Cirurgia cardíaca pediátrica do Rio passa por crise
04/10/2016
O CREMERJ e os hospitais com cirurgia cardíaca pediátrica do Rio de Janeiro estão preparando um mapeamento sobre as deficiências e problemas do setor para ser entregue ao Ministério Público e à Defensoria Pública. A intenção é que a denúncia motive ações que possam promover medidas necessárias à garantia e manutenção dos serviços, que passam por uma grave crise. O documento começou a ser elaborado nesta quinta-feira, 29, em reunião no Conselho.
“Temos recebido muitas denúncias sobre os problemas que as famílias que possuem crianças cardiopatas encontram para conseguir operá-las. Queremos saber dos colegas que atuam no setor quais são as principais deficiências para organizar as informações. Levaremos para as autoridades competentes em busca de soluções para os problemas”, declarou o diretor do CREMERJ, Serafim Borges na abertura do encontro.
Devido à falta de financiamento municipal, estadual e federal, as unidades relataram que reduziram drasticamente o número de cirurgias. Além da carência de verba para compra de materiais e insumos, os representantes das unidades informaram o déficit de recursos humanos, as falhas do sistema de regulação de pacientes, falta de leitos de UTI e os entraves ocasionados pela judicialização.
No Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), o agravante tem sido a falta de recursos humanos, de acordo com a diretora técnica, Maria Eulália Thebit Pffeifer. Muitos profissionais teriam pedido demissão devido às baixas remunerações e aos atrasos nos pagamentos. Ela também relatou a falta de insumos, medicamentos e equipamentos. Por conta dessas questões, a unidade só tem feito de uma a duas cirurgias por semana.
Outra unidade que reduziu o número de operações cardíacas pediátricas foi a Perinatal. De acordo com a chefe do serviço, Sandra Pereira, o hospital operava, aproximadamente, 30 crianças por mês, por meio de Parceria Público Privada (PPP) com o governo do Estado. Mas com os atrasos nos repasses, as intervenções não têm passado de seis.
“Desde 2015, estamos com problemas para receber pelos procedimentos, impactando diretamente no atendimento. Isso nos preocupa muito porque esse tipo de intervenção não pode demorar a ser feita. Crianças que precisam ser operadas nos primeiros quatro dias de vida estão esperando há dois meses, ocupando leito de UTI neonatal e agravando suas enfermidades. Somente na regulação do Estado temos mais de 135 crianças na fila e, no momento, 15 estão internadas”, explicou.
A falta de leitos para as crianças cardiopatas foi levantada pela representante do Instituto Nacional Fernandes Figueira (IFF), Marta de Alencar Rosa. Ela explicou que, assim como acontecem em toda a rede, os bebês diagnosticados na unidade recebem o primeiro atendimento, mas acabam passando muito tempo na fila da regulação aguardando pela cirurgia. Tempo que, às vezes, é fatal. Já no Hospital Federal Cardoso Fontes (HFCF), o grande número de pacientes crônicos ocupam as vagas de CTI por longos períodos. Das seis disponibilizadas, quatro estão ocupadas por crianças internadas há anos.
No Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), há estrutura para atendimento de alta complexidade, mas faltam cirurgiões cardíacos especializados em crianças. O Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) possui o especialista, mas a unidade não tem realizados as operações por conta da falta de leitos.
Outro ponto de entrave para a realização das cirurgias, segundo os presentes, é a judicialização. Os especialistas apontaram que alguns casos menos graves são priorizados por conta de mandatos judiciais. Samanta de Oliveira, que representou a Câmara Administrativa de Resolução de Conflitos (CASC) da Defensoria Pública do Estado, salientou que é preciso haver um diálogo maior entre as três esferas de governos para que a regulação funcione de fato e a judicialização seja cada vez menos necessária.
“Quanto mais difícil o acesso à vaga, mais a Justiça será acionada. E isso tem ficado muito claro quando checamos o número de solicitações de leitos de UTI nos últimos anos. Para mudar esse quadro é preciso que o Estado, os municípios e o Governo Federal conversem para que a regulação de vagas funcione de forma integrada. Sem um entendimento e vontade de todos, essa realidade não irá mudar”, declarou.
Os diretores Serafim Borges e Nelson Nahon encerraram a reunião informando que um documento com o perfil de todas as unidades e suas principais deficiências será entregue ao Ministério Público e à Defensoria Pública.
“Esse quadro geral da cirurgia cardíaca pediátrica é lamentável. Muitas vidas poderiam ser salvas e outras poupadas de sequelas se os serviços pudessem funcionar de forma plena. Vamos trabalhar intensamente para que essa realidade mude”, enfatizou Nahon.
Também participaram da reunião os conselheiros Ana Maria Correia Cabral, Luís Fernando Moraes, Erika Reis e Aloísio Tibiriçá.