
PARECER CREMERJ Nº 05/2022
PROCESSO PARECER CONSULTA Nº 16/2020
INTERESSADO: H.G.N.I. (Protocolo: 10327867/2020)
ASSUNTO: Dispensa de avaliação pré-anestésica em procedimentos de Urgência e Emergência.
RELATOR: Dr. Yuri Salles Lutz
EMENTA: Em procedimentos de urgência ou emergência a avaliação pré-anestésica pode ser dispensada. Cabe ao médico anestesiologista contraindicar o ato anestésico se não houver condições mínimas de segurança até que as inconformidades sejam sanadas, salvo em casos de urgência ou emergência nos quais o atraso no procedimento acarretará em maiores riscos ao paciente do que a realização do ato anestésico em condições não satisfatórias.
O médico deve assumir a responsabilidade pelos atos médicos que pratica, indica ou mesmo contraindica, registrando obrigatoriamente sua conduta em prontuário.
DA CONSULTA:
Trata-se de consulta encaminhada por Diretor de Hospital Municipal questionando a legalidade de hipotética suspensão de cirurgia de emergência por anestesista pela falta de risco cirúrgico. O médico também recusar-se-ia a escrever razões da suspensão no prontuário do paciente.
DO PARECER:
A avaliação pré-anestésica é regulamentada em sua mais recente atualização pela resolução CFM nº 2.174, de 14 de dezembro de 2017, onde se lê:
Art. 1º Determinar aos médicos anestesistas que:
I - Antes da realização de qualquer anestesia, exceto nas situações de urgência e emergência, é indispensável conhecer, com a devida antecedência, as condições clínicas do paciente, cabendo ao médico anestesista decidir sobre a realização ou não do ato anestésico.
b) Não sendo possível a realização da consulta pré anestésica, o médico anestesista deve proceder à avaliação pré anestésica do paciente, antes da sua admissão no centro cirúrgico, podendo nesta ocasião solicitar exames complementares e/ou avaliação por outros especialistas, desde que baseado na condição clínica do paciente e no procedimento proposto. (CFM, 2017)
Entende-se pelo exposto que a avaliação pré-anestésica é um ato legítimo, inclusive em situações de urgência ou emergência, nas quais a mesma pode ser dispensável, realizada de forma abreviada ou em local inadequado, o que não exime o médico anestesiologista de verificar as condições do paciente para a realização do procedimento proposto. Também é cabível que o médico anestesiologista solicite exames ou avaliações de outros especialistas, considerando o quadro clínico e procedimento proposto.
A mesma Resolução também determina como deve agir o médico anestesiologista em situações em que identifique a necessidade de suspensão do ato anestésico:
Art. 1º [...]
V - Para a prática da anestesia, deve o médico anestesista responsável avaliar e definir previamente, na forma prevista no artigo 2º, o risco do procedimento cirúrgico, o risco do paciente e as condições de segurança do ambiente cirúrgico e da sala de recuperação pós-anestésica, sendo sua incumbência certificar-se da existência das condições mínimas de segurança antes da realização do ato anestésico, comunicando qualquer irregularidade ao diretor técnico da instituição e, quando necessário, à Comissão de Ética Médica ou ao Conselho Regional de Medicina (CRM).
VI - Caso o médico anestesista responsável verifique não existirem as condições mínimas de segurança para a prática do ato anestésico, pode ele suspender a realização do procedimento até que tais inconformidades sejam sanadas, salvo em casos de urgência ou emergência nos quais o atraso no procedimento acarretará em maiores riscos ao paciente do que a realização do ato anestésico em condições não satisfatórias. Em qualquer uma destas situações, deverá o médico anestesista responsável registrar no prontuário médico e informar o ocorrido por escrito ao diretor técnico da instituição e, se necessário, à Comissão de Ética Médica ou ao Conselho Regional de Medicina (CFM, 2017).
Por tais incisos, entende-se, em consonância com o princípio da autonomia do médico, ser responsabilidade do médico anestesiologista, considerando as condições clínicas do paciente e de ambiente onde o ato será praticado, decidir pela sua realização ou não, registrando em prontuário sua conduta, bem como comunicando ao Diretor técnico e se necessário a Comissão de Ética da instituição e ao Conselho, sobre os fatos, de modo as devidas providências serem tomadas para sanar as inconformidades encontradas. É responsabilidade do médico anestesiologista ao identificar situações que contraindicam o procedimento, suspender o mesmo até que elas sejam sanadas, salvo em situações em que o adiamento do mesmo possa acarretar em maiores riscos ao paciente que sua realização em condições não satisfatórias.
O Código de Ética Médica, estabelecido pela Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, apresenta princípios e vedações importantes para o contexto da consulta solicitada:
CAPITULO I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
[...]
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. [...]
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.[...]
XIX – O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.
CAPITULO II
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. [...]
Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal. [...]
Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria. [...]
Art. 87 Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. (CFM, 2018)
Por tais itens, entendemos que, ainda que seja direito do médico praticar e indicar atos com autonomia, deve o mesmo ter como princípio básico a melhor conduta para seu paciente, não sendo ético deixar de atender o mesmo em situações de urgência ou emergência, bem como indicar ou contraindicar atos de modo a potencialmente causar danos ao paciente. Também é responsabilidade médica a elaboração de prontuário para cada paciente.
Analisando o questionamento do consulente à luz dos postulados apresentados, ainda que entendendo-se a situação como de emergência, no qual o paciente apresenta risco de vida, e o ato cirúrgico com concurso de anestesia é visto como possível de preservar-lhe a vida e/ou integridade física, mesmo assim cabe ao médico anestesiologista avaliar a situação e indicar ou mesmo contraindicar o procedimento proposto, considerando não apenas o quadro clínico do paciente, mas também o ambiente onde o procedimento será realizado e o grau de urgência. Pode o médico realizar o mesmo sem as condições mínimas de segurança, mas tal decisão deve considerar o que trará maior risco de dano ao paciente, que seja sua realização sem as condições mínimas de segurança, ou seu adiamento até que as inconformidades sejam sanadas.
Concluindo-se como imperativa a realização do ato, a solicitação de parecer de outro especialista pode ser entendida como exagerada ou não condizente com os princípios éticos. Entretanto, a complexidade que tais situações costumam envolver torna impossível que esta conclusão seja feita sem análise pormenorizada do quadro, haja vista existir situações em que o parecer pode ser considerado adequado.
No entanto, a legislação deixa clara que, independente da situação, cabe ao médico o registro obrigatório em prontuário da conduta tomada, inclusive a indicação ou mesmo suspensão de ato anestésico, não sendo admitida sua recusa em fazê-lo.
CONCLUSÃO
Em situações de urgência ou emergência a avaliação pré-anestésica pode ser dispensada, cabendo ao médico anestesiologista avaliar a conveniência e segurança da realização do ato anestésico baseada na situação clínica e condições do local onde o procedimento será realizado, solicitando exames, parecer de outros especialistas ou contra indicando o procedimento. Em situações em que o ato anestésico for contra indicado, ou houver necessidade de complementação da avaliação pré-anestésica com solicitação de exames ou parecer de outros especialistas, deve o médico anestesiologista registrar sua conduta obrigatoriamente em prontuário.
Este é o parecer, S.M.J.
Rio de Janeiro, 17 de março de 2022.
Conselheiro Relator
Parecer aprovado na 384ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros do CREMERJ, realizada em 17 de março de 2022.
Referências:
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.174, de 14 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a prática do ato anestésico e revoga a Resolução CFM nº 1.802/2006. Diário Oficial da União: Seção I. Brasília, DF, p. 82, 27 fev. 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2174 Acesso em: 14 abr. 2021.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União: Seção I, Brasília, DF, p. 179. 01 de Nov. 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 Acesso em: 12 jan. 2021.
Não existem anexos para esta legislação.
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