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Bactéria da hanseníase pode inibir mecanismo de defesa das células

10/01/2017


Uma pesquisa liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) mostra que a bactéria Mycobacterium leprae, causadora da hanseníase, pode inibir um importante mecanismo da imunidade nos pacientes: a autofagia, que promove a destruição de microrganismos intracelulares nas células de defesa conhecidas como macrófagos. Segundo as análises, a supressão da autofagia está associada com os casos mais graves da doença, chamados de multibacilares, pois os pacientes apresentam grande número de lesões com alta carga bacteriana. Realizado em colaboração com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), em São Paulo, e Universidade de Cologne, na Alemanha, o trabalho foi publicado na revista científica ‘Plos Pathogens’, nesta quinta-feira, 05/01.

De acordo com a coordenadora do estudo, Roberta Olmo Pinheiro, pesquisadora do Laboratório de Hanseníase do IOC, além de ampliar o conhecimento sobre o agravo, o achado aponta para a possibilidade de novas terapias. “Nos últimos anos, pesquisas destacaram a importância da autofagia no controle da tuberculose e da leishmaniose, mas o papel do mecanismo na hanseníase ainda não tinha sido estabelecido. Nossos resultados sugerem que proteínas da via da autofagia poderiam ser alvos terapêuticos, uma vez que a ativação desse mecanismo parece contribuir para o controle do agravo”, afirma a farmacêutica, acrescentando que o tratamento atual da hanseníase, baseado na combinação de antimicrobianos, é eficaz. Assim, os novos fármacos teriam função complementar.

Investigação detalhada

Pela sua relevância, a autofagia foi destacada no Prêmio Nobel de Medicina em 2016. O cientista japonês Yoshinori Ohsumi recebeu a láurea por descobrir os genes envolvidos na regulação do mecanismo. O processo ocorre em todas as células com o objetivo de degradar estruturas, tanto para obtenção de nutrientes como para eliminação de moléculas. Nos macrófagos, que são células de defesa, a autofagia tem características particulares, participando da destruição de microrganismos que se alojam no interior das células. 

Para investigar o papel da autofagia na hanseníase, os pesquisadores analisaram amostras de lesões de mais de 50 pacientes atendidos no Ambulatório Souza Araújo, primeiro centro brasileiro especializado na doença a atuar alinhado a normas internacionais de qualidade em assistência. Eles foram classificados em dois extremos da apresentação dos sintomas: os multibacilares, que apresentam diversas lesões com alta carga bacteriana, e os paucibacilares, que têm poucas lesões com quantidade reduzida de microrganismos. Utilizando diferentes métodos de investigação, os cientistas observaram a presença de vesículas características da autofagia e de proteínas consideradas marcadores do processo nas células. A expressão de genes envolvidos na regulação do mecanismo também foi avaliada. Todos os dados apontaram para inibição da autofagia nos pacientes multibacilares e ativação nos indivíduos paucibacilares.
 
À esquerda, em ensaio de infecção experimental, observam-se as bactérias mortas (em vermelho) no interior de vesículas de autofagia (em verde), o que não ocorre com os bacilos vivos (em azul escuro). Em ciano, o núcleo da célula. À direita, a expressão da proteína autofágica LC3 (em verde) apresenta-se aumentada nas células da lesão de pele de um paciente paucibacilar (no alto), mas não em um caso multibacilar (abaixo). Os núcleos das células estão em azul escuro

Paralelamente, experimentos em cultura de células indicaram que o M. leprae atua para suprimir a autofagia. Nos ensaios, os pesquisadores verificaram que a infecção de macrófagos por bacilos mortos estimula o mecanismo. No entanto, quando as mesmas células são infectadas pelos microrganismos vivos, a autofagia não é ativada. Considerando os fatores que podem influenciar na autofagia, os cientistas investigaram os efeitos da molécula interferon-gama sobre o processo. Produzida durante a resposta imune, essa substância atua como sinalizador entre as células, induzindo a autofagia, entre outros mecanismos. Nos pacientes paucibacilares, os níveis de interferon-gama aumentam consideravelmente na resposta à infecção pelo M. leprae, o que não ocorre nos indivíduos multibacilares. Os testes mostraram que a inibição da autofagia nos macrófagos de pacientes multibacilares pode ser revertida pela ação do interferon-gama.

“Os resultados nos levaram a formular uma hipótese: como estratégia para escapar do sistema imune, o M. leprae é capaz de inibir a via da autofagia. Nos pacientes paucibacilares, a secreção de interferon-gama consegue contrabalançar a inibição, o que favorece o controle da infecção. Já nos pacientes multibacilares, que apresentam um perfil diferente de resposta imune, isso não ocorre e a infecção avança”, afirma Bruno Jorge de Andrade Silva, doutorando do Programa de Biologia Parasitária do IOC e autor do estudo.

Papel da imunidade

Ao contrário do que ocorre em muitos agravos, a existência de quadros leves e graves de hanseníase não está ligada a uma evolução progressiva dos casos. Alguns pacientes desenvolvem a forma multibacilar logo após a infecção pelo M. leprae, enquanto outros podem permanecer por anos com perfil paucibacilar. Entre os dois extremos, há indivíduos com quadros intermediários, chamados de ‘borderline’ – o que significa fronteira, em tradução literal do inglês. Além de trazer consequências para a saúde, a variedade de apresentações impacta na transmissão da hanseníase. Os pacientes com baixa carga de parasitos não propagam o agravo. Já aqueles com alta carga podem transmitir a infecção por meio das secreções nasais e da saliva, caso não estejam em tratamento.

“Ainda não existem marcadores que possam indicar previamente a propensão para uma das formas da doença, mas alguns fatores associados aos diferentes quadros são conhecidos. Além de aspectos genéticos, as diferenças no perfil de imunidade dos pacientes são importantes para a evolução da hanseníase. A pesquisa mostra que a autofagia desempenha um papel significativo nesse processo”, explica Mayara Garcia de Mattos Barbosa, também doutoranda da Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC e coautora da pesquisa.

Perspectivas futuras

Além de investigar os casos multibacilares e paucibacilares, o estudo analisou amostras de pacientes que desenvolveram uma complicação grave da hanseníase conhecida como reação reversa. Associado principalmente aos quadros intermediários ou multibacilares, esse tipo de episódio pode ocorrer antes, durante ou após o fim do tratamento. Nesses casos, os pacientes apresentam uma resposta imunológica exacerbada, com forte inflamação, que acaba por provocar danos ao organismo. A pesquisa identificou que a inibição da autofagia é revertida durante a reação reversa, que é marcada pela elevação dos níveis de interferon-gama. “Nas próximas etapas, vamos aprofundar a investigação sobre o papel da autofagia na reação reversa e verificar se interferir nessa via pode ser um caminho para prevenir esse tipo de episódio”, conta Roberta.

Sobre a doença

O aparecimento de manchas pardas ou rosadas na pele costuma ser o primeiro sintoma da hanseníase. Além de redução da sensibilidade, as manchas apresentam ausência de pelos e de transpiração. Uma vez que o M. leprae se aloja inicialmente na pele e nos nervos periféricos dos pacientes, a doença também pode causar dormência e perda de tônus muscular na área afetada. Algumas pessoas também apresentam caroços ou inchaços nas partes mais frias do corpo, como orelhas, mãos e cotovelos. Se não tratada, a hanseníase pode levar a incapacidades físicas.

A transmissão do agravo não ocorre pelo contato com as lesões, mas sim por meio de secreções nasais e saliva, estando ligada ao contato próximo com pessoas doentes que ainda não iniciaram o tratamento. Oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a terapia é baseada em medicamentos antimicrobianos, que combatem a bactéria. A transmissão da doença é interrompida logo após as primeiras doses da medicação. Porém, o tratamento completo dura de seis meses a um ano e deve ser seguido até o fim.

Fonte: Site da Fiocruz