
PARECER CREMERJ N. 55/1997
INTERESSADO: Dr. F. J. M. P. C. - Setor de Endoscopia do Hospital
Municipal Salgado Filho / RJ
RELATOR: Cons. Mauro Brandão Carneiro
Equipe de Processo e Consulta do CREMERJ
PLANTÃO À DISTÂNCIA, POR MÉDICO ESPECIALISTA EM ENDOSCOPIA DIGESTIVA, INCLUSIVE EM EMERGÊNCIAS, COM RECONHECIMENTO DA CARGA HORÁRIA DISPENSADA NO SOBREAVISO.
EMENTA: Cita a Resolução CREMERJ n. 100/96, que estabelece as Normas Mínimas para o Atendimento de Urgências e Emergências no Estado do Rio de Janeiro. Expõe Parecer aprovado em 12/11/1993, do CFM, de n. 19/93, o qual analisa os "plantões à distância", assim como Parecer do Professor Genival Veloso de França, datado de 15/02/1993, visto como jurisprudência em nossa legislação ética para tais eventos. Com estes fundamentos, esclarece que é entendimento do CREMERJ a admissão de sobreaviso para a especialidade de endoscopia digestiva. Menciona a Resolução n. 74, de 25/06/1996, do CREMESP, que regulamenta os "plantões à distância". Conclui que, além da própria ausência de privacidade, o que caracteriza o fato de o profissional permanecer em serviço, mesmo à distância, é a exigência do vínculo empregatício e, assim, não há como questionar o fato de que, enquanto o profissional estiver de sobreaviso para qualquer eventualidade, este tempo seja computado como efetiva jornada de trabalho e, por todo o exposto, não há também como deixar de reconhecer o direito à remuneração pelos médicos escalados para plantões de sobreaviso na especialidade em questão.
CONSULTA: O consulente solicita ao CREMERJ parecer sobre proposta de organização de uma escala de alocação de recursos humanos para atendimento de pacientes a serem submetidos a procedimentos endoscópicos, diagnósticos e terapêuticos, em regime eletivo ou rotina e nas emergências através de plantões de disponibilidade (sobreaviso). A presente consulta foi motivada pelo fato de a Direção do Hospital não aceitar o plantão de disponibilidade como forma de atendimento, não reconhecendo conseqüentemente a carga horária dispensada, sob a alegação de que estaria criando precedente em relação a outras especialidades existentes no Hospital e lotadas no Setor de Emergência.
PARECER: Em primeiro lugar, é necessário contextualizar o motivo desta consulta. O referido Hospital, situado no Município do Rio de Janeiro, está implantando, com ineditismo no Serviço Público deste Estado, um novo projeto de gerenciamento hospitalar, baseado na concepção de que seu Corpo Clínico, redimensionado, trabalhe em regime de 40 horas semanais e realize, a partir da reorganização dos Serviços, todos os atendimentos daquela Unidade, sejam eles ambulatoriais, de rotina ou de emergência.
Um conceito bastante interessante, sem dúvida, posto que acaba com a histórica dicotomia entre aqueles Setores, notadamente entre a Rotina e a Emergência, fazendo com que os pacientes se beneficiem sempre com uma mesma conduta médica e com a suposta diminuição da burocracia. Justamente por ser inédito, há uma série de questões gerenciais a serem resolvidas e o CREMERJ está acompanhando este processo com interesse.
No caso em tela, consideramos a questão levantada pelo Serviço de Endoscopia relevante e acreditamo-la de fácil resolução, posto que não macula a filosofia de atendimento que está sendo implantada.
Analisemos, pois, os dois aspectos essenciais da consulta: a correção ética da proposta apresentada, envolvendo a sempre polêmica questão do "plantão à distância" e a consideração do período de disponibilidade como jornada de trabalho efetiva.
1. DO PLANTÃO DE SOBREAVISO
O Setor de Endoscopia Digestiva é indispensável num Hospital como o Salgado Filho. A Resolução CREMERJ n. 100/96, que estabelece as Normas Mínimas para o Atendimento de Urgências e Emergências no Estado do Rio de Janeiro, prevê sua existência nos hospitais de níveis III e IV de complexidade, e aquela unidade certamente estará enquadrada num deles.
Nosso consulente sustenta, ao fundamentar seu pleito, que o atendimento das emergências gastro-intestinais deve ser previsto e assegurado nas 24 horas do dia, com alocação de recursos humanos através de plantões de disponibilidade previamente definidos, o que atenderia perfeitamente as necessidades técnicas de demanda não eletiva, além de não acarretar prejuízo ou riscos aos pacientes.
Argumenta ainda que o endoscopista é médico de suporte à emergência, tendo em vista que ele atua somente num segundo momento após a ação do clínico ou do cirurgião, que dariam o atendimento imediato ao paciente visando a manter as condições mínimas termodinâmicas, inclusive com medidas preparatórias para a realização do exame endoscópico. Esta característica de médico de segunda linha na atenção a uma emergência gastro-intestinal é que permitiria a adoção do plantão de disponibilidade, objetivando a otimização do atendimento.
Com efeito, há jurisprudência em nossa legislação ética para tais eventos. Em brilhante parecer, datado de 15 de fevereiro de 1993, o Professor Genival Veloso de França exemplifica alguns Serviços que não podem trabalhar com "plantões à distância", como Obstetrícia, Trauma ou Medicina Intensiva. No entanto, ressalva:
"Coisa diferente é o elenco de especialistas credenciado para complementar o diagnóstico ou a terapêutica nas ocorrências fortuitas, pois seria impossível manter-se num mesmo plantão duas ou três dezenas de facultativos capazes de atender um ou outro caso isoladamente. Certas especialidades, como Otorrino, Oftalmologia ou Neurologia, podem ser solicitadas a darem sua contribuição complementar. Todavia, este não é o modelo, verbi gratia, para a Anestesiologia."
O Conselho Federal de Medicina, em parecer aprovado em 12 de novembro de 1993, n. 19/93, analisa os "plantões à distância" e acolhe a opinião do Relator, Conselheiro Nilo Fernando Rezende Vieira que, respondendo à consulta: "poderia o Hospital obrigar o médico a cumprir plantão à distância?", assim se manifesta:
"As características de cada cidade, de cada hospital e o número de especialistas disponíveis tornam heterogênea a organização deste tipo de trabalho. Um hospital de grande porte, de uma grande cidade, geralmente mantém médicos de diversas especialidades de plantão. Já uma pequena cidade, como faria para manter tal leque de especialistas de plantão? A existência de "plantão à distância" - sobreaviso - é decorrência desta heterogeneidade de formas de organização. Estes plantões, naturalmente, não podem ser impostos e obrigatórios. O acordo entre os profissionais e a administração das instituições é que estabelece estas formas de prestação de serviços."
Note-se que a pergunta original é oposta à do nosso consulente. Mas a resposta conduz, tanto num quanto noutro caso, ao bom senso e à conciliação de interesses, evidentemente observadas as questões técnicas das especialidades envolvidas.
O parecer do mestre Genival Veloso de França não contempla especificamente a Endoscopia Digestiva. Mas é nosso entendimento, sem sombra de dúvida, que esta especialidade situa-se entre aquelas que admitem o sobreaviso. Vale lembrar, que a Resolução n. 110/96 do CREMERJ, já citada, impõe a existência do Serviço de Endoscopia para aqueles níveis de complexidade, inclusive com instalações adequadas, mas deixa em aberto (a critério da Unidade) a presença do especialista na composição da equipe.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP - avançou mais nesta questão e promulgou Resolução específica para regulamentar os "plantões à distância".
Todas as legislações citadas, e mais as do CRM do Paraná, são unânimes ao alertar para os riscos de omissão de socorro, mesmo nos casos de sobreaviso. Para sintetizar nossa compreensão sobre esta infração ética, tomaremos por empréstimo, uma vez mais, as palavras do Professor Genival Veloso de França:
"Os médicos responsáveis pelo socorro e os seus superiores imediatos, coniventes ou co-responsáveis pela omissão, podem ser argüidos em suas responsabilidades ética e legal, mesmo estando eles escudados no que se chamou de plantonistas "de retaguarda" ou de "sobreaviso". (...) Em tese, a falta ao plantão reveste-se de características de infração ética, seja por deliberada intenção, seja pela ausência de comunicação ao setor competente do Hospital, para que sejam tomadas as devidas providências. Por isso, deve a autoridade hierarquicamente superior ao plantonista estar ciente para prover a imediata substituição, evitando, dessa maneira, a descontinuidade do atendimento."
2. DO PERÍODO DE SOBREAVISO COMO JORNADA EFETIVA DE TRABALHO
Não há como questionar o fato de que, enquanto o profissional estiver de sobreaviso para qualquer eventualidade, este tempo seja computado como efetiva jornada de trabalho.
O médico escalado para o sobreaviso não pode se ausentar da cidade, ou das proximidades do hospital, em se tratando de uma cidade como a do Rio de Janeiro. Deve estar em condições de responder a um chamado com rapidez e, para tanto, deve levar em consideração as condições de trânsito e de distância. É obrigatório também que esteja alcançável por telefone ou outro meio de comunicação. São inaceitáveis as desculpas de que "não foi encontrado".
Além da ausência de privacidade, o que caracteriza o fato de o profissional permanecer em serviço, mesmo à distância, é a existência do vínculo empregatício. No caso em apreciação, estamos tratando de servidores municipais, com vínculo efetivo de trabalho, e não de prestadores de serviço eventuais.
A Resolução n. 74, de 25/06/96, do CREMESP, mesmo ressalvando sua vigência para atividade médica em Pronto Socorro, assim regulamenta o plantão de disponibilidade:
"Art. 2° - Define-se como plantão de disponibilidade de trabalho a atividade do médico que permanece à disposição da instituição, cumprindo jornada de trabalho preestabelecida, para ser requisitado por intermédio de "pager", telefone ou outro meio de comunicação, tendo condições de atendimento pronto e pessoal.
Art. 4° - O plantão de disponibilidade, conforme descrito no artigo 2° , consiste em trabalho médico a ser remunerado."
O já citado Parecer do CFM, n. 19/93, ao responder ao quesito de número dois: "podem as instituições exigir dos médicos o cumprimento de escala de plantão obrigatória e gratuita por especialidade, quando os mesmos desejam apenas assistir seus pacientes conveniados e particulares?", assim se pronuncia:
"A exigência de cumprimento de plantão obrigatório e gratuito é descabida. Se existe uma escala de plantão e se o cumprimento desta é obrigatório, está claramente configurada a relação trabalhista. Ao médico que aceita cumprir tais escalas, cabe o reconhecimento de vínculo empregatício e, portanto, de salários. Aos demais, não cabe a obrigatoriedade de prestar tal serviço."
E cita, como exemplo, o artigo 244 da CLT, que define, estabelece prazo máximo e remunera o sobreaviso dos trabalhadores em estradas de ferro. De nossa parte, citamos o exemplo do Hospital de Furnas, em Praia Brava, Angra dos Reis, erguido para atender aos funcionários da empresa e a um eventual acidente nuclear na usina atômica, que mantém seus médicos de sobreaviso, através de escalas de plantão, devidamente remunerados.
Consideramos, portanto, factível a proposta apresentada pelo Setor de Endoscopia do Hospital Municipal Salgado Filho. Por todo o exposto, não há também como deixar de reconhecer o direito à remuneração pelos médicos escalados para plantões de sobreaviso naquela especialidade.
É o parecer.
(Aprovado em Sessão Plenária de 11/06/1997)
Não existem anexos para esta legislação.
Atenção: Com a edição de novas leis e/ou resoluções, pareceres antigos podem estar desatualizados.
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