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Na Mídia - Internação compulsória no Rio: defensor questiona legalidade e conselheiro do Cremerj defende projeto

G1 /

06/08/2019


Psiquiatra diz que projeto é válido "desde que seja para tratar casos graves de dependência". Defensor Público aponta ilegalidades no decreto. prefeitura tem até sexta-feira (9) para definir como vai atuar.

O prefeito Marcelo Crivella assinou na última segunda-feira (5) o decreto 46.314, que detalha as medidas de atendimento para usuários de drogas em situação de rua e que, em alguns casos, prevê a internação compulsória. O decreto gerou debates: enquanto um defensor público ouvido pelo G1 questiona a legalidade dele, um psiquiatra conselheiro do Cremerj considera a iniciativa válida para casos graves de dependência química.

A regulamentação diz que os profissionais de saúde e as famílias podem considerar que o cidadão não possui condição de discernir sobre a própria vida.

A medida deu início a um debate sobre a eficiência e a legalidade do projeto. Na opinião do defensor público Pedro Gonzales, que atua no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o decreto é ilegal.

"A gente identificou algumas ilegalidades. A que mais preocupa é a condução obrigatória. A gente percebe uma certa confusão. O decreto coloca no mesmo bolo dependentes e pessoas com transtorno mental. A gente sabe que essa é uma população heterogenia. Existe um número pequeno de dependentes químicos. É uma generalização inadequada e um certo preconceito", comentou Gonzales.

Segundo o decreto, a solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família ou pelo responsável legal. Contudo, não havendo nenhum dos dois, o pedido pode ser feito por um servidor da área da saúde.

Para o defensor público, obrigar uma pessoa a sair de um local público sem que ela tenha cometido um crime e impor qualquer tipo de tratamento médico viola os direitos à liberdade de locomoção e à liberdade ambulatorial do paciente.

"É quase uma condução coercitiva. É ilegal e inconstitucional. Vai contra o que diz a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)", explicou.

Ainda segundo o defensor, o órgão estuda entrar com medidas jurídicas contra o decreto.

Perguntas e respostas sobre o decreto

Dois homens morrem esfaqueados por morador de rua na Lagoa, Zona Sul do Rio

A nova regulamentação diz que a Prefeitura poderá obrigar a internação de moradores de rua que sejam dependentes de drogas, lícitas ou ilícitas, e que apresentem falta de controle físico e psíquico em relação ao seu uso e os efeitos.

Na opinião do médico psiquiatra Guilherme Toledo, conselheiro do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), o projeto é válido "desde que seja para tratar casos graves de dependência".

"É valido só para o atendimento do paciente dependente químico grave. Para que ele se afaste do uso e inicie o tratamento internado compulsoriamente, através de uma recuperação desse quadro agudo de dependência química e de risco de vida. É uma proteção ao doente, mas só se aplica nesses casos de doença grave, com o paciente em surto, fora de si e com perda da capacidade de julgamento", analisou Toledo.

Mesmo a favor do projeto, o psiquiatra acredita que a medida deve ser aplicada com critério. Para Toledo, a população em situação de rua deve ser abordada sempre por uma equipe multidisciplinar, com a presença de médicos psiquiatras, enfermeiros e assistentes sociais.

Guilherme Toledo acredita que esse projeto não deve ter como objetivo diminuir o número de moradores de rua e sim obedecer aos critérios clínicos, com a intenção de tratar os problemas de saúde dos dependentes.

"Tem que ter cuidado com essa avaliação. Não é para tirar o pessoal de rua através dessa internação compulsória, porque essa não é a função da lei. A função tem que obedecer às questões médicas e não os fatores sociais. O morador de rua que não tiver problemas graves de dependência química não deve ser internado", disse Toledo.

O decreto municipal diz que a internação compulsória deve durar apenas o tempo necessário à desintoxicação, mas limitada pelo prazo máximo de 90 dias. O fim desse período ou do tratamento deve ser determinado por um médico.

Especialista no tratamento de dependentes químicos, Toledo confirmou que esse prazo de 90 dias é adequado para a que o dependente seja desintoxicado. Porém, como acontece com qualquer outro tipo de dependência, o paciente deve ter um acompanhamento frequente para evitar recaídas.

Na opinião do psiquiatra, esse acompanhamento deve ser feito pela rede básica de saúde, com a oferta de remédios e de tratamento adequado, seja para o tratamento de dependentes como também para pacientes portadores de transtornos mentais.

"A Prefeitura tem um sistema de saúde mental, tem grupos que trabalham em emergência e em locais adequados para avaliação e tratamento. Se eles estiverem disponíveis eu acho que tem condições sim de fazer um bom trabalho".

Apesar de aprovar a estratégia, Toledo também levanta a questão dos cortes de verbas na saúde básica como um obstáculo para a Prefeitura.

"É importante verificar essa questão financeira. É preciso melhorar a rede básica de atendimentos de saúde mental. Se isso não acontecer os pacientes vão ficar sem remédio e sem tratamento. Se a rede básica não funcionar não vai dar apoio para evitar as recaídas dos pacientes e vai aumentar a população de rua sem atendimento", disse o psiquiatra.

As secretarias de Assistência Social e Direitos Humanos (Smasdh) e de Saúde (SMS) ainda não informaram como vão atuar na abordagem dos moradores de rua, quantos profissionais serão destacados para esse serviço e nem mesmo qual será a área de atuação. Não há também um levantamento sobre a quantidade de pessoas em situação de rua no Rio.

Conforme diz o decreto, o poder público municipal tem até sexta-feira (9) para definir essa estratégia.

Segundo a regulamentação, a internação involuntária só poderá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais.

Já para o acolhimento voluntário de pessoas em situação de rua, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (Smasdh), informou que a Prefeitura possui 63 abrigos, sendo 39 públicos e 24 conveniados. No total são 2.335 vagas. A ocupação média mensal dessas unidades em abril foi de 3.075 usuários.

O número maior de usuários em comparação com o total de vagas se explica pelo fato das pessoas usarem as unidades em momentos distintos, pois se trata de uma população itinerante.

"Existem diversos motivos para que as pessoas acabem morando nas ruas, até mesmo por culpa do próprio Estado. Falta de moradia, de emprego, de saúde e etc. É claro que tem pessoas com situação de rua que acabam na rua e tem esse sesses problemas com drogas e surtos, mas é claro que não são a maioria", disse o defensor público Pedro Gonzales.