
PARECER CFM nº 1/16
INTERESSADO: J. C. B. R.
ASSUNTO: Exame de corpo de delito ad cautelam
RELATOR: Cons. José Albertino Souza
EMENTA: É recomendável que o médico legista, ao realizar exame de corpo de delito em que seja necessário desnudar o examinando, faça-o de preferência em presença de profissional qualificado legalmente incumbido de prepará-lo de modo adequado para o exame médico.
CONSULTA
O consulente solicita “algo que respalde o médico perito legista sobre o exame de integridade física em custodiadas sem presença de uma enfermeira ou assistente social no ato a fim de preservar o médico sobre manifestações maldosas”.
Relata que recusou fazer tal exame sem a presença de uma mulher e agora responde a um Processo Administrativo Disciplinar instaurado por um delegado.
Cita resolução do Cremerj sobre o assunto e norma do IML-AP, que diz:
Nos exames cautelares (aqueles que são solicitados logo que o indivíduo está sob a custódia da Polícia, para salvaguardar esta de acusações de espancamentos ou tortura), o periciado deve ser examinado minuciosamente e em sua totalidade, com atenção para determinados segmentos corporais como: couro cabeludo, face posterior das orelhas, face interna dos lábios, axilas, bolsa escrotal e períneo, regiões palmares e plantares. Para efetivar tal inspeção, é necessário que o periciado acautelado esteja desnudo, garantida a privacidade do recinto de exame, e recomenda-se que a remoção das vestes seja realizada por partes, preservando o pudor do periciado.
Por fim, relata que não achou uma resolução normativa que diga: “É necessário eticamente a presença de uma mulher na sala de exame”.
Anexa resposta do Cremerj ao consulente, por meio do Ofício GAB nº 0642/11, nos seguintes termos: “Quanto ao episódio relatado, ressaltamos que agiu bem ao assegurar o indispensável respeito à dignidade e ao pudor das pacientes, conforme destacam os artigos 23 e 28 do Código de Ética Médica”.
PARECER
O Código de Ética Médica estabelece que é vedado ao médico:
Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina. […]
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. […]
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.
Parágrafo único. Caso ocorram quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes confiados ao médico, este estará obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina. […]
Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais.
Também segundo o Código de Ética Médica, é direito do médico:
IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina.
O Decreto nº 94.406, de 8 de junho de 1987, que regulamenta a Lei 7.498/86, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, no seu art. 11 estabelece que:
Art. 11 – O Auxiliar de Enfermagem executa as atividades auxiliares, de nível médio atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe:
I – preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos; […]
V – integrar a equipe de saúde.
O Conselho Federal de Medicina, por meio do Parecer CFM nº 28/2002, manifestou o seguinte entendimento: “EMENTA – […] O médico legista tem o direito de recusar trabalhar em locais que sejam inadequados ou impróprios para o exercício da função”.
Nos casos suspeitos de tortura, o Protocolo de Istambul subsidia os examinadores forenses sobre como devem proceder para sua identificação e caracterização. Cita que: “a vítima, quando as condições objetivas favorecerem, tem o direito de escolher se deseja ser examinada por um profissional forense do sexo masculino ou feminino”.
CONCLUSÃO
A perícia médico-legal é um ato médico, e como tal deve ser realizada observando-se os princípios éticos contidos no Código de Ética Médica.
O médico legista deve exercer seu trabalho livre de constrangimentos ou coações pela autoridade de detenção. É seu dever respeitar a dignidade, o pudor e os demais direitos universais do ser humano, cabendo-lhe explicar a natureza do exame e como será procedido, principalmente nos exames de corpo de delito: lesão corporal ad cautelam, sexológico ou qualquer outro em que seja necessário desnudar o(a) examinando(a), devido a suas peculiaridades, resguardando-se de falsas interpretações.
O exame de corpo de delito ad cautelam é feito para verificação de lesão corporal em detentos (as) para saber se sua integridade física foi mantida durante seu transporte a caminho da delegacia, tribunal, ou em uma transferência de presídio. Não deve ser realizado na presença de pessoas que possam porventura ser responsáveis ou coniventes na hipótese de lesão corporal.
Sendo assim, em vista da peculiaridade desse exame médico pericial, entendo que é preferível a presença de profissional de saúde qualificado legalmente para preparar de modo adequado o(a) periciando(a) para o exame pelo médico legista, respeitando-se seu pudor e sua dignidade. Amplia-se essa necessidade também para os exames sexológicos ou qualquer outro em que seja necessário desnudar o(a) examinando(a).
Não havendo condições adequadas para seu desempenho ético-profissional, cabe ao médico comunicar à direção da instituição, se necessário à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 20 de janeiro de 2016.
JOSÉ ALBERTINO SOUZA
Conselheiro parecerista
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