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PARECER CREMERJ Nº 04/2022

PROCESSO PARECER CONSULTA Nº 50/2021

 

 

INTERESSADOS: Dr. O.P.R.P. e outros (Protocolos: 10355486/2021, 10355577/2021, 10356200/2021 e 10357978/2022)

ASSUNTO: Recusa de atendimento em consulta eletiva a paciente não vacinado para Covid-19.

RELATOR: Conselheiro Roberto Fiszman

 

EMENTA: No âmbito ético-profissional o médico não deve recusar atendimento a pacientes não vacinados contra Covid- 19, em consultório público ou privado, antes do primeiro atendimento. Caso a construção de uma relação médico-paciente seja impossível para o profissional, independente do estado vacinal do paciente, em algum momento a partir do primeiro atendimento faz-se necessário que o médico especifique sua objeção de consciência e o encaminhe atendimento a outro profissional.

 

DAS CONSULTAS:

Foram reunidos os protocolos acima, descritos neste parecer, oriundos de profissionais que especificam tratar-se de prática privada, em síntese:

 

Gostaria de saber se posso me recusar a atender não vacinados em meu consultório particular, porque coloca em risco minha saúde e dos demais funcionários.”

 

Gostaria informação sobre obrigatoriedade de solicitar aos pacientes Carteira de Vacinação para atendimento em consultório.“

 

Consulta sobre obrigatoriedade ou não, em atender consulta eletiva com marcação prévia em meu consultório um paciente que declara não ser vacinado por questão pessoal. Sou cardiologista em consultório atuante e gostaria de saber se há respaldo legal em não atender essa paciente.”

 

“Sobre recusa do médico obstetra em manter pré-natal de cliente e família que não se vacinou e não pretende se vacinar contra Covid-19.”

 

Todas as consultas têm em comum a recusa a atendimentos eletivos a pacientes não vacinados. Contudo, há uma diferença em relação a uma das consultas apresentadas, na situação descrita como os não vacinados, no contexto do cuidado pré-natal, deixando claro que a paciente não tem intenção de se vacinar, ou seja, o assunto já foi tratado no ambiente do atendimento e envolve não apenas a gestante, como também o pai e o feto. 

 

Uma vez que as próprias diretrizes de imunização estão em evolução, seria importante também definir vacinação completa, se duas doses seriam suficientes, ou se o reforço da terceira dose seria considerado como o padrão de conformidade. Lembrando que, eventualmente, pode ser recomendada uma quarta ou quinta dose. Isso em abstrato, porque a conclusão do parecer não exige essas respostas.

 

Do Parecer:

A resposta aos questionamentos apresentados acima precisa de bases normativas e legais, comecemos pela Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, que aprova o Código de Ética Médica:

Capítulo I - Princípios fundamentais

I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. [...]

 

Capítulo II - DIREITOS DOS MÉDICOS

É direito do médico: [...]

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver. [...]

IX –Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. (CFM, 2018)

 

Pelo exposto, como a Medicina trata do cuidado de saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer natureza, seria uma contradição recusar atendimento a priori de não vacinados, sem qualquer encontro médico-paciente que pudesse justificar objeção de consciência.

 

Admitindo que tanto a percepção de risco à própria saúde, quanto os ditames da consciência sejam individuais e subjetivos, caberia uma análise mais profunda do próprio médico a cada caso antes de recusar atender alegando objeção de consciência.

 

Sendo assim, não é possível que o médico determine alguma objeção de consciência sem conhecer o paciente, sua vida, experiência e motivação pessoal e, depois de conhecer, seguindo o que se define como objetivo da profissão médica, por que não tentar convencer os pacientes não vacinados de sua indicação por meio de diálogo e respeito à autonomia individual, sem necessariamente recusar atendimento antes disso?

 

Prosseguindo, observamos o disposto no Parecer CRM-MG nº 06, 26 de janeiro de 2018, que dispõe:

O médico tem o direito de renunciar ao atendimento do paciente, caso ocorram fatos que prejudiquem o bom relacionamento com o mesmo ou o pleno desempenho profissional, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder, ressalvadas ainda as situações de urgência/emergência e se não houver outro médico para atendê-lo. [...] (CRM-MG, 2018)

Já o Parecer CRM-MG nº 52, de 17 de abril 2020, estabelece que:

O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência, ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. (CRM-MG, 2020)

 

Os pareceres acima corroboram os argumentos que para recusar atendimento, além de definir que o bom relacionamento ético-profissional não foi alcançado, caso ocorram fatos que prejudiquem o bom relacionamento ou o pleno desempenho profissional com o assistido e que não haja confiança entre médico e paciente, há uma consequência prática da necessidade de encaminhamento a outro profissional, o que também exige minimamente uma consulta.

 

A propósito, nesse primeiro encontro o paciente pode relatar ter tido algum sintoma intenso depois da primeira dose, e ter evitado completar a imunização, ou algum fato ou característica singular do mesmo que explique suas atitudes, de forma que o profissional consiga prosseguir na assistência, seguindo o exemplo profissional que foi publicado em no artigo Trust, Faith, and Covid, publicado no New England Journal of Medicine.

 

Além do disposto até aqui, rogo que sejam considerados os seguintes argumentos:

 

O ambiente de atendimento médico precisa respeitar os cuidados sanitários, que já são barreiras contra a infecção, e tanto o médico quanto os profissionais de saúde estão, por definição, vacinados e protegidos contra formas graves e fatais da doença.

 

A alegada ameaça à saúde dos profissionais envolvidos poderia ser minimizada para os vacinados e não vacinados, mas só com pedido de exame molecular negativo recente para Covid-19, lembrando que os vacinados também se infectam e transmitem a doença, o que mantém a ameaça a saúde descrita pelos consultantes também nos pacientes vacinados, exigindo exatamente os mesmos cuidados sanitários nos ambientes de trabalho.

Essa argumentação é retórica; não se pode recomendar que sejam adotadas condutas não oficialmente formalizadas de forma contínua e sistemática pelas autoridades sanitárias diante de cenários epidemiológicos distintos, especialmente quando não pode haver diferenciação entre os ambientes públicos e privados.

 

Ainda de forma retórica, não há qualquer exigência ou questionamento a propósito de exigência de vacinação contra gripe, doença infecciosa que também pode causar formas graves e fatais, e que exige os mesmos cuidados sanitários em relação à Covid-19. A ausência desta preocupação revelaria, possivelmente, um viés dos próprios consultantes, possibilitando uma eventual interpretação de discriminação em desfavor dos pacientes não vacinados para Covid-19.

 

Para o cenário descrito no atendimento pré-natal, alguns comentários adicionais são necessários. Gestantes são notoriamente vulneráveis à infecção por Covid-19, assim como ao vírus da Influenza. Uma gestante não vacinada está mais ameaçada pelas infecções virais do que a população em geral, e sua situação vacinal direciona desfechos em caso de infecção, determinando risco elevado de óbito materno. Caberia nesta situação maior preocupação em garantir a sua vacinação por meio de educação em saúde e informação válida, do que recusar atendimento. Lembrando, mais uma vez, que pacientes vacinados se infectam e transmitem a doença, mesmo assintomáticos e a suposta proteção aos profissionais envolvidos não tem correspondência nas evidências atuais.

 

Caso sejam esgotadas as possibilidades de construção de uma relação médico paciente de respeito e confiança mútuos, caracterizada formalmente a objeção de consciência do médico, que isso seja informado e a paciente encaminhada para outro profissional.

 

No ambiente público, em especial na estratégia de saúde da família, pode não existir outro profissional disponível no mesmo território, o que traria maiores complicações operacionais ao encaminhamento.

 

Os questionamentos apresentados neste parecer fazem parte de um novo cenário sanitário, no qual a discussão ultrapassa as evidências científicas existentes, assim como questões ético profissionais e de contágio com doenças virais, estando sujeitas às influências sociais, políticas, legais e culturais que sempre estiveram presentes na sociedade. Contudo, sem a intensidade, contradições e polarização que assistimos.

 

Cabe aos médicos explicar aos pacientes que as vacinas são suficientemente seguras para justificar sua utilização em todos os grupos que foram estudados e propostos, e proteger seus pacientes que são bombardeados por falsas informações, até por médicos, alguns organizados em grupo contra a vacina, criando dano social, na contramão de suas obrigações ético-profissionais.

 

A analogia com a revolta da vacina em 1904 serve como exemplo de autoritarismo na operacionalização da imunização, que trouxe mortos e feridos à sociedade. Que essa analogia sirva de orientação para a melhor informação e educação da população para se proteger de riscos reais.

 

Contudo, a analogia feita por alguns grupos antivacina, entre a exigência do passaporte sanitário e o nazismo, que levou ao extermínio sistemático de milhões em câmaras de gás, incluindo crianças, merece repúdio neste parecer, como uma forma de degeneração intelectual e moral, como apontado em posicionamento do Auschwitz Memorial (2021).

 

Conclusão:

O que se recomenda aos médicos é manter a assistência dos não vacinados, e tentar estabelecer pontes de entendimento baseadas em evidências e informações válidas.

 

Caso prevaleça a percepção do médico de sua objeção de consciência por questões de falta de confiança mútua, que o atendimento seja recusado, obedecendo aos princípios estabelecidos de comunicação formal da situação e encaminhamento para outro profissional, sem recusar o atendimento a priori a pacientes não vacinados.

 

Deve ser tomado enorme cuidado com a interpretação deste parecer, não só pelo que está disposto nesta argumentação, mas de forma imperativa pelo que não é base para essa discussão, mas que prolifera nessa situação vulnerável em que vivemos. 

 

O que justifica esta conclusão são fatos, especificamente a infecção e o contágio dos vacinados, o que mantém as exigências de proteção sanitária nos ambientes de assistência à saúde, independente do estado vacinal dos pacientes e a vocação humanística da profissão médica, que veda discriminação de qualquer natureza, o que seria possível acontecer com uma recusa de atendimento a priori dos não vacinados.

 

Ao mesmo tempo, está respeitada, no parecer, a autonomia do médico em recusar atendimento quando julgar que não há possibilidade de manter a assistência, desde que formalize a situação depois de, pelo menos, um atendimento e que encaminhe o paciente a outro profissional, à luz do exposto, abordando objetivamente a questão proposta.

 

Este é o parecer, S.M.J.

 

Rio de Janeiro, 17 de março de 2022.

 

 

Roberto Fiszman

Conselheiro Relator

 

 

Parecer aprovado na 383ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros do CREMERJ, realizada em 17 de março de 2022.

 

 

 

 

 

 

 

Referências:

Auschwitz Memorial Museum. Official account EN. The Memorial preserves the site of the former German Nazi Auschwitz concentration and extermination camp. [Twitter]. 13 dez. 2021. Disponível em: https://twitter.com/auschwitzmuseum/status/1466835738306260992 Acesso em: 11 mar. 2022.

 

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Parecer nº 06, de 26 de janeiro de 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/MG/2018/6  Acesso em: 11 mar. 2022.

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Parecer nº 52, de 17 de abril de 2020. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/MG/2020/52 Acesso em: 11 mar. 2022.

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de set. de 2018. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União: Seção I, Brasília, DF, p. 179. 01 de Nov. 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 Acesso em: 11 mar. 2022.

 Rittenberg, Eve. Trust, Faith, and Covid. N Engl J Med. v. 385, p. 2504-2505, dec. 30, 2021. DOI: 10.1056/NEJMp2114695 Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp2114695  Acesso em: 11 mar. 2022.


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