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Na Mídia - A agonia de um hospital

O Globo / Rio

04/12/2017


Referência em alta complexidade, unidade da UFRJ tem 1.200 pessoas na fila por cirurgia

Com uma fila de 1.200 pacientes à espera de cirurgia, o Hospital Clementino Fraga Filho, da UFRJ, agoniza com a falta de recursos. Referência na formação de alunos e no atendimento de alta complexidade, a unidade está com parte dos serviços paralisada. Não há medicamentos nem material para tratar fraturas. A Defensoria Pública da União ameaça entrar com ação contra o Ministério da Educação e a universidade. Colado nas paredes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ, um papel dá o aviso aos pacientes: as marcações para clínica médica, cardiologia, geriatria, reumatologia, nefrologia, cirurgia torácica e ressonância magnética estão suspensas. Referência em pesquisa e casos de alta complexidade, a unidade, na Ilha do Fundão, também deixou de fazer o procedimento de implantação de um neuroestimulador — comparado a um marcapasso no cérebro — em pessoas com mal de Parkinson. O hospital de ensino era o único do SUS no Rio a realizar a delicada operação, que melhora o equilíbrio e os movimentos e reduz a rigidez muscular e os tremores. A falta de recursos, que vem se agravando de 2014 para cá, atinge todos os setores do HUCFF, que sofre hoje com a interrupção de diferentes tipos de atendimento, pela ausência de insumos e medicamentos e de manutenção de seus equipamentos. Em uma série de ofícios enviados à Defensoria Pública da União (DPU), chefes de divisão relatam a situação catastrófica do hospital, onde até luvas costumam faltar.

Com base na documentação, a defensoria chegou à conta de 1.200 pessoas à espera de cirurgia no hospital. Operações de hérnia, bariátricas e por vídeo, entre outras, não estão sendo feitas. O setor de ortopedia diz que operava, em anos passados, 1.200 pacientes ao ano. Agora, são apenas 400.

“O material para as cirurgias de traumatologia assim como todo material de osteossíntese é muito pouco. Atualmente, não estamos recebendo qualquer tipo de fratura, pois não temos todo o material, ficando muito prejudicado o programa de residência médica. Devemos lembrar que somos um hospital escola, e que desta forma fica muito deficiente o ensino/aprendizado dos médicos residentes e dos médicos estagiários”, informa a chefia do Serviço de Traumato-Ortopedia do Hospital do Fundão, como a unidade também é conhecida pelos cariocas.

Pelos seus corredores, circulam por dia cerca de mil pacientes. O número de pessoas que trabalham no prédio gira em torno em 3.500, incluindo 700 extraquadros (desses, de acordo com a denúncia, mais de 200 recebem menos de um salário mínimo) e 2.814 concursados, sendo 480 médicos. E o total de alunos da área de saúde é de 2.500. Diante do quadro caótico, o defensor Daniel Macedo diz que entrará com uma ação civil pública contra o Ministério da Educação e a UFRJ.

— Os hospitais universitários recebem pela tabela do SUS: quanto maior for a produção cirúrgica, mais são remunerados. Mas, para isso, é preciso medicamentos, organização e gestão qualificada. O Hospital do Fundão não tem nada disso — afirma o defensor, acrescentando: — Enquanto isso, pessoas estão morrendo por não contarem com atendimento adequado.

No diagnóstico da DPU, o Clementino Fraga Filho agoniza por falta de investimento do governo federal, ausência de concursos públicos e também por desavenças entre o ex-diretor geral Eduardo Côrtes e o reitor Roberto Leher, além de erros de administração. Após bater de frente com o reitor sobre o pagamento dos extraquadros com recursos do SUS, Côrtes acabou exonerado no começo de novembro. Dias depois, uma liminar na Justiça Federal determinou seu retorno ao cargo, mas que acabou derrubada.

AMBULATÓRIOS INSALUBRES

Alheios a toda essa discussão, pacientes precisam contar com a sorte e o empenho da equipe do hospital para conseguir tratamento. A aposentada Ângela Célia da Silva, de 67 anos, moradora de Nova Iguaçu e que operou em maio um câncer no pâncreas, já se deparou com a situação de não conseguir fazer a quimioterapia marcada:

— Tive que ir à ouvidoria reclamar. Ligaram e fiz a sessão na semana passada. Moro longe e tenho dificuldades para andar. Agora fico sempre na expectativa se vai ter ou não a sessão.

Na documentação reunida pela defensoria, a divisão médica destaca que, devido à falta de quimioterápicos e de insumos e às paralisações frequentes de aparelhos de diagnóstico por imagem, “os tratamentos oncológicos de diversos pacientes têm sido postergados e até interrompidos”. A falta de material como contrastes também vem causando a “paralisação recorrente dos exames de tomografia computadorizada, mamografia, ressonância magnética, radiografias e procedimentos hemodinâmicos”.

Na dermatologia, os ambulatórios são classificados como “insalubres” pela própria equipe e as cirurgias estão suspensas por vazamentos nas salas. Na quinta passada, apenas dois dos 16 elevadores do prédio, de 13 andares, estavam funcionando, de modo precário. Pela manhã, um paciente que ia para o centro cirúrgico aguardava o elevador enquanto o maqueiro esmurrava a porta e gritava, porque o botão para chamar o equipamento estava quebrado. A cena durou cerca de 15 minutos.

No 11° andar, um enfermaria inteira está desativada. O cenário é de paredes e pias quebradas, sujeira, fios expostos e 50 macas largadas em frente aos elevadores. O ex-diretor diz que há 19 leitos de CTI para serem usados, assim como 40 de enfermaria vazios. Para ativá-los, seriam necessários mais 280 profissionais. Hoje o hospital possui 262 leitos. No final dos anos 1990, eram 530. Apesar de todos os obstáculos, o hospital é referência em diversas especialidades. Nele, pacientes com Síndrome de Down, paralisia cerebral e autismo, encontram uma unidade cirúrgica. O local também é pioneiro no país, entre os hospitais públicos, em centro de diagnóstico de crises convulsivas cerebrais

— Os hospitais universitários são referência para doenças graves e de ponta, e são locais de ensino e pesquisa. A situação compromete o atendimento e a formação de profissionais — critica Nelson Nahon, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj).