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PARECER CFM nº 7/16
 
INTERESSADO:  CRM-MG
 
ASSUNTO:  Liberação de prontuário para perícia indireta de embriaguez alcoólica.
 
RELATOR:  Cons. José Albertino Souza


EMENTA: Na investigação da hipótese de cometimento de crime, o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal.
 
CONSULTA
 
O presidente do CRM/MG encaminha solicitação de conselheiro e requer manifestação do CFM quanto ao Parecer Consulta CRM-MG 4074/10, de sua autoria.

Relata que o PC supracitado foi discutido em reunião plenária desse Regional, quando se decidiu por submetê-lo à apreciação do CFM, para posterior apreciação em nova plenária, uma vez que foi, inclusive, cogitada a elaboração de uma Resolução.

O citado parecer responde a consulta oriunda da Delegacia Adjunta de Trânsito da cidade de Muriaé, que foi elaborada nos seguintes termos:
 
Solicito a V. Exa. a gentileza de nos informar se há algum óbice por parte do Conselho Regional de Medicina/MG no sentido de que os médicos legistas lotados nesta Delegacia Regional de Polícia Civil tenham acesso aos prontuários dos pacientes atendidos nos nosocômios desta cidade visando à elaboração do auto de corpo de delito indireto, com objetivo único de nos informar se o médico atendente no Pronto Socorro constatou algum sintoma de embriaguez no paciente/condutor acidentado.
Vale ressaltar que algumas vezes é impossível o perito legista examinar o paciente logo após sua entrada no Pronto Socorro, restando apenas a possibilidade do laudo indireto, onde o “expert” analisa o prontuário médico e elabora o laudo indireto.
 
Argumenta o nobre conselheiro do CRM/MG, no seu parecer, que:

a solicitação por parte da autoridade policial de cópias de prontuário médico visando servir de instrumento para elaboração de laudos periciais indiretos por médicos legistas (como questionado pelo consulente), possui os requisitos mínimos para caracterização do motivo justo (justa causa), já que se trata de instrumento para defesa da sociedade (estado de necessidade), sendo, portanto, “fator de ordem moral ou social que justifica a exceção em relação à norma legal”. É nossa visão que tal raciocínio se aplica não só às solicitações para pesquisa de embriaguez alcoólica, mas para toda e qualquer outra modalidade de perícia médico legal, como por exemplo, lesões corporais ou sexologia forense.
 
[…]
Em se tratando de perícia de embriaguez alcoólica, a liberação de cópias da ficha de atendimento poderá, da mesma forma, ser feita sob o amparo ético da justa causa ou motivo justo. Impõe-se, também, como acima, a elaboração de prontuário legível, com descrição das alterações encontradas no exame físico.
 
[…]
médico legista arrolado pela mesma, sob normas de sigilo, o qual na qualidade de perito médico oficial possui as prerrogativas éticas do “perito médico nomeado pelo juiz” da letra do Código (princípio da analogia).

[…]
Recomenda-se para melhor fluidez do processo que a autoridade policial ou judiciária (Ministério Público), em sua solicitação de cópias, especifique sempre o perito médico a quem as mesmas deverão ser remetidas. As cópias deverão ser enviadas ao perito com os cuidados inerentes aos documentos confidenciais.

PARECER

Conforme o texto do Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503/97, alterado pelas Leis nº 11.705/08 e 12.760/12, a pessoa que infringir a “lei seca” pode ser punida tanto no âmbito administrativo quanto no âmbito penal.
 
Se depreende da consulta ao CRM/MG a pretensão de utilizar-se, como meio de prova em procedimento criminal, dos registros médicos do prontuário de paciente atendido em estabelecimento de saúde, em desfavor do mesmo, por meio de exame de corpo de delito indireto (exame para constatação de embriaguez) realizado por perito legista diante de uma solicitação de autoridade policial.
 
Devemos lembrar que o periciando pode se recusar a se submeter ao exame direto para constatação de embriaguez, e, nesse caso, cabe ao perito legista registrar a sua recusa e comunicar a autoridade solicitante.
 
É certo que o perito legista é o perito oficial do juízo na esfera criminal.
 
A questão posta pelo consulente ao CRM/MG envolve a possibilidade da utilização de informações obtidas na assistência médica de paciente, em desfavor do mesmo, na apuração de procedimento criminal. Difere de outros exames médico-legais (sexológicos ou de lesão corporal) em que a vítima é o próprio paciente.
 
Há que se considerar a justa causa, hipótese prevista como excludente de quebra de sigilo nos casos que envolvem o interesse individual em detrimento do interesse público.
 
O nobre conselheiro do CRM/MG se posiciona no sentido de que a solicitação por parte da autoridade policial de cópias de prontuário médico visando servir de instrumento para elaboração de laudos periciais indiretos por médicos legistas (como questionado pelo consulente), possui os requisitos mínimos para caracterização do motivo justo (justa causa).
 
E que
 
“tal raciocínio se aplica não só às solicitações para pesquisa de embriaguez alcoólica, mas para toda e qualquer outra modalidade de perícia médico legal, como por exemplo, lesões corporais ou sexologia forense.” Sendo assim, estabelece para toda perícia médica no âmbito criminal que a autoridade policial possa requisitar cópias de prontuário para envio direto ao perito em razão de considerar haver uma justa causa em todos os casos.
 
O Parecer Cremec nº 11/01 definiu que:
 
EMENTA – A liberação de prontuários para fins de perícias do IML deve ser autorizada pelo paciente com interesse no resultado da respectiva perícia.
 
A Justa Causa como hipótese de quebra do sigilo é critério subjetivo. O médico revelador responde criminalmente, se não observar com acuro as hipóteses justificáveis.
 
A Lei das Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, determina:

Art. 66 – Deixar de comunicar à autoridade competente:
 
[…]
II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal. (grifo nosso).
 
O Processo-Consulta CFM nº 1.973/00, que serviu de referência para a elaboração da Resolução CFM nº 1.605/00, definiu que:
 
EMENTA: […] Em se tratando de investigação de crime de ação pública incondicionada, é cabível, no resguardo do interesse social e desde que não implique procedimento criminal contra o paciente, pôr-se o prontuário à disposição, para exame por perito legista, restrito aos fatos sob investigação.
 
O Parecer CFM nº 06/03 dispõe que:

EMENTA: É vedado aos médicos e diretores médicos responsáveis por clínicas o fornecimento de prontuário médico em desacordo com o que dispõe a Resolução CFM nº 1.605/00.
 
A Resolução CFM nº 1.605/00 estabelece que:
 
Art. 1º - O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.
 
Art. 2º - Nos casos do art. 269 do Código Penal, onde a comunicação de doença é compulsória, o dever do médico restringe-se exclusivamente a comunicar tal fato à autoridade competente, sendo proibida a remessa do prontuário médico do paciente.
 
Art. 3º - Na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal.
 
Art. 4º - Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento.

O Código de Ética Médica (CEM – Resolução CFM nº 1.931/09) estabelece que é vedado ao médico:
 
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

[…]
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 11.453/SP (1999/0120187-0), cujo Relator foi o Excelentíssimo Senhor Ministro José Arnaldo da Fonseca, por unanimidade dos votos, decidiu:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CRIMINAL. REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO. ATENDIMENTO A COTA MINISTERIAL. INVESTIGAÇÃO DE “QUEDA ACIDENTAL”. ARTS. 11, 102 E 105 DO CÓDIGO DE ÉTICA. QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL. NÃO VERIFICAÇÃO.
O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida.
Precedentes análogos.
Recurso desprovido.
 
Acerca do sigilo médico, o Relator assim se reportou, citando a ementa do documento original desse recurso ordinário:

O sigilo profissional não é absoluto e a compreensão da sua real extensão comporta relativo elastério.
 
Nos casos em que as informações detidas pelo médico ou nosocômio, se divulgadas, findaram por incriminar o próprio paciente, há de prevalecer o segredo, vez que o fundamento do sigilo é, justamente, a sua proteção.
Em situações de flagrante interesse público, evidenciada pertinência lógica entre o requerimento e os fatos motivadores da instauração de inquérito policial ou de ação penal, vedado ao médico ou hospital sonegar informações ao Poder Judiciário, devendo prevalecer a busca da verdade real. Esta a hipótese dos autos, que versam sobre apuração de eventual crime doloso contra a vida do paciente, falecido. (grifo nosso).

Do seu Voto, destaco:
 
“Consabido que o sigilo profissional não é absoluto e a compreensão da sua real extensão comporta relativo elastério, consoante já esposado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, julgamento do Rec. Extraordinário nº 91.218:”
 
„A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso.‟ (S.T.F. - RE nº 91.218, rel. Min. Djaci Falcão, julg. 10.11.81)
 
“Não se pode olvidar que o fundamento do sigilo médico é a proteção do paciente. Contudo, “data maxima venia” das doutas posições em sentido contrário, em situações de flagrante interesse público, evidenciada pertinência lógica entre o   requerimento de ficha ou prontuário clínico e os fatos motivadores da instauração de inquérito policial ou de ação penal, vedado ao médico ou hospital sonegar informações ao Poder Judiciário, devendo prevalecer a busca da verdade real.

Justamente esta a hipótese dos autos, que versam sobre apuração de eventual crime doloso contra a vida do paciente, falecido.
 
Neste contexto, plenamente justificada a necessidade do aludido prontuário, não se cogita de violação de segredo médico, ressaltando-se que à Justiça compete decidir as situações motivadoras, ou não, da quebra do sigilo profissional.
 
[…]
De notar-se que o prontuário requisitado diz respeito à vítima de uma morte violenta. Se houvesse providência a ser adotada contra o paciente, poderia existir alguma ponderação. Não se cuida, no entanto, de preservar qualquer sigilo em relação ao paciente.
 A decisão judicial, prestigiada em segunda instância, requisitando o prontuário médico, age com justa causa, na quebra de possível sigilo.” (grifos nossos).

A regra a ser seguida desde os primórdios da Medicina é aquela que dita que o médico assistente tem o dever de manter o sigilo profissional acerca dos fatos que tenha tomado conhecimento no seu mister. O exercício da Medicina fica impossibilitado sem a existência e a estrita observância do sigilo médico. Ele é a segurança do paciente.
 
O Art. 73 do CEM estabelece as situações em que essa regra pode ser quebrada: a justa causa, o dever legal ou o consentimento por escrito do paciente.
 
Em entendimento já manifestado pelo Conselho Federal de Medicina, por meio do PC CFM nº 06/03, a justa causa “se baseia na existência do estado de necessidade, quando dois interesses se confrontam, devendo um ser sacrificado em benefício do outro. No entanto, os limites são amplos e algumas vezes imprecisos”. Conforme referenciado na decisão do STJ citada acima, “„reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso.‟ (S.T.F. - RE nº 91.218, rel. Min. Djaci Falcão, julg. 10.11.81)” e “à Justiça compete decidir as situações motivadoras, ou não, da quebra do sigilo profissional” que possam caracterizar uma justa causa.

CONCLUSÃO
 
Diante do exposto, discordo do entendimento do nobre conselheiro do CRM/MG quando considera que todos os casos comportam a hipótese da justa causa para justificar a solicitação de cópias de prontuário, por autoridade policial, para exame de embriaguez indireto, haja vista que isso pode resultar em procedimento criminal contra o paciente.
 
O Art. 3º da Resolução CFM nº 1.605/00 dispõe que “na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal”.
 
Além disso, o art. 89 do CEM manifesta claramente a necessidade de ordem judicial para liberação de cópias do prontuário quando não autorizado pelo paciente.


                                                                                                                                           Este é o parecer, S.M.J.
 
                                                                                                                                    Brasília, 26 de fevereiro de 2016.
 
                                                                                                                                         JOSÉ ALBERTINO SOUZA
                                                                                                                                              Conselheiro relator


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