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PARECER CREMERJ N. 09/1991

INTERESSADO: Conselho de Administração da UNIMED de São Gonçalo - Niterói
RELATOR: Cons. José Eberienos Assad
 
QUESTÕES ÉTICAS RELACIONADAS COM A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE MÉDICOS CONVENIADOS E NA INTER-RELAÇÃO DESTES COM A UNIMED, NOTADAMENTE AS QUE REMETEM CÓPIAS DE EXAMES, A PRONTUÁRIO INTEGRAL DE PACIENTE, À SUBSTITUIÇÃO DE MÉDICO ASSISTENTE NA ALTA DE PACIENTE E À COBRANÇA DE HONORÁRIOS DE VISITA.

EMENTA: Esclarece que os laudos pertencem primeiro ao paciente e segundo ao seu médico assistente, não devendo ser repassados para a empresa de intermediação do Serviço Médico, sendo inclusive perfeitamente lídimo a refusão de cessão de prontuário médico; que o médico deve sempre evoluir em detalhe seus pacientes, registrando dia e hora em que foi visto, e sempre de próprio punho, a menos que uma intercorrência exija sua presença, no momento evolutivo, em outro lugar; que ao CREMERJ o que interessa é saber se o médico substituto encontra-se em pleno gozo do exercício médico, matéria que deve reformar nas cláusulas contratuais, e caso seja inverídica a substituição, estará sendo cometido delito ético.

CONSULTA: Parecer motivado por consulta sobre a existência ou não de impedimento ético à solicitação de envio de cópias de resultados de exames de laboratórios, Raios-X, ultra-som etc., pelos Serviços contratados, juntamente com as faturas de cobrança; se no prontuário o médico assistente deve colocar data e hora, prescrição e evolução clínica de próprio punho; se na alta do paciente o médico assistente pode ser substituído por outro, sem que haja anotação a respeito do impedimento, e, se neste caso, poderá haver cobrança de honorários de visita; se as entidades nosocomiais podem se eximir de encaminhar ao contratante o prontuário integral do paciente para melhor controle dos serviços médicos.

PARECER: Parecer motivado sobre consulta a respeito da divulgação de exames médicos, aponta:

Os questionamentos são formulados em 4 (quatro) perguntas:

1. Se existe impedimento ético na solicitação de envio de cópias de resultados de exames de laboratórios, Raios-X, ultra-som etc. pelos serviços contratados, juntamente com as faturas de cobranças.

Existe impedimento ético. Os prestadores de serviços médicos não podem enviar cópias dos exames e papeletas às empresas contratantes desses serviços.

É importante relembrar que a atividade médica é recalcada na confiança da informação, onde os pacientes descortinam seu interior externando ao médico fatos, frustrações, culpas e complexos que, só ele, paciente, conhecia.

A Medicina, que tem na anamnese o seu ponto importante no desvencilhamento das doenças, só sobreexiste pela garantia que o profissional médico inspira ao paciente.

Se este trato consagrado milenarmente for escalavrado ou estropiado, sem dúvida alguma haverá uma ação erosiva sobre o conceito da Medicina.

Não nos informa o peticionário qual a razão que embalou tal consulta, embora se possa depreender que repouse sobre um controle administrativo da prestação de tais exames complementares.

Somos de opinião que os laudos pertencem primeiro ao paciente, segundo ao seu médico assistente, não devendo ser repassados para a empresa de intermediação do Serviço Médico, visto que diferentes pessoas, inclusive não médicas, passariam a deter informações sobre seus associados, as quais não devem ser divulgadas.

A empresa pode ter este controle através de supervisores médicos, não necessitando da transferência de todos os exames complementares.

O que entra no campo da necessidade de se manter o sigilo profissional, temático da preocupação de todos os legisladores que lidam com os deveres e direitos do ser humano, enquanto membro de uma sociedade.

Assim o Código Civil, no seu artigo 144 declama: "Ninguém pode ser obrigado a depor de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo".

O Código Penal também não menoscaba a figura do segredo profissional, lembrando no seu artigo 153 e 154, que dizem respectivamente:

              "Artigo 153 - Divulgar a alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem".

              "Artigo 154 - Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem".

O Código de Processo Civil, embora não substantivo, um instrumento adjetivo, também não deixa de revelar este tópico, aninhando no seu artigo 406, que apregoa.

"A testemunha não é obrigada a depor de fatos":

1. A cujo respeito, por estado de profissão, deve guardar sigilo."

Vemos, pois que o instituto do segredo profissional é contemplado nos Códigos de nosso País, a fim de que a dignidade de uma pessoa seja preservada.
Por outro lado, os tribunais já registram jurisprudência firmada sobre este item, ressaltando-se sobremaneira o Habeas Corpus n. 39308, prolatado pelo Supremo Tribunal Federal, que afirma:

"É constrangimento ilegal exigir-se de clínicas ou hospitais a revelação de suas anotações sigilosas" (RTJ-24 / 466) nos ensina que "o sigilo médico não tem caráter absoluto, embora deva ser tratado com a maior delicadeza, só podendo ser quebrado em hipóteses muito especiais; tratando-se da investigação de crime sua revelação deve ser feita em termos, ressalvando-se os interesses do cliente, pois o médico não se pode transformar em delator de seu paciente" (STF, RE 91128, mv, RTJ 151 / 676 e RJ 562 / 407 TSJP, Mand. Seg. 14687, RJ 567 / 305).

É constrangimento ilegal exigir-se de clínicas ou hospitais a revelação de suas anotações sigilosas (STF, HG 39308, RTJ 24 / 466). Ficha médica: colocada ela à disposição do perito, que não está preso a sigilo profissional, mas só ao segredo pericial, não se pode exigir a sua entrega em juízo (STF, RE 91218, mv, RJ 522 / 342), mas a decisão foi reformulada pelo STF. Elemento subjetivo, "O que a lei proíbe é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade"; "o médico não é obrigado a guardar segredo, se sua própria cliente abriu mão do segredo (TJSP, HC 136032, RJ 517 / 317)", a transferência compulsória de resultados de métodos complementares ou mesmo papeletas médicas além de indelicado é ao nosso ver desrespeitoso pois qual pessoa gostaria que outros que não precisam saber tomassem conhecimento de uma gravidez escondida, de uma disritmia detectada ou de um HIV positivo registrado.

O sigilo médico não é propriedade do médico, portanto dele não podendo dispor sem a prévia autorização do paciente, mesmo assim só em condições ultra-especiais.
Se infletirmos e mergulharmos no Código de Ética Médica, verificamos que ele consagra um capítulo sobre o segredo profissional, composto de oito artigos, do 102 ao 109, que rezam:

"É vedado ao médico:

Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização do paciente".
Parágrafo único - Permanece essa proibição:"
a) "Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido"."
b) "Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento."

Art. 103 -"Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente".

Art. 104 - Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações legais".

Art. 105 - Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade".

Art. 106 - Prestar a empresas seguradoras qualquer informação sobre as circunstâncias da morte de paciente seu, além daquelas contidas no próprio atestado de óbito, salvo por expressa autorização do responsável legal ou sucessor".

Art. 107 - Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei".

Art. 108 - Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso".

Art. 109 - Deixar de guardar o segredo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial".

Além do artigo 11, inserido nos Princípios Gerais do Código de Ética Médica.

Diante do exposto opinamos pela não revelação dos resultados sistematicamente em métodos complementares, a fim de que se persista o mais indevassável possível à alma do cidadão.

2. Se no prontuário o médico assistente deve colocar data e hora, prescrição e evolução clínica de próprio punho;

É óbvio que se levando em conta a nossa realidade, onde a informática não está à disposição da maioria dos profissionais médicos, portanto sem impressora de texto, o médico deve sempre evoluir em detalhe seus pacientes, registrando dia e hora em que foi visto, e sempre que possível de seu próprio punho, a menos que uma intercorrência exija sua presença no momento evolutivo em outro lugar.

3. Se na alta do paciente o médico assistente pode ser substituído por outro, sem que haja anotação a respeito do impedimento, e se, neste caso, poderá haver cobrança de honorários de visita.

Entendo que o item 3 (três) se restringe a um problema administrativo, contratual, gerencial.

É de se esperar que todo impedimento seja comunicado, a menos que ele se dê em condições de incomunicabilidade. Para o CREMERJ o que interessa é saber se o substituto encontra-se em pleno gozo do exercício médico.

Se a empresa aceitar a substituição o médico deverá receber seus honorários, o que se respalda no artigo 86, que preceitua:

"É vedado ao médico: Receber remuneração pela prestação de serviços profissionais a preços vis ou estorcidos, inclusive através de convênios".
Há de se lembrar que o artigo 88 afirma que:

"É vedado ao médico: Permitir a inclusão de nomes de profissionais que não participarem do ato médico, para efeito de cobrança de honorários".
O que em sendo inverídica a substituição, delito ético estará sendo cometido.

4. Se as entidades nosocomiais podem se eximir de encaminhar ao contratante o prontuário integral do paciente para melhor controle de procedimentos e cobranças.
Esta questão se enquadra perfeitamente no item n. 1.
Parece-me que, além de ser perfeitamente lídimo a refusão de cessão do prontuário médico, deva ser conduta mais acertada, a fim de que a indevassabilidade do íntimo da pessoa humana não transite nos corredores e nos gabinetes, sendo tornada pública principalmente por pessoas que, por força de profissão ou ofício, não sejam obrigadas a guardar sigilo profissional.

Concessa venia ouso terminar meu parecer consulta reiterando que a Medicina varou séculos porque a intimidade do paciente é acovilhada no segredo profissional, já que a doença humilha seu proprietário e somente a discrição, segredo, sigilo e certeza da inquebrantabilidade destes institutos é que leva as pessoas a abrirem suas almas, muitas vezes feridas, frustradas, sofridas, embora esperançosas.

Há de se entender que o fundamental é a preocupação com o Homem, embora do ponto de vista comercial e gerencial o controle rígido de gastos seja o escopo.

"Ex-vi legis" e "Ex-vi" sua consciência profissional o segredo deve ser mantido, e esta facultas agendi do médico é que lhe dá credibilidade, admiração e respeito.

Convém reproduzir para enfatizar o parecer do Desembargador Azevedo Franceschinelo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em voto vencido nos autos do mandado de segurança n. 135681, a saber:
a) A divulgação de conteúdo de ficha médica se aplica toda a disciplina que garante o sigilo oral, pois a ficha clínica não passa de memorização das observações médicas sobre o caso.
b) também não importa que o episódio clínico haja saído da alçada médica e a ficha recolhida ao arquivo morto do nosocômio, ao qual só teriam normalmente acesso o pessoal burocrático. O segredo subsiste, aliás, adverte Perrand Charmantier ("Le secret Proficcionel - f. 79) que muito embora a função de Diretor de um nosocômio (e outro tanto se diga de seus subordinados) seja meramente administrativo, também ela se encontra jungida ao segredo profissional.
No parecer do advogado Antonio Carlos Mendes, OAB / n. 28436, em resposta ao CREMESP, afirma:

"Evidentemente o constrangimento decorrente da requisição judicial ou pedido de informação da autoridade policial, evita a caracterização do crime de violação do segredo médico. Entretanto, esta circunstância não legitima as citadas requisições e pedidos de informações, isto é, o constrangimento ilegal não obriga "dejure" o médico a fornecer as informações ou as anotações clínicas, o mesmo acontecendo com os funcionários e dirigentes de hospitais.

A esta disciplina jurídico-penal sujeitam-se também os médicos, funcionários e dirigentes de hospitais mantidos ou subvencionados pelo poder público, inclusive aqueles credenciados pela Previdência Social.

Não é aleatoriamente que o Código de Ética Médica, além dos demais Códigos, se preocupa com a avaliação do segredo médico, sendo o C.E.M., no entender do Supremo Tribunal Federal, a resposta a Representação 1023(RJ), as normas nele contidas são normas jurídicas especiais submetidas a regime semelhante ao das normas e atos normativos federais."

O grande Nelson Hungria nos ensinou que:

"A vontade do segredo deve calar o pedido formulado pela cliente para que a faça abortar, do mesmo modo que o advogado deve silenciar o confessado propósito de fraude processual do seu constituinte, embora, num e noutro caso, devam os confidentes recusar sua aprovação ou entendam de desligar-se da relação profissional."

Ainda, mesmo que o segredo verse sobre fato criminoso deve ser guardado. Entre dois interesses colidentes - o de assegurar a confiança geral dos confidentes necessários e o da repressão de um criminoso - a lei do Estado prefere resguardar o primeiro por ser mais relevante. Por outras palavras: entre dois males - o da revelação das confidências necessárias (difundindo o receio geral em torno destas com grave dano ao funcionamento da vida social) e a impunidade do autor de um crime - o Estado escolhe o último que é o menor.

CONCLUSÃO: Concluindo as respostas às inquisições do peticionário, pensamos:
1. Papeletas, bem como resultados de exames não podem ser copiados e remetidos para fora do local onde o ato médico se dá;
2. a evolução tem que ser feita com data e hora da sua execução;
3. não nos cabe opinar sobre a legitimidade de médico ser substituído na hora da alta e se deve receber honorários, já que é matéria que deve reformar nas cláusulas contratuais.

Permissa venia senhor Presidente, encerro com um poema lindo, lindíssimo, de Paulo Mendes Campos, intitulado "Poema Didático", que reforça exatamente o ponto de vista de que importante é o Homem, sua vida, sua alma, sua história e sua felicidade.

Diz ele:
"E desprezando o outrora não permiti que a rosa me perturbasse
Não olhei a fábrica, mas o homem que trabalha na fábrica;
Não olhei a ferrovia, mas o homem que sangrava na ferrovia;
Não olhei as estrelas, mas o rosto que resplandecia o seu fulgor."

É o nosso parecer, s. m. j.

BIBLIOGRAFIA
1- Código Civil Brasileiro
2- Código Penal Brasileiro
3- Código de Processo Civil Brasileiro
4- Código de Ética Médica
5- Parecer sobre Segredo Médico
Antonio Carlos Mendes - CREMESP
6- Nelson Hungria - Comentários ao Código Penal

(Aprovado em Sessão Plenária de 13/06/1991)

 


Não existem anexos para esta legislação.

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