Na Mídia - Resolução do Cremerj causa revolta em defensores do parto humanizado
O Globo / Sociedade
11/02/2019
Texto contraria lei estadual e proíbe médicos de assinar planos que orientem sobre escolhas da mãe; para conselheiro do órgão, documentos são feitos ‘por leigos cheios de maluquices’
Uma resolução do Conselho
Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj)
publicada na última quarta-feira está criando polêmica entre defensores do
parto humanizado. O texto proíbe que médicos que atuem no estado assinem
“documentos que restrinjam ou impeçam sua atuação profissional, em especial nos
casos de potencial desfecho desfavorável materno e/ou fetal”, numa referência
indireta aos conhecidos “planos de parto”, em que as mulheres expressam suas
preferências com relação ao procedimento, direito previsto em lei estadual em
vigor desde 2016. De acordo com o Cremerj,
a resolução 293/ 2019nãoproíbeos“planosdeparto”,eportanto não contraria a lei
7.191/2016, que dispõe sobre o direito ao parto humanizado na rede pública de
saúde do Rio de Janeiro. Seu objetivo, afirma Raphael Câmara, conselheiro do Cremerj e relator da resolução, é
proteger a vida de mães e bebês, ao mesmo tempo em que salvaguarda os médicos
de serem constrangidos a assinar “planos de parto irresponsáveis”, elaborados
por pessoas sem qualificação, sob ameaça de ação judicial se não forem
cumpridos. —Comaresolução,omédicopodedizerque não vai assinar esses planos
porque não está permitido pelo conselho —resume. —Não está sendo proibido nada
que seja ponderado e responsável, que é a maioria das situações. Adotamos a
resolução por causa de uma minoria que provoca muitos problemas nos plantões de
maternidades públicas e privadas, colocando a saúde da mulher e da criança em
risco, com planos propostos por pessoas leigas cheias de maluquices. Ativistas
vêm denunciando direto na Justiça quando os médicos não assinam ou cumprem
esses planos irresponsáveis, chamando isso de “violência obstétrica”. Ainda
segundo Câmara, foi diante desse tipo de ameaça que o Cremerj se viu obrigado a agir
com a edição da medida:
—A resolução é redundante. Tudo o que está ali tem no
Código de Ética Médica. Só fizemos isso para deixar claro para o médico que ele
não deve aderir a documentos que coloquem em risco a vida do paciente, casos em
que é obrigado a agir independente do desejo do paciente. Não é essa, porém, a
interpretação dos defensores do parto humanizado. Para eles, a resolução pode
restringir a expressão, e principalmente
o cumprimento, da vontade das parturientes, bem como abrir
uma brecha para infringir a lei estadual sobre o assunto.
O impacto maior da resolução vai ser sobre a mulher, que
vai ver cerceado seu direito de optar por um parto mais respeitoso —considera
Flavia Penedo, que atua como doula, assistente de parto que não tem
necessariamente uma formação médica. — O plano nada mais é que um direito da
mulher de fazer escolhas informadas sobre seu parto e as intervenções que podem
ser usadas no procedimento, algumas delas agressivas e praticadas
indiscriminadamente e de forma rotineira, devido ao viés intervencionista da
formação médica.
—
MANOBRA NÃO RECOMENDADA
Penedo cita como exemplos disso a episiotomia, corte na
região de períneo (área muscular entre a vagina e o ânus) para ampliar o canal
de parto,eamanobradeKristeller,emqueomédico ou um assistente faz pressão na
parte superior do útero para “empurrar” o bebê para fora — que, apesar de
proibida pela lei estadual e não recomendada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), ainda é praticada por alguns profissionais —, além da administração do
hormônio ocitocina para estimular contrações. —Essas intervenções têm
justificativa em alguns casos e momentos, mas infelizmente elas são feitas de
forma rotineira —conta. —Defendemos que, se necessárias, elas devem ser
consentidas pela mulher de maneira informada sobre sua finalidade, riscos e
consequências. Não é proibir o médico de realizá-las. Nenhuma mulher em sã
consciência vai impedir que o médicoatueemcasoderiscoparaelaouobebê. Opinião
similar à da psicóloga, doula e consultora de amamentação Patrícia Ramos, para
quem a resolução do Cremerj é
“absurda”. — Essa resolução não tem motivo de ser, pois o “plano de parto”
consiste de informações que são direitos de escolha da mulher como gestante e
responsável —diz. —Em nenhum momento um plano de parto proíbe o médico de fazer
qualquer coisa que seja para salvar a vida da mãe ou do bebê. Só tem medo quem
não age certo. Até para o médico se resguardar é bom ele assinar. O Cremerj parece estar querendo
ficar acima da lei.