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Clipping - PRECISAMOS FALAR SOBRE A DPP

Extra / Em revista

13/01/2019


DE CADA QUATRO MAES BRASTLETRAS, UMA SOFRECOM A DEPRESSAO POS-PARTO, MUITAS VIEZES CALADA PELA CULPA E PELO MEDO DE JULGAMENTOS MAS LANCAR LUZ SOBRE O ASSUNTO PODE FAZER A DIFERENCA NA BUSCA PRECOCE POR AJUDA 

“Minha filha nasceu. Eu não desejava aquela criança, mas desejava. Não a amava, mas amava. Queria cuidar, mas não queria. Uma sensação horrível!” “Voltei da maternidade e só conseguia pensar que minha vida acabara. Minha liberdade, meu sono, tudo o que eu mais gostava não faria mais.” “Eu não a reconhecia como filha, queria que ela sumisse.”

Os depoimentos acima pertencem a três mulheres que integram o grupo de Facebook Relatos da Depressão PósParto. É ali, no espaço virtual, que muitas delas encontram o conforto que o mundo offline nem sempre oferece.

Se você se sentiu desconfortável ao ouvir uma mãe relatar que pensou em fazer mal ao rejeitou o próprio filho, saiba que, para essa mulher, é ainda mais difícil dividir esse sentimento com quem quer que seja. Vem o medo do julgamento, de ser considerada uma mãe ruim ou fraca. Vem também a culpa, claro. Como assim, não está feliz com um bebê lindo e saudável nos braços? Até que essas mulheres percebam que estão doentes, já sofreram muito sozinhas, aprenderam a esconder os sintomas e a conviver com a angústia de não serem as mães que gostariam — e ainda colocam o bebê em risco.

 

MAIS COMUM DO QUE PARECE

A Depressão Pós-Parto (DPP), como a maioria dos transtornos psiquiátricos, ainda carrega o estigma de tabu, o que causa preconceitos e emperra a busca por ajuda. Embora pouco falada, está longe de ser incomum: mais de 25% das mães brasileiras têm sinais de DPP, como apontou a pesquisa sobre fatores associados à depressão pós-parto no Brasil, feita com cerca de 24 mil mulheres de todo o país e conduzida por Mariza Theme, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz (RJ). “Qualquer mulher pode desenvolver a doença, mas a prevalência é maior em quem tem antecedentes de transtorno mental (incluindo depressão), vulnerabilidade socioeconômica, gravidez indesejada ou histórico de traumas”, afirma. E quem já teve DPP em uma gestação está mais suscetível na próxima.

Com a pastora Elisa Evans, 30, foi uma combinação de circunstâncias: histórico de tristeza repentina e sem explicação, parto traumático e mudança de país. A gestação de Dylan foi desejada, mas os problemas começaram no parto, quando, por medo, Elisa dispensou a anestesia peridural. “Eu não conseguia fazer força por causa das dores que sentia e o médico teve de retirar Dylan com fórceps, que me causou uma laceração de 5 cm no reto.” Além de ser suturada por duas horas sem anestesia, Elisa ficou cinco dias internada alimentando-se apenas de soro.

“Quando voltei para casa, me arrependi por ter tido aquela criatura que me machucou tanto. Só conseguia chorar e desejava que tudo se acabasse.” Para piorar, os três foram morar na Argentina, longe da família, por conta do trabalho do marido. “Não tinha com quem dividir minhas angústias. Minha fé e a compreensão do meu marido me ajudaram. Lá pelos 6 meses do Dylan eu fui percebendo que o amava e não podia culpá-lo por aquilo que sentia. Hoje, um ano e meio depois, estamos bem na maior parte do tempo e até considero ter outro filho.”

 

EMOÇÕES À FLOR DA PELE

Ficar um pouco triste depois do parto é normal e esperado. Estima-se que 80% das mulheres tenham o chamado baby blues, certa melancolia que aparece nos primeiros dias do bebê em casa, dura no máximo um mês, e tem mais a ver com a adaptação física e emocional à nova realidade, além das alterações hormonais bruscas que o corpo sofre. Mas a DPP vai além tanto na intensidade quanto na duração dos sintomas, geralmente notados de quatro a seis semanas após o parto e que podem se arrastar por um ano (ou mais). Ansiedade, irritabilidade, mudanças de humor, cansaço e desânimo persistentes estão no topo da lista de indícios, que também passam por diminuição de apetite, insônia e sensação de incapacidade.

Segundo o obstetra Marcelo Nomura, do centro de assistência à saúde da mulher e do recém-nascido da Universidade de Campinas (Unicamp), é preciso atenção para diferenciar a DPP dos sintomas comuns do puerpério, como fadiga e alteração de sono. “A suspeita vem com comportamentos atípicos, como a preocupação excessiva com a saúde do bebê, falta de vontade de levantar da cama ou perda acentuada de peso em pouco tempo.”

Três meses após o nascimento da segunda filha, a secretária Stéfani Guimarães, 26, mãe de Heloíse, 6, e Fernanda, 3, notou que sua irritabilidade estava incomum, sempre acompanhada de tremedeira. Além disso, emagreceu e perdeu cabelo. O balde transbordou numa noite em que estava sozinha com as filhas. “Eu me desliguei de mim. Um filminho na minha cabeça mostrava que, para fazer as meninas dormirem, eu tinha de colocar um travesseiro no rosto delas. Saí correndo e fiquei no quintal, aos prantos, até meu marido chegar.” Stéfani fez psicoterapia e usou medicamentos por quase um ano e está voltando aos poucos à rotina, ainda com medo de recaídas. Mas não tem vergonha de falar sobre isso. “Dividir experiências vai diminuir o preconceito contra a doença”, acredita.