais sabe que sentido dar à própria vida. Diz ainda Jurandir Freire Costa:
- A minha preocupação é com os custos emocionais dessa cultura de sensações. No tempo do amor romântico, as pessoas sacrificavam a própria vida por amor. Hoje você não sacrifica a sua liberdade sexual, a sua beleza, a academia de ginástica por amor algum. Sem querer voltar ao passado, de modo algum, pois o tempo do amor romântico foi terrível com seus autoritarismos e seus preconceitos sexuais, é preciso melhorar o presente, discutindo essa cultura de sensações para tomar distância dela. Podemos melhorar o presente sabendo, por exemplo, do sofrimento de milhões de garotas no mundo inteiro porque meia dúzia de malucos de Paris e de Milão inventou que as mulheres devem ser magérrimas. Isso é uma catástrofe na vida de milhões de pessoas. Um desastre, um horror.
O psicanalista Jurandir Freire Costa diz que questionar essa cultura é o primeiro passo para se distanciar dela e buscar outras alternativas:
- A gente acha isso pouco, no entanto, sempre que a gente quis fazer mais foi um desastre. Vamos supor que eu ache que esse modelo de beleza e a preocupação dos sentidos com a corporeidade seja um lixo que a nossa cultura democrática produziu. E se eu impedir a propaganda desse tipo de magreza na TV, desfiles, se proibir lojas de venderem roupas para magérrimas? Isso não daria certo. A psicanálise pode ajudar a resistir à cultura das sensações, mas deve ser complementada com práticas corporais como ioga, meditação e até mesmo massagens de shiatsu.
Em trecho denominado "A aflição diante do sonho impossível", aponta que o negócio é resistir à cultura das sensações para tentar ser feliz sem ter um corpo "pele e osso simplesmente", como diz a canção de Chico Buarque. Para o psicanalista Jurandir Freire Costa, no entanto, só uns poucos conseguem buscar esse modelo de "felicidade" e seguir satisfeitos da vida, ainda que não consigam alcançá-lo. A maioria, segundo ele, vive frustrada sem motivos por seus quilinhos a mais - o ideal é mesmo inalcançável - e, num outro extremo, algumas pessoas vivem profundamente infelizes com a própria imagem corporal.
Em entrevista intitulada "O culto ao corpo substituiu o dos sentimentos", prestada por Jurandir Freire Costa (JFC) à jornalista Márcia Cezimbra (MC), é apontado que a situação está tão adversa para o amor que surpreende dizer-se que uma mãe amorosa e boa não é garantia alguma de que o filho querido tornar-se-á um adulto afetivamente satisfeito. Esses registros afetivos da infância remota, que, segundo Freud e pós-freudianos, estruturam emocionalmente o indivíduo, podem se apagar, em terrenos áridos como o da cultura das sensações, que substitui aos poucos o culto aos sentimentos pelo culto ao corpo, à boa forma, à juventude, à longevidade e à saúde. Mas não satisfazem a alma. Aqui, explica-se por que pessoas belas e saudáveis não conseguem amar.
MC - De onde veio a cultura das sensações?
JFC - A cultura das sensações significa que a maioria das pessoas, sobretudo na vida urbana, está buscando cada vez mais no corpo as regras e o modelo, com os quais têm que se identificar. Desde o século XVIII, a medida da qualidade humana de um indivíduo era dada pelo seu conteúdo sentimental. Agora, tudo é corpo, corporeidade: sua capacidade de viver mais, de boa forma física, de estar jovem e bonito. Essa revolução começou nos anos 60, mas se acelerou vertiginosamente nos anos 70 e 80.
MC - Por que você está analisando essa nova ordem cultural?
JFC - É uma seqüência do trabalho que eu fiz sobre o amor romântico. Durante muito tempo, a gente viveu basicamente sob a cultura dos sentimentos. O que importava para um indivíduo se realizar e se imaginar um ser humano pleno e íntegro era a densidade emocional e sentimental. Era olhar para a própria consciência e ver ou ser visto como uma pessoa profunda, sensível, capaz, honesta, tenaz nos propósitos, leal e fiel. Isso dava o molde para uma identidade. Agora, o modelo vem da sua capacidade de extrair sensações do corpo. Não adianta você imaginar que está sendo leal, fiel e tenaz. Não adianta imaginar que você é uma pessoa densa e profunda se você estiver gorda, envelhecida, apavorada com o colesterol, sem condições de se apresentar diante dos outros como uma pessoa jovem.
MC - Essa é a nova identidade urbana?
JFC - É, mas a minha preocupação é com os custos emocionais pelos quais esse modelo já está sendo responsável. As pessoas querem estar em boa forma, ser jovem, magras e viver felizes. Mas o que é ser feliz? A felicidade é basicamente sentimental porque o romantismo amoroso é o que dá sentido à vida privada. Mas ninguém está disposto, como no romantismo do século XIX e do início do século XX, a sacrificar a liberdade sexual, o dinheiro e a beleza por amor nenhum. Todos querem amar, mas não conseguem.
MC - Por que são incapazes de amar?
JFC - Essa falta de sentido de vida se deve a várias causas, mas a principal, de fato, é a dificuldade de se fazer projetos a longo prazo. Antes, o que garantia o projeto a longo prazo, ao qual você dedicaria a sua vida? Era a família, o trabalho, a religião, a política. Isso tudo acabou. Hoje, você tem que ser capaz de mudar o tempo inteiro, fazendo projetos fragmentados.
MC - Mas essa fragmentação profissional não seria resultado da própria fragmentação do indivíduo? Se ele não é inteiro, como pode se dedicar por inteiro a uma atividade?
JFC - É verdade. São realidades que se retroalimentam, a fragmentação interna alimentando a externa. Mas o pontapé disso foi desencadeado de fora. Além da falta de projetos a longo prazo, houve um desenvolvimento tecnológico maravilhoso, à medida que essa cultura de sensações foi surgindo. As tecnologias médicas fizeram com que a gente hoje sinta cada vez menos dor. Na minha infância, a gente sentia dor de dente por 24 horas. Hoje, os métodos anestésicos fazem com que você tenha na idéia de sofrimento a idéia de patologia. Há as tecnologias de próteses corporais, que fazem com que o corpo venha em primeiro plano.
MC - A cultura das sensações destruiu os vínculos afetivos?
JFC - Os vínculos existem, mas tendem a ser mais horizontais, mais plurais, mais instáveis, mais precários. Antes, o vínculo se fazia na vertical e isso permitia que você imaginasse a sua vida por muito tempo. Agora, você tem uma espécie de perplexidade. Você está muito bem, está exercendo sua profissão de maneira digna, com remuneração financeira que lhe contenta, tem uma relação amorosa que lhe satisfaz, mas você está vivendo uma ansiedade e uma aflição terríveis.
MC - Por que tanta aflição?
JFC - Primeiro, por medo de perder o que se tem. Segundo, por medo de não estar na ponta do que é o melhor. Depois, medo de que alguma coisa desconhecida esteja agindo e você não esteja percebendo, como ocorre, por exemplo, na doença. Há 30 anos ninguém sabia o que era taxa de triglicerídios ou de colesterol. Hoje duvido que 90% das pessoas da classe média urbana vão ao cinema, ao jantar ou ao passeio sem falar disso.
MC - Mas essa aflição não viria da infância? A partir dos anos 70, quando as mulheres entraram no mercado de trabalho, as crianças não ficaram um tanto abandonadas?
JFC - Não acredito nisso. Seria preciso imaginar que essas mulheres em massa nos anos 70 e 80 foram incapazes de dar afeto. Eu acho que não. Do contrário, a gente teria quadros psicológicos muito piores. A privação afetiva não nos predispõe a seguir a moda e a nos tornar superficiais. Ela é responsável por lesões mentais mais graves. Eu acho que pais e filhos foram engendrados num torvelinho. Se houve abandono, foi das duas partes, dos adultos e das crianças. Porque eles passaram a viver num mundo extremamente impiedoso.
MC - Mas esses quadros não são graves? O fato de as pessoas estarem tão tristes não indica que algo não deu certo?
JFC - Bem, quando se fala de depressão, isso é verdade. Há uma epidemia de depressões leves, que são tratadas com Prozac. Mas essas pessoas, apesar de tristes, não são pobres afetivamente. Estão tristes justamente pelo fato de não exercer o afeto. Elas dizem que querem amar, mas não encontram alguém de quem gostar. As pessoas que têm distúrbios de imagem corporal também não são pobres afetivamente.
MC: Seriam subdesenvolvidas afetivamente?
JFC: Eu diria que elas são subdesenvolvidas porque não têm um meio para se desenvolver. Não é que não tenham afeto. O potencial está inibido não porque a elas faltou carinho ou atenção, mas porque não há um terreno fértil para a afetividade.
MC - Quer dizer que não adianta ter uma mãe amorosa porque ninguém cresce afetivamente em condições adversas?
JFC - A mãe pode dar o carinho que der. E em geral dá. O drama de adolescente é isso. A mãe diz: "Meu filho, você tem isso, tem aquilo, você é bonito, inteligente, afável, cordato". Ele diz que isso pouco importa, porque não conhece ninguém que reconheça isso. Os problemas com o corpo, o receio da frustração amorosa, a idéia de que somos livres para experimentar tudo o que vem à cabeça, a idéia de que ele vai entrar num mundo selvagem deixam todos os jovens armados. É como se fosse um estado não de paz, mas de prontidão para a guerra.
MC - Seria um estado de prontidão afetiva?
JFC - Sim. E neste estado de prontidão para a guerra, não abrem o flanco afetivo, porque estão com a promessa de uma felicidade de sensações, de uma cultura de sensações, que é falsa. É verdade que a gente pode ter umas tantas experiências sensoriais, mas isso é rápido e elas logo desaparecem.
MC - Você acha que as pessoas se perderam afetivamente?
JFC - Dizer que essa estrutura afetiva se perdeu é muito radical. Ela está ficando mais difícil, mas eu sou muito confiante e acho que as pessoas, na primeira chance que têm, soltam-se. O que acontece é que você pode ter corridas de obstáculos de diferentes ordens. Agora, a gente está com muitos obstáculos, mas não acho que a gente tenha perdido a afetividade.
MC - Essa cultura de sensações favorece o uso de drogas?
JFC - Favorece porque com essa aflição e essa angústia a pessoa nunca está bem. Está sempre aquém e precisa se acalmar a todo custo. E tem outra coisa que caracteriza a cultura das sensações. Antigamente, a cultura dos sentimentos se prolongava no futuro. Você não procurava realizar tudo que você gostava na sua vida. O seu filho continuaria as suas realizações. Agora isso é impossível. Tudo o que a gente quer é para já.
MC - Além de questionar essa cultura de sensações, o que devemos fazer para nos sentirmos mais seguros?
JFC - Hoje, uma das poucas coisas ainda segura é o vínculo entre pais e filhos, já que o vínculo de parceria conjugal se fragilizou com o divórcio desde a Segunda Guerra. Mas os vínculos entre pais e filhos permanecem, embora vejamos isso também se enfraquecer. Isso me faz mal, porque a gente não sabe o que pode surgir daí. Não temos instituições que venham a suprir isso. Não somos uma sociedade coletivista, mas individualista. E um dos poucos laços de altruísmo, em que a gente exerce de fato a afetividade é entre pais e filhos. Se nós deixarmos isso de lado, não sei onde vamos parar.
A partir desse entendimento, o presente Parecer fundamenta os seguintes conceitos, que devem ser atendidos por Resolução específica:
1º. A forma aparentemente ideal de controle e prevenção de problemas e desvios éticos com anúncios seria o CREMERJ solicitar a médicos e serviços que encaminhassem seus anúncios para avaliação prévia, submetendo-os à aprovação pela CODAME. Entretanto, tal medida geraria uma extensa burocracia no CREMERJ, inviabilizando a execução dos anúncios e interferindo em excesso na liberdade dos profissionais.
Pelo contrário, exigir que apenas comuniquem o anúncio, protocolando sua cópia em correspondência ao Conselho, permite que a CODAME tenha acesso a tudo que seja publicado e possa filtrar o que represente possível desvio ético ou técnico. Ao mesmo tempo, ser obrigado a enviar ao CREMERJ o anúncio estimula a preocupação em conhecer as normas éticas e inibe desvios, reduzindo as "contaminações" de anúncios.
Frise-se que tal medida permite que o CREMERJ tenha em mãos tudo que esteja sendo publicado na área médica no Estado, o que não pode ser cumprido por nenhum mecanismo de coleta ou clipping, pois a exigência de comunicação inclui pequenos jornais, boletins, prospectos e cartazes que representem divulgação de assuntos médicos.
A freqüente alegação de que "o jornalista não publicou o que eu disse", ou que "seja erro ou culpa dele", e "eu nada posso fazer" pode ser evitada por uma fórmula legal, que exija a apresentação e submissão prévia do texto ao entrevistado antes de sua publicação.
Caso a matéria publicada não esteja adequada e de acordo com o que foi autorizado, cabe ao médico queixar-se e até processar o jornalista, seja por falta de ética ou pelo que couber para o caso.
Registre-se que embora para entrevistas coletivas isso se torne impraticável, predominam entrevistas individuais onde o médico pode perfeitamente apresentar, para seu resguardo pessoal e frente ao CREMERJ, tal documento de compromisso de obtenção de autorização para publicação do texto definitivo.
Frise-se que não devem ser citados em entrevistas ou em matérias dados pessoais, de serviços ou de clínicas, para contato, sejam telefones, endereços, sites ou preços de serviços, podendo ser divulgados os serviços públicos e gratuitos, as entidades médicas como Sociedades de Especialidades ou campanhas de prevenção e/ou de diagnóstico precoce.
2º. Há que se reforçar e explicitar o contido na Resolução CREMERJ n. 12/87, de modo a que sejam executados a inclusão do nome do médico ou serviço, e número de inscrição no CREMERJ em todos os anúncios. Essa inclusão tem por vezes sido omitido, aposta inclinada ou de tal forma diminuta que se torna imperceptível ou ilegível, o que contraria o espírito da norma adotada.
3º. Os sites e anúncios na Internet em tudo se assemelham às formas tradicionais de divulgação, acrescentando uma interatividade mais imediata e dinâmica, e devem ser normatizados em nosso Estado de forma mais explícita, devendo ser sempre citado o site do CREMERJ como "Órgão fiscalizador" através de conexão (link).
É necessário que os médicos atuantes no Estado do Rio de Janeiro citem seu registro no CREMERJ, e que fique ainda mais explícito nesses sites de médicos e serviços que é vedada à realização de consulta via Internet, e que deva ser priorizado um aspecto informativo e educativo, e que não estejam expostos pacientes antes, durante ou após aplicação de técnicas, cirurgias ou tratamentos.
4º. Deve-se também evitar confundir o público leigo utilizando expressões que lhe faça crer tratar-se tal área de uma especialidade médica. Nesse sentido, deve ser frisado que não existe "medicina estética", e sim algo como "procedimentos ou cuidados estéticos", nem "medicina ortomolecular", mas apenas "prescrição ou orientação ortomolecular", e muito menos "cirurgias de rejuvenescimento", mas tão somente "técnicas para efeito de aparente rejuvenescimento", ou algo similar.
Parece-nos relevante registrar que esse aparentemente exagero no apego ao preciso sentido das palavras é proporcional à manipulação que estas têm sofrido nas mãos de tão hábeis "marqueteiros" da beleza aparente.
5º. Os anúncios de serviços, clínicas e empresas, ao relacionarem especialidades médicas e atividades auxiliares ou complementares da área de saúde costumam, por força de mau hábito, relacionarem especialidades médicas e outras profissões em bloco único ou em ordem alfabética, dando a entender à população que tais profissões auxiliares e/ou complementares à Medicina seriam especialidades e que os seus terapeutas executores seriam médicos.
É necessário que seja dirimida tal confusão, acentuando e prestigiando o papel do médico e de cada um dos profissionais auxiliares da área de saúde, citando-os à parte no texto de anúncios e receituários de Clínicas e Serviços Médicos, como "profissionais auxiliares ou complementares não-médicos" que são.
6º. A contratação de assessoria de imprensa por médicos, visando obter divulgação de uma sociedade médica científica, congresso, evento específico ou campanha de prevenção, caracteriza uma promoção coletiva dos profissionais da especialidade, ou dos médicos como um todo, e trazem informações benéficas à comunidade e devem ser estimuladas.
Entretanto, via de regra, a contratação individual de assessor de imprensa por um médico, ou serviço, visa mais uma atuação de "promoter", "plantando" notas e obtendo espaços na mídia, abrindo portas na sociedade civil, numa forma de estímulo do culto à personalidade, levando ao conhecimento público, de forma artificial e manipulada, um determinado médico, sem que este tenha de fato tal qualidade de serviços ou contribuído para o desenvolvimento da Ciência de forma tão relevante quanto faz parecer.
Deve o CREMERJ informar aos médicos que a contratação de tais "assessorias" pode denotar uma atitude prejudicial às regras éticas de concorrência, e que, vindo em prol de promoção pessoal ou de um serviço, clínica ou empresa, caracteriza, s.m.j., forma não-ética de angariar clientela.
7º. Existe necessidade de que os anúncios e comunicados de médicos se diferenciem claramente das promessas miraculosas de técnicos (e leigos) esteticistas em geral. Tal frivolidade de frases de efeito e slogans deve ser evitada, vedando-se expressões, que são em sua maior parte mera fórmula barata e sensacionalista de atrair clientela.
A utilização de modelos ou mesmo desenhos em propaganda de serviços médicos, em especial no campo de Cirurgia Plástica, Dermatologia e Endocrinologia (e procedimentos ditos "estéticos"), incluindo figuras, rostos ou partes de corpos humanos, caracteriza uma forma sub-reptícia de valorizar em excesso a aparência em detrimento de valores maiores, intrínsecos ao ser humano.
Em assim agindo, o médico que adota tal conduta publicitária colabora para desvalorizar o ser humano no que ele tem de mais valioso, ou seja, seu caráter, sua inteligência, enfim, aptidões e qualidades que vai muito além do que um "rostinho ou corpinho bonito" possam representar. E mais, arrisca desvalorizar, senão agredir e deprimir, todos os "feiosos congênitos e irrecuperáveis" dando-lhes uma idéia (partindo de um médico!) que para ser feliz, reconhecido e estimado há que ser belo e, pior, seguir à risca os questionáveis padrões estéticos ditados por figurinistas ou modistas em geral.
Questionamos rigorosamente a pretensão de sugerir ou impor um ou mais padrões de beleza. Ao menos para um médico e cientista, a Beleza do ser humano pode ou deve estar na sua saúde física interna (ou "real") e externa (ou "aparente"), mas muito mais na sua saúde mental ou espiritual, em sua harmonia e sabedoria, em sua alegria e exemplo de vida, incluindo todos os aspectos individuais e relacionais que possam ser percebidos.
Mais grave é a indução, da qual um médico não pode nem deve participar, de que um velho (e o "ato inevitável" de envelhecer) seja feio ou demodée. É fato incontestável que (ainda) não podemos evitar o envelhecimento e nada mais fazemos do que tentar (e por vezes conseguir) retardá-lo em alguns casos ou indivíduos, por práticas, orientações e procedimentos.
Caracteriza propaganda enganosa, típica de "cliniquetas e boutiques de estética", sugerir que tal juventude eterna seja possível. Nessa tentativa de vender o impossível, acaba-se por entregar somente inconformismo e infelicidade (senão depressão) por não aceitar encarar o inevitável: o envelhecimento e a perda gradual das condições físicas características da faixa etária mais jovem. Os mais maduros, ao invés de usufruírem a plenitude de sua vida, vão sendo induzidos desde a juventude a um desespero por uma iminente perda da beleza; e surge um dito "especialista em estética" pronto para aliviá-lo, em troca de determinada quantia.
Entendemos que seja papel do médico preparar seus pacientes, e os cidadãos em geral, para uma velhice feliz, e, ao contrário, estimular uma ode à tal beleza sem rugas representa vender e auferir lucros com uma inadequada e utópica proposta.
Enfim, Medicina não é moda nem marketing (embora use ou sofra disso), e preocupações estéticas podem esconder dramas bem mais profundos do ser humano, vide as mutilações e deformações autoinfligidas (que supomos ocorram com a participação e conivência de médicos) ao tão famoso quanto embranquecido cantor americano e as vítimas imitadoras de modelos anoréxicas em geral.
Por justiça, além dos fabulosos resultados das cirurgias reconstrutoras em sua ação de recuperar forma e função, fique claro que reconhecemos como verdadeiros os bons resultados que um tratamento ou cirurgia bem indicada podem trazer sobre a auto-estima de uma pessoa, cuja aparência de fato cause susto, repulsa ou mesmo dificulte sua vida afetiva ou profissional.
Compreende-se que tal situação ocorra, ainda mais por estarmos inseridos num contexto social e cultural que pode conter tal exigência de perfeição, mas entendemos que o médico deve evitar, em especial ao exercer influência sobre a população através de anúncios, a contaminação por uma abordagem excessivamente superficial - postura que a Cirurgia Plástica, a Dermatologia e a Endocrinologia, como a Medicina como um todo, não devem ceder a assimilar.
Ou seja, tal obsessiva e generalizada busca de um ideal de beleza, que parece fazer parte de um esquema consumista que inclui revistas, loções, carros, roupas, enfim, "lazer e prazer é tudo que temos para fazer" deve, s.m.j., ser contrariada pelo médico em sua prática diária e em especial em seus comunicados ao público.
Na verdade, não há como negar que apresentar um rosto maravilhoso ou um corpo "bem torneado" caracteriza propaganda enganosa, pelo simples fato de que tal pessoa ali apresentada não é resultado de uma bem sucedida cirurgia, e sim de pré-disposição genética, saúde, boa alimentação, repouso e exercícios regulares, senão de maquiagem, truques e retoques fotográficos.
Fica também subliminarmente sugerido que se trate de um (a) paciente operado(a), o que seria vedado apresentar de forma tão circense. E mais, tal magnífico e (esperamos) freqüente resultado não deveria ser usado para uma manipulação típica de quem "só quer mostrar o que tem de melhor".
Em resumo, o CREMERJ deve normatizar de maneira mais explicita essa questão, e declarar não-ética a adoção de frases de efeito (slogans), modelos e desenhos de figuras humanas em anúncios e propaganda médica em geral.
Assim, há que ficar claro que o correto e admissível a um cientista, e no caso, exigido de um médico permanentemente atento à ética e ao rigor da apresentação científica, seja relatar sempre quais técnicas utiliza, seu percentual de bons e maus resultados, quantos pacientes ficaram satisfeitos e insatisfeitos e quantas complicações apresentou, ao invés de exibir um selecionado ou eventual exemplo de ótimo resultado - o que deve ser entendido como utilizar propaganda de modo a angariar clientela de forma não-ética.
Finalmente, apelamos em prol da imediata emissão por parte deste Conselho de uma Resolução que atenda de forma clara e minuciosa aos citados nove itens, o que se mostra exeqüível e necessário ao bom trabalho desta Comissão e certamente será recebida pelo meio médico, e pela Sociedade como um todo, como oportuna defesa do exercício ético da Medicina e de bons serviços à população.
É o parecer, s. m. j.
(Aprovado em Sessão Plenária de 04/06/2003)
Não existem anexos para esta legislação.
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