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Clipping - Sem dinheiro para combater o Aedes

O Globo /

26/06/2017


Faperj congela verbas para equipe de pesquisadores após morte de coordenador

Após a morte de coordenador da equipe, Faperj congela verba para grupo de cientistas da UFRJ que estuda novos métodos de combate ao Aedes aegypti. Um grupo de cientistas da UFRJ que estuda novos métodos para o combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chicungunha, precisará devolver R$ 570 mil para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A instituição impôs o congelamento da verba, cujo pagamento estava atrasado, devido à morte do líder da equipe, o bioquímico Mário Alberto Cardoso da Silva Neto, o único autorizado a administrar os recursos.

Silva Neto venceu, a partir de 2013, cinco projetos científicos sobre o Aedes e a doença de Chagas. Segundo a previsão dos editais, deveria receber cerca de R$ 1,4 milhão. No entanto, os repasses sempre ocorreram com, no mínimo, seis meses de atraso. Apenas um dos trabalhos obteve todos os recursos necessários para sua conclusão. Outro, o “Flower Power” — a menina dos-olhos do cientista — não ganhou sequer um centavo. A verba que havia sido aprovada para sua realização, assim como para a finalização dos demais estudos, não será mais liberada pela fundação estadual devido aos cortes orçamentários impostos pelo governo.

Pouco depois da morte do cientista, em maio, sua mulher, a bioquímica Georgia Atella, iniciou uma força-tarefa para cancelar a compra de materiais realizada pelo marido — incluindo insumos encomendados em instituições estrangeiras. Se chegassem ao laboratório, ela seria obrigada a pagar do próprio bolso.

O estatuto da Faperj determina que, em caso de morte do pesquisador principal, a devolução da verba deve ser efetuada. Diversos professores e departamentos da UFRJ, inclusive a vice-reitoria, apelaram para que a fundação não congelasse a verba de Silva Neto, destinando-a para Georgia, chefe do Laboratório de Bioquímica de Lipídios e Lipoproteínas, um dos doze colaboradores envolvidos com os projetos do bioquímico.

Ao GLOBO, a fundação estadual afirmou que o vice-coordenador dos projetos poderia ganhar uma procuração para acessar as verbas necessárias para os projetos, caso houvesse um acordo entre todos os membros da equipe. Mas isso ainda não aconteceu.

— Infelizmente quando morrem os pesquisadores, morrem suas ideias. Não conseguiremos dar continuidade aos projetos — lamenta Georgia. — O Mario fez, em parceria com a Fiocruz, uma coleta de mosquitos Aedes em vários pontos da cidade. Sua intenção era compará-los ao Aedes que usamos no laboratório, que vêm de países do Primeiro Mundo e têm o DNA diferente. Esta iniciativa poderia nos ajudar a ver quais moléculas podem tornar o Aedes “carioca” mais resistente ao inseticida do que o outro, e de que forma conseguiríamos diminuir sua defesa aos produtos. Mas, para realizar este sequenciamento genético, precisamos de R$ 73 mil. Não vamos fazer. Não teremos estas respostas.

O projeto Flower Power teve a outorga — o instrumento para concessão de auxílio financeiro — estabelecido em novembro de 2015. No entanto, ainda não recebeu sua verba de R$ 175 mil. Segundo o bioquímico Rodrigo Nunes, pesquisador de pós-doutorado no laboratório de Silva Neto, a proposta do cientista era “impedir a primeira picada do Aedes”.

— Usamos a maria-sem-vergonha, uma das flores mais assediadas pelo Aedes, para estudar como ocorre a alimentação do mosquito — explica. — No início de sua vida, o mosquito chupa primeiro a seiva da planta e, depois, a fêmea começa a nos picar. O projeto consiste em modificar geneticamente a planta para que ela possa desenvolver uma proteína na seiva que impeça o inseto de buscar o sangue de um mamífero.

De acordo com Georgia, as plantas ornamentais que passariam por esta experiência seriam distribuídas em locais com maior circulação de pessoas, como jardins e condomínios. O grupo de pesquisadores já havia conseguido uma patente para produzir sua planta em larga escala.

A equipe de Silva Neto deve esperar a abertura de novos editais de programas de fomento à pesquisa — como o CNPq e a Finep, ambos do governo federal, além de outro da própria Faperj — para obter os recursos necessários para a conclusão dos projetos idealizados pelo bioquímico. No entanto, devido à crise econômica do país, as seleções podem ocorrer apenas no ano que vem.

— Se a Faperj tivesse pago todas as parcelas no momento certo, já teríamos recebido todo o dinheiro para as pesquisas. Mas sempre lidamos com atrasos — destaca Rodrigo Nunes. — A troca de coordenador de um projeto é comum nas agências federais, por isso perguntamos à Faperj se precisávamos nomear alguém para realizar transações no lugar do Mario, já que os repasses ocorrem por cheque nominal. E a resposta foi: “na realidade vocês não gastam. Todo o dinheiro é devolvido”. Sendo assim, tudo que foi planejado vai parar.

O cofre da equipe está quase zerado. Georgia venceu dois editais no ano passado que lhe dariam R$ 1 milhão para estudar enfermidades como doença de Chagas, malária, esquistossomose e leishmaniose, mas os recursos não foram transferidos até agora. Os laboratórios estão se sustentando através da taxa de bancada — uma verba criada pelas agências de fomento para manter o funcionamento básico de suas estruturas. Os repasses, porém, são irrisórios. O CNPq destina R$ 1 mil mensais; a Faperj, R$ 2,8 mil, insuficiente para procedimentos como manutenção e compra de equipamentos e insumos.

 

RETROCESSO DE ATÉ 20 ANOS

 

O orçamento da Faperj foi reduzido em mais de 30% este ano, em relação a janeiro de 2016. Em cifras, quer dizer que o pagamento de bolsas e o investimento em ciência e inovação, que era de cerca de R$ 430 milhões, não ultrapassará a marca de R$ 300 milhões este ano. A estimativa é que até 2 mil laboratórios podem ser fechados até dezembro — o que poderia causar um retrocesso de até 20 anos na produção científica do estado, segundo especialistas. Os centros de estudo fluminenses contribuem para 5% da pesquisa mundial sobre o vírus da zika.