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PARECER CREMERJ N. 33/1995

INTERESSADO: Comissão Especial de Saúde Mental da Secretaria
                             Estadual de Saúde do Rio de Janeiro.
RELATORES: Câmara Técnica de Saúde Mental
                         Prof. Miguel Chalub
                         Cons. Paulo Cesar Geraldes

ENCAMINHAMENTO DE CASO DE EMERGÊNCIA NEUROLÓGICA, FEITA POR ASSISTENTE SOCIAL, PARA UNIDADE ASSISTENCIAL DE EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA.

EMENTA: Esclarece que os profissionais de saúde que integram equipes multiprofissionais, mantêm suas identidades profissionais e executam apenas suas atribuições específicas, de acordo com sua formação técnico-científica e capacitação. Ressalta ainda que o ato médico é privativo do profissional médico.

CONSULTA: Trata-se de consulta sobre paciente cuja família alegava crises epilépticas subentrantes e que foi atendido inicialmente em Centro Psiquiátrico, por assistente social. A referida profissional encaminhou o paciente como emergência psiquiátrica, para o PAM-RJ - Centro Psiquiátrico. Neste PAM constatou-se que o paciente padecia de quadro neurológico que inspirava cuidados emergenciais. O Diretor do PAM alega que a internação imediata, que se fazia necessária, foi prejudicada, já que o paciente não foi avaliado por médico e sim por uma assistente social.

PARECER: Preliminarmente duas questões doutrinárias devem ser expostas antes de entrarmos no mérito do caso: o conceito de triagem médica e o de emergência ou urgência médica. Triagem é o ato pelo qual se faz uma seleção, escolha ou separação entre coisas. Triagem médica é o ato por meio do qual se faz seleção, escolha ou separação entre pacientes ou pessoas que procuram atendimento médico.

O procedimento médico se aplica às mais variadas e diversas situações clínicas, desde as mais simples e quase evidentes, até as de alta complexidade e que exigem acurácia e grande competência técnica. Assim, em um ambulatório de hospital geral, separar entre aqueles que precisam ser encaminhados à oftalmologia porque estão com os olhos vermelhos e purulentos ou indicar a ortopedia para alguém que está com um deslocamento no eixo longitudinal de membro inferior devido à fratura óssea, não é tarefa difícil e um profissional paramédico, bem treinado, pode fazê-lo.

É importante assinalar, desde logo, que nestes casos, não há propriamente uma triagem médica, mas sim, mero encaminhamento ao serviço clínico que parece mais indicado para a situação, uma vez que a triagem, em seu verdadeiro sentido, já está feita ao ser a pessoa admitida no estabelecimento médico.

Por outro lado, só um cardiologista ou cirurgião cardiovascular podem escolher, entre os pacientes, quem deve ser submetido à cirurgia de revascularização cardíaca ou à angioplastia coronariana.

O procedimento de triagem médica, com freqüência, é praticado em situações de urgência e emergência. Tais condições deixaram recentemente de ser apenas descritas de modo consensual e consuetudinário entre os médicos para serem definidas e delimitadas pelo Conselho Federal de Medicina. A Resolução n. 1451 de 10 de março de 1995, baixada pelo Conselho Federal de Medicina e publicada no DOU, seção I, n. 53, página 3666, de 17 de março de 1995, assim prescreve: Artigo 1º, parágrafo 1º "Define-se por urgência a ocorrência imprevista de agravo à saúde, com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessite de assistência imediata"; parágrafo 2º "Define-se por emergência a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato". Voltaremos a essas definições mais adiante.

Um problema colateral ao da triagem médica é o da triagem de demanda, ou seja, a triagem entre aqueles que procuram um estabelecimento médico: posto de saúde, posto de atendimento, pronto socorro, hospital, ambulatório e outros. Sabemos que são possíveis as mais distintas condições humanas: econômicas (miséria, mendicância), sociais (atritos, desavenças entre familiares, vizinhos, falta de moradia, falta de transporte), culturais (desinformação, primitivismo), meramente psicológicas (desespero, conflitos, aflições) e médicas. Dentre estas, podem ir desde uma infecção respiratória alta não complicada (resfriado comum, amigdalites) até hemorragia interna gravíssima (prenhez ectópica rota) ou obstrução aguda e total de vias aéreas (edema de glote), passando por variadíssimos estados ou muito banais e freqüentes (cefaléia) ou rapidamente letais (laceração cerebral extensa).

Em face do polimorfismo destas situações, da complexidade da diagnose em cada caso e da especialização que se exige para o adequado tratamento das circunstâncias, impõe-se à equipe multidisciplinar nos setores de triagem de demanda. Com efeito, o respeito às peculiaridades do demandante, o grandioso desenvolvimento tecnológico das ciências da saúde e a notória habilitação que se pede aos profissionais da saúde, fazem com que a equipe multidisciplinar seja mandatória.

Parece-nos, no entanto, concessa vênia, que tem havido importante distorção no conceito e na operação das equipes multidisciplinares, com possíveis conseqüências graves para os usuários. Não se trata absolutamente de todos poderem fazer tudo.

Na equipe multidisciplinar, cada agente mantém sua identidade profissional e executa suas atribuições específicas. Conforme a organização do serviço, o demandante será entrevistado ou examinado pelos membros da equipe, isoladamente ou em conjunto, de acordo com as normas vigentes no setor, após o que, o caso será discutido entre os profissionais para a decisão.

É importante frisar que a decisão será tomada pelo profissional ao qual a situação estiver afeta em virtude de suas características, depois de ouvir os demais. É de se esperar que, após discussão e respectivos pareceres, a deliberação seja consensual, mas, se tal não for possível, compete ao profissional legalmente responsável a resolução. Sobre a competência legal mais adiante se falará. Tudo é análogo a um Juiz que, após ouvir peritos e expertos para a formação de seu convencimento e fundamentação de sua sentença, toma uma decisão.

Destarte, é inteiramente contra a concepção de equipe multidisciplinar, além das possíveis infrações legais, um médico identificar causas sociais que interferem no desajustamento individual ou aplicar métodos e técnicas específicas do serviço social na solução de problemas sociais, bem como um psicólogo prescrever medicamentos ou um assistente social fazer diagnoses médicas.

Cada profissional mantém sua identidade e age de acordo com sua formação técnico-científica e capacitação. Da interação intelectual entre eles surgirá o melhor para o demandante sem que se abdique da atribuição de cada um, cabendo àquele a quem o caso é mais pertinente à decisão final, se assim for necessário. Logo, decidirá o assistente social nos casos econômico-sociais ou culturais, o médico, nos de natureza somatopsicopatológica e assim por diante. Tudo de acordo com o verdadeiro espírito de equipe multidisciplinar que não é, de modo algum, a simples multiplicação de profissionais em uma equipe.

No caso em estudo, trata-se de triagem de emergência médica feita por assistente social sob alegação de pertencer à equipe multidisciplinar. Um paciente foi levado por sua família ao setor do Centro Psiquiátrico Pedro II, denominado TRIM - Triagem e Recepção Integrada Multidisciplinar. Lá foi atendido por uma assistente social que registrou no respectivo boletim de atendimento dois dados de interesse para nosso parecer. No item "motivo da consulta", foi lançado: "família solicita atendimento alegando crises epilépticas subentrantes". No item "encaminhamento", foi consignado: "emergência psiquiátrica".

O médico que recebeu o paciente no PAM-RJ - Centro Psiquiátrico relatou que o mesmo apresentava um quadro clínico neurológico que necessitava de cuidados emergenciais e reclamou que fora encaminhado de forma errônea, uma vez que não tinha havido avaliação médica, mas sim, atendimento feito por assistente social.

Segundo o médico, isto prejudicou o paciente em face da demora da intervenção imediata necessária. Inquirida a respeito, a assistente social redargüiu que pertencia a uma equipe multidisciplinar treinada para triar casos de emergências, ambulatórias ou de determinadas urgências (sic) e que o caso em questão era "um quadro epiléptico que não se caracterizava como situação de emergência e que apenas necessitava tratamento ambulatorial". A assistente social aduz ainda que na equipe multidisciplinar não é o médico que decide todas as questões e que se sente inteiramente competente para triagem de casos em Saúde Mental.

A ocorrência comporta inúmeras apreciações:
1 - Não é competência de assistente social atender casos médicos de qualquer natureza. A Lei n. 3252, de 27 de agosto de 1957, publicada no D.O.U. de 28 de agosto de 1957 e que regulamentou a profissão, não lhe dá tal atribuição nem o currículo mínimo de seu curso profissional (Parecer n. 242/70 do Conselho Federal de Educação, aprovado em 13 de março de 1973) lhe proporciona formação acadêmica para tanto. Nem se alegue que em saúde mental o problema é diferente. Os estados psicopatológicos são condições médicas a serem diagnosticadas e tratadas. O exame, a avaliação e o tratamento de sua dimensão macrossocial (instituições, sociedades, Estado, aparelhos ideológicos) e microssocial (família, vizinhança, trabalho, escola e outros) são da competência profissional do assistente social, mas isto não se confunde com os aspectos médico-biológicos, mormente em urgências e emergências. Quanto a estas, lembrar as recentes definições do Conselho Federal de Medicina, onde o caráter médico das duas condições é bem marcado;

2 - A alegação de "equipe multidisciplinar" não dá guarida à extrapolação de atribuição profissional, nem justifica omissão de profissional responsável. O médico que se omite e deixa que pessoa não graduada em Medicina exerça seu papel, infringe o artigo 30 do Código de Ética Médica;

3 - Diagnosticar - ou adotar diagnose por informação de outrem, como parece que foi o caso - crises epilépticas subentrantes, não considerar tal estado uma emergência clínico-neurológica e encaminhar como se fosse uma emergência psiquiátrica é uma má prática médica. Se cometida por um médico, trata-se de infração ao artigo 29 do Código de Ética Médica (imprudência, imperícia ou negligência); se por alguém não graduado em Medicina, crime capitulado no artigo 282 do Código Penal Brasileiro (exercício ilegal da Medicina). No caso em deslinde, a assistente social, caso tenha sido o primeiro profissional a atender o paciente, deveria ter pedido a presença incontinente do médico, a quem passaria o atendimento, cuidando então dos aspectos sociais ou familiares, após o que os dois profissionais em concurso técnico, decidiriam o que fazer.

4 - Não nos parece que alguém por ser treinado em triagem de demanda médica seja em saúde mental ou não, adquira competência que substitua a formação médica. Por oportuno, lembramos as síndromes ou enfermidades que bem a propósito foram anteriormente citadas. Uma inflamação ocular pode ser simples conjuntivite, mas também uveíte específica; desvio de eixo de membro inferior pode ser uma fratura simples ou uma fratura cominutiva com futura formação de pseudartrose; cefalalgia pode traduzir mera dispepsia, mas também hemorragia subaracnóidea; dor de garganta pode ser tanto uma banal amigdalite, quanto fleimão retrofaríngeo e assim por diante. Em urgências e emergências médicas, a diagnose diferencial é excruciante e, por vezes, salvadora de vidas. Tão só a formação médica é voltada para isso.

Por estas razões, concluímos por:
I - Oficiar ao Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) da jurisdição, dando conta da ocorrência e deste parecer;
II - oficiar ao Diretor do Centro Psiquiátrico Pedro II, comunicando este parecer;
III - oficiar à Comissão de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, dando conhecimento do presente parecer;
IV - oficiar ao Diretor do PAM-RJ - Centro Psiquiátrico, informando sobre este parecer;
V - baixar Resolução disciplinadora da participação do médico nas equipes multidisciplinares, onde fique bem estabelecidas sua competência, atribuições, limitações e responsabilidades, tudo à luz dos artigos 18 e 30 do Código de Ética Médica.

É o parecer.

(Aprovado em Sessão Plenária de 31/05/95)



Não existem anexos para esta legislação.

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