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Na Mídia - Cremerj abre sindicância para apurar falta de médicos em Bonsucesso

O Globo /

21/06/2017


Cremerj abre sindicância para apurar falta de médicos em Bonsucesso

Responsável por setor de emergência denuncia diretora de hospital por crime contra vida

A crise no Hospital Federal de Bonsucesso, e que já provocou, nos últimos meses, sucessivas restrições no atendimento do setor de emergência — instalado em contêineres desde 2011—, ganhou ontem um novo capítulo. O médico Júlio Noronha, chefe do setor por onde chegam os pacientes em estado mais grave, denunciou seus superiores ao Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) por crimes contra a vida. Ele responsabilizou a diretora-geral da unidade, Lucia Bensiman da Silva, e o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde no Rio, Marcus Vinícius Fernandes Dias, pela falta de médicos em quantidade suficiente para garantir atendimento aos 60 pacientes internados na emergência. Segundo Noronha, desde o início deste mês, a situação é crítica, principalmente nos fins de semana, quando não há clínicos de plantão, apenas pediatras e um cirurgião, que não atendem a todos os casos. Às segundas-feiras, o caos é parecido, mas a escala conta com um intensivista. O Cremerj instaurou sindicância para apurar o caso.

Segundo Noronha, a solução tem sido improvisar. Nos dias sem médicos em quantidade adequada — o Cremerj estabelece que uma emergência como a do Hospital de Bonsucesso deveria ter no mínimo 28 profissionais por dia —, os enfermeiros se limitam a repetir as medicações prescritas na sexta-feira anterior.

— Em casos de intercorrências, temos que contar com o clínico do plantão geral, que atende emergências em todas as enfermarias do hospital, com cerca de 300 pacientes. Mas não há plantonistas todos os dias — afirma Noronha.

Um dos casos mais dramáticos provocado pela falta de plantonistas ocorreu no início do mês. Foi num dia sem nenhum médico na emergência e no plantão geral que a paciente Maria Elizete Vanderley da Silva, de 77 anos, morreu, sem socorro, na sala vermelha, em que ficam os casos mais graves. O retrato do descaso está impresso no livro de enfermagem. Num registro feito à mão, consta que no dia 5, à 1h40m, o monitor ligado à paciente apresentou “traçado assistolia”. Isso significa que a linha que registra os batimentos cardíacos estava contínua, indicando uma parada cardiorrespiratória. Como não havia médico no setor (nem mesmo o pediatra ou o cirurgião), o profissional de enfermagem escreveu que seu supervisor tentaria localizar um profissional para atender Maria Elizete. O problema é que não haveria um médico a quem recorrer naquele momento.

O plantão do único clínico disponível, que atendia nas enfermarias, em outro edifício, já havia terminado. Ele deixou o hospital às 19h, seis horas antes de a paciente da emergência precisar de socorro. Somente na manhã seguinte, um médico, que chegava para dar plantão no CTI, atendeu ao chamado. Não havia mais o que fazer. Ele registrou às 9h o óbito de Maria Elizete.

— Às 19h, ao fim do seu plantão, o profissional foi embora. Não há rendição domingo à noite. À 1h40m de segunda-feira, a paciente sofreu parada cardiorrespiratória. Sem médico na emergência nem no plantão geral, Maria Elizete morreu diante de profissionais de enfermagem que, por lei, não podem ministrar medicação por conta própria — disse um funcionário que não quis ser identificado.

A família não se conforma com o desfecho da internação, e esconde do marido da paciente o que realmente aconteceu.

— Minha sogra foi internada na manhã do dia 4, um domingo, com suspeita de cirrose, depois que brigamos na porta da emergência. Diziam que não podiam atendê-la por não haver médicos. Não queremos nem que meu sogro saiba que ela morreu sem socorro. Prefiro que ele acredite que foi feito tudo que era possível, como deveria realmente acontecer num hospital — desabafou o motorista Sérgio Henrique Dias, genro de Maria Elizete, que morava em Duque de Caxias e era dona de uma loja de aluguel de roupas no Centro do município.

ESCALA É REORGANIZADA APÓS DENÚNCIA

A presidência do Cremerj disse, em nota, que, a despeito de todas as denúncias de irregularidades, o Ministério da Saúde “insiste em declarar que a unidade (Bonsucesso) funciona normalmente”. Segundo ele, “o que vemos hoje no HFB é um total descaso das autoridades com a população". Ele lamentou que “centenas de pessoas estão correndo risco de vida se a emergência permanecer fechada e sem condições de atendimento".

Hoje, depois da denúncia de Noronha, a diretora do hospital determinou a reorganização da escala de plantão. Agora, segundo o hospital, cada dia tem pelo menos quatro médicos. O Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde informou que solicitou a exibição da escala dos 94 médicos lotados na emergência e afirmou que o hospital dispõe de 892 médicos.

— Tivemos uma reunião com a direção do hospital e verificamos que são 26 clínicos na emergência. Cerca de 60% dos atendimentos são clínicos. Tirando os que estão de férias e licença, restam 22 — destaca Noronha.

A direção do HFB informou “não ter determinado suspensão de quaisquer serviços na unidade” e não se manifestou sobre o caso de Maria Elizete. A diretora da unidade não se pronunciou.