
PARECER CREMERJ N. 05/1990
INTERESSADO: Sr. P. P. R.
RELATOR: Prof. Dr. Talvane M. de Moraes
CONCEITO DE DOENÇA, DESDE UMA PERSPECTIVA PSIQUIÁTRICA, À LUZ DA C. I. D.
EMENTA: Esclarece que os distúrbios de personalidade (personalidade psicopática) não se constituem em doenças mentais e sim, em transtorno imutável e incurável do caráter e que a CID cataloga quaisquer situações onde possa haver intervenção médica, ou de serviços de saúde, sem com isso rubricar todas as situações previstas na CID como doença, no sentido estrito do termo.
CONSULTA: Parecer motivado por consulta sobre distúrbios de personalidade (psicopatia); se estes são ou não caracterizados como doença ou enfermidade, se cabe a reforma ex-ofício de militar portador de personalidade psicopática e se todas as catalogações existentes na CID são doenças, no sentido estrito do termo.
PARECER: Lendo-se o requerimento formulado pelo consulente, verifica-se que a questão fundamental se prende ao fato de ter sido ele reformado pelo Serviço Médico da Aeronáutica, sob a rubrica nosológica "personalidade psicopática", sendo que o citado Serviço Médico da Aeronáutica, consultado acerca de ser ou não a personalidade psicopática doença, opinou no sentido que tal distúrbio de caráter seria "doença porque está arrolado na CID e no NIDCM" (sic).
O peticionário, então, pergunta:
1. Os distúrbios de personalidade (PSICOPATIA) são ou não uma doença ou enfermidade?
2. As Leis Militares preveêm diversos motivos para a reforma ex-ofício. Dentre eles:
a) julgado inválido ou fisicamente incapaz para o serviço militar decorrente de doença sem relação de causa ou efeito com serviço;
b) julgado incapaz moral ou profissionalmente, em processo.
Em qual das duas situações cabe o enquadramento do portador de personalidade psicopática, para fins de reforma? Cabe a reforma por doença para a personalidade psicopática? Em que situações? Pode ser determinado por meio de simples entrevistas?
3. Pode a CID e o NIDCM serem considerados para definir o que é doença e o que não é?
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES:
Verificamos, in casu, que a questão central da consulta se prende ao fato de se
classificar a personalidade psicopática como doença, por se achar tal diagnóstico incluído na Classificação Internacional de Doenças, da O. M. S.
Somente aos leigos em Medicina, salvo melhor juízo, poderá parecer que o simples fato de existir uma classificação global de todos os distúrbios e transtornos, além de práticas médicas, como é o caso da C. I. D, autoriza o entendimento de que todos os itens ali incluídos se constituem em doença, strictu sensu.
Na realidade, como é sabido, a citada Classificação Internacional de Doenças se constitui em um catálogo sistemático, elaborado sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde, que visa universalizar a terminologia médica, instituindo itens diversos que contêm diagnósticos de doenças, enfermidades, mal-formações, distúrbios e, inclusive, exames e práticas médicas. Senão, vejamos alguns exemplos:
281.0 = anemia perniciosa (doença);
295.3 = psicose esquizofrênica, tipo paranóide (Transtorno mental, doença mental,
psicose);
2070.0 = exame médico geral de rotina num serviço de assistência à saúde;
2062.0 = desemprego;
650.9 = parto completamente normal;
Com os exemplos anteriores, resta claro que a Classificação Internacional de Doenças cataloga quaisquer situações onde possa haver interveniência médica, ou de serviços de saúde, sem querer rubricar todas as situações previstas na CID como doença, no sentido estrito do termo.
Vale a pena lembrar que o termo original da classificação, DISEASE, em inglês, tem vários sentidos, a saber: "to cause disease in; to interrupt or impair any or all the natural and regular functions of (an organ of a living body); to afflict with pain or sickness; to derange; to corrupt" - (Webster's Dictionary, second edition, USA, 1975). Em nosso vernáculo, pode-se traduzir a palavra por doença, enfermidade, moléstia, distúrbio.
Como vemos, o termo disease não significa somente doença e pode ter sentido semântico mais amplo.
Com o passar do tempo, a práxis médica internacional começou a verificar a falta de exatidão do termo disease, gerador de confusões terminológicas como a atual questão, e a Associação Psiquiátrica Americana (USA), adotou, então o termo DISORDERS, em sua classificação de transtornos mentais. Assim, a atual DSM-IIIR adota a expressão "DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS", traduzido em português como "MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DOS DISTÚRBIOS MENTAIS", Lisboa, 1986.
Vemos que realmente, o termo distúrbio se presta muito melhor ao uso clínico psiquiátrico, eis que engloba toda a gama de transtornos, enfermidades, doenças, etc. que podem acometer os pacientes.
Temos notícia recente de que a OMS já se prepara para lançar a 10a revisão da CID, onde o termo disease será alterado para disorders.
No presente caso, sub consulta, pelos elementos históricos que nos foram fornecidos, verifica-se que o consulente foi reformado pelo Serviço Médico da Aeronáutica sob o diagnóstico de PERSONALIDADE PSICOPÁTICA e que, consultada a citada instituição, foi alegado pelos especialistas da FAB que tal rubrica se refere a doença por estar enquadrada na Classificação Internacional de Doenças.
Ao compulsarmos a CID, 9a revisão, temos que a rubrica personalidade psicopática aparece sob a nomenclatura de transtornos da personalidade, do título V, Transtornos Mentais, capítulo Transtornos Neuróticos, Transtornos da Personalidade e Outros Transtornos Mentais NÃO PSICÓTICOS (300-316).
Observa-se o cuidado da CID em separar, completamente, os capítulos das chamadas doenças mentais, strictu sensu, de outros transtornos da personalidade, enfatizando-os como não psicóticos, vale dizer, não assemelhados às doenças mentais típicas, que são as psicoses.
Também a DSM-IIIR mantém o mesmo critério, classificando a personalidade psicopática em capítulo destacado do das denominadas doenças mentais, atribuindo-lhe a rubrica DISTÚRBIOS DA PERSONALIDADE.
Na realidade, é do conhecimento corriqueiro dos especialistas em Psiquiatria que a expressão doença mental se refere, estritamente, às psicoses, sejam endógenas ou exógenas, excluindo-se desta rubrica as neuroses e as personalidades psicopáticas. Tanto pela etiologia, quanto pela evolução, prognóstico e terapêutica, diferem radicalmente as personalidades psicopáticas das denominadas psicoses, ou doenças mentais propriamente ditas.
Dessa forma, em resposta conclusiva e objetiva ao que foi indagado pelo consulente, temos a responder que:
1. Os distúrbios de personalidade (personalidades psicopáticas) não se constituem em doenças mentais, classificando-se entre os transtornos da estrutura da personalidade, sendo, portanto, anormalidades que, biograficamente, muito cedo se instalam no indivíduo, a partir de fatores heredo-constitucionais, ou precocemente adquiridos, tornando-se, por isso mesmo, imutáveis ao longo da vida e oferecendo poucas ou nenhuma chance de êxito terapêutico. O fato de tais distúrbios de personalidade se acharem incluídos na Classificação Internacional de Doenças, deve ser entendido como uma catalogação genérica de todos os distúrbios mentais e não como a espécie doença mental.
2. Parece mais adequado, pelo que foi exposto, que o enquadramento de alguém que apresente distúrbio de personalidade seja o de ser julgado incapacitado por tal transtorno de personalidade. Entretanto, poderá o especialista em Psiquiatria, ou a Junta Militar de Saúde, rotular o distúrbio, assinalando sua referência na Classificação Internacional de Doenças, explicando, contudo, que não se trata de psicose, ou doença mental propriamente dita, mas um transtorno do caráter que é imutável e incurável. Quanto ao diagnóstico, deve ser feito baseado em entrevistas, avaliação da curva biográfica do paciente e dados anamnésicos seguros, além de cuidadoso diagnóstico diferencial com outros distúrbios da esfera psíquica ou orgânica.
3. Por si só não, eis que, como foi exaustivamente exposto, trata-se de classificações genéricas de distúrbios mentais e não de um catálogo das doenças mentais, em sentido estrito.
É o parecer.
(Aprovado em Sessão Plenária de 22/01/1990)
Não existem anexos para esta legislação.
Atenção: Com a edição de novas leis e/ou resoluções, pareceres antigos podem estar desatualizados.
Sede: Praia de Botafogo, 228 – Botafogo – CEP: 22.250-145
Tel.: (21) 3184-7050 – Fax: (21) 3184-7120
Homepage: www.cremerj.org.br