Clipping - DOENÇA NÃO IMPEDE ENSINO
O Globo / Especial
04/02/2019
Aulas em hospitais permitem que crianças e adolescentes continuem aprendizado e interajam com outros pacientes
As 42 sessões de quimioterapia durante quatro anos de idas
e vindas no Instituto Nacional de Câncer (Inca) obrigaram Amanda Baptista a
interromper os estudos. O tumor no rim esquerdo, descoberto depois que apareceu
sangue em sua urina, aos 5 anos, resultou na retirada do órgão e em
quimioterapia. Após seis meses, outro câncer encontrado no pulmão selou a
separação dos colegas e professores da escola que frequentava em Nova Iguaçu,
mas Amanda continuou a estudar graças às classes hospitalares, pelas quais é
grata até hoje. Aos 23 anos, ela está no fim do curso de Farmácia.
Com períodos de internação que podiam ultrapassar uma
semana, ela foi uma das crianças que receberam aulas especiais no leito, de
forma a não perder o ritmo escolar. De acordo com o artigo 214 da Constituição,
o acesso à educação deve ser universalizado. Mais recentemente, a lei nº 13.716
de 2018 exige o ensino hospitalar e domiciliar para alunos com problemas de
saúde. As classes são uma aliada na recuperação do câncer — que foi a segunda
principal causa de mortalidade infantojuvenil entre 2009 e 2015, segundo o
Sistema de Informações sobre Mortalidade de 2018.
Segundo dados de 2017 do MEC, mais de 20 mil alunos recebem
aulas em hospitais no país, com o estado do Rio de Janeiro sendo o quarto com
maior quantidade de matrículas — 97 para cada 100 mil estudantes. O serviço
existe em diversas unidades na cidade, como o Hospital de Bonsucesso, o
Hospital Jesus e o Hemorio. As aulas variam na duração e no conteúdo, o que
depende dos alunos. Elas podem abordar desde disciplinas mais
institucionalizadas, como português e matemática, até atividades que aplicam
esses conceitos de forma mais lúdica e prezem a socialização entre os alunos. A
universitária elogia as práticas de pintura e leitura e a interação com outros
pacientes:
—Tive uma ótima professora, e as brincadeiras com as outras
crianças faziam eu me sentir estimulada, já que ficávamos muito isoladas de
tudo. Eu não sabia ler na época, mas aprendi por conta dos materiais que nos
passavam e eu levava para casa.
Depois dessa experiência, Amanda escolheu o curso de
Farmácia com um motivo claro: quer se tornar pesquisadora, justamente para
contribuir nos tratamentos contra o câncer.
—Devo muito às classes que tive para estar aqui hoje,
estudando, e quero retribuir de alguma forma —completa.
PARCERIAS COM AS ESCOLAS
Professora há 33 anos, Cláudia Pires dá aulas no Hemorio há
nove, para crianças e adolescentes. As classes, que podem ser individuais ou
coletivas, dependem primeiramente da disponibilidade e da vontade dos alunos.
Por conta da agressividade dos tratamentos, não são todos os pacientes que
podem ou se sentem dispostos a participar. Isso não abala a professora, que
prefere insistir sempre que possível, visto o resultado positivo.
Para Cláudia, as escolas em que os pacientes estão
matriculados são fundamentais para as classes hospitalares funcionarem, uma vez
que a troca de materiais e o planejamento de aulas entre a instituição e os
profissionais de Educação na unidade de saúde dão o tom do ensino. Dessa forma,
é possível abordar os conteúdos programáticos já pensados pela escola de origem
especialmente para o aluno que enfrenta o câncer, além da aplicação de provas.
Muitas vezes, conta, ela inclusive atua de escrivã, anotando as respostas
ditadas pelos alunos que não estão em condições de escrever.
Apesar da situação especial dos alunos, a professora
garante que não faz distinção:
— Por mais que eu esteja em um hospital, dando aulas para
crianças com câncer, ainda assim são pessoas normais. Não posso ficar presa
pelo diagnóstico, não posso me perder nesse percurso. A grande maioria quer
muito ter aula e sente bastante falta da escola, por isso estamos lá —diz a
professora.
Renata Castro, mãe de Brenda, afirma que as classes
hospitalares, além de ajudarem a filha na recuperação de um neuroblastoma
identificado pouco depois que completou 1 ano de idade, também foram
fundamentais para a interação com outras crianças:
—O tratamento da Brenda durou até depois dos 3 anos de
idade, e, mesmo com crianças assim muito novas, já existe esse serviço. Isso
ajudou para que ela não se sentisse sozinha, já que interagia com outras
crianças, e assim torcemos para que as classes sejam valorizadas — diz Renata,
cuja filha tem hoje 11 anos.