Clipping - Fila de espera quase triplica em hospitais federais
O Globo / Rio
13/01/2019
Levantamento da Defensoria Pública da União mostra que, ao mesmo tempo em que recursos caíram nos últimos anos, total de pacientes que aguardavam por cirurgia passou de 13,8 mil, em 2014, para 36 mil, no ano passado
Desde que o sistema de regulação a encaminhou para o Hospital Federal do Andaraí, a diarista Maria Arinete Nascimento Bezerra só sente sua doença se agravar. Na fila há seis anos para fazer uma cirurgia e receber uma prótese no quadril, ela vê o tempo passar sem que sua vez chegue. Seis meses atrás, a UPA da Rocinha passou a prescrever morfina para atenuar suas dores nos ossos. Ela não consegue sequer marcar uma consulta com um ortopedista do Andaraí. Em dezembro, completou um ano da última vez em que foi atendida por médicos de lá. Maria é um exemplo do sofrimento imposto a pacientes por problemas na rede federal de hospitais e institutos do Rio. Enquanto a população envelhece e a crise econômica fez muitos abdicarem de planos particulares, as unidades do Ministério da Saúde no Rio retrocedem no serviço prestado, em qualidade e quantidade.
QUEDA DE GASTOS
Apesar do aumento da demanda, o Portal da Transparência
mostra que as despesas empenhadas caíram de R$ 1,55 bilhão (valores
corrigidos), em 2015, para R$ 1,4 bilhão, em 2018, uma redução 9,5%. Ao mesmo
tempo, as filas para cirurgias nos seis hospitais gerais federais do Rio
saltaram. De acordo com números citados na ação movida pelo defensor regional
de Direitos Humanos da União, Daniel Macedo, a espera, que tinha 13.851
pacientes, em 2014, passou para 36 mil, no ano passado. Uma conta que deixa de
fora os institutos de Câncer, de Traumatologia e do Coração. — As unidades do
Ministério da Saúde só pioram. Sobram pacientes e faltam medicamentos, insumos
e profissionais — lamenta Macedo. — Não dá para fazer uma gestão qualificada
comum orçamento menor. Até porque os valores de insumos e medicamentos aumentam
de modo exponencial.
A gravidade da situação levou o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, a anunciar uma força-tarefa nessas unidades. Sua assessoria
informou, porém, que o Palácio do Planalto, por meio da Secretaria-Geral da
Presidência, é que ficará à frente do trabalho, que começa amanhã. Segundo o
Ministério da Saúde, o grupo fará um pente fino nos números oficiais do
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), que servem
deba separa repasses financeiros. Isso porque a atual gestão do órgão teria
detectado distorções.
Sem vislumbrar saída na via administrativa, Maria, que tem
coxartrose (processo degenerativo das cartilagens no quadril ), procurou na
semana passada a Defensoria, afim de ingressar na Justiça:
— As dores já estão passando para os braços. Telefono, vou
ao Andaraí e não consigo marcar consulta. Falam que não tem médico. Ou troque
recorreuàDefens ori aéovig ilante Fernando Jorge dos Reis, que convive com ador
desde 12 de dezembro, quando caiu de uma laje. No dia do acidente, procurou o
Hospital Estadual Getulio Vargas, que, alegando que o caso era de cirurgia
especializada de emergência — ele tem quatro fraturas no ombro —, sugeriu que
procurasse uma clínica da família. E ele assim fez:
— Sem previsão de ser chamado, fui colocado na fila do
Instituto de Traumatologia e Ortopedia (Into). O médico me aconselhou a
procurar a Justiça. Preciso de cirurgia de emergência. É desumano o que fazem.
Levantamento da Defensoria mostra que a lista de espera no Into diminuiu, mas
ainda é quilométrica: passou de 14.077 pacientes, em 2014, para 11.500, em
2018. Já, pelo Datasus, as internações nas nove unidades do Ministério da Saúde
caíram de 60.826, de janeiro a novembro de 2015, para 56.992, em igual período
de 2018. No Federal de Bonsucesso, foram de 10.522 para 8.818. —O Bonsucesso,
um centro de referência de transplante de órgãos, deixou de transplantar fígado
e, nos fins de semana, não tem neurocirurgião — lamenta o presidente da
Federação Nacional de Médicos, Jorge Darze. — Os hospitais federais do Rio têm
diretores indicados por deputados. E eram eles que mandavam até 31 de dezembro.
No Bonsucesso em crise, funcionários do hospital e entidades promoveram um
protesto na sexta-feira contra gastos com uma festa para comemorar os 71 anos
da unidade. — Nosso grande problema é a carência de pessoal, principalmente na
emergência e na área de transplantes — afirma o presidente do corpo clínico,
Baltazar Fernandes. Juliana Nascimento da Conceição reclamou do tratamento dado
à sogra Renata Cardoso da Silva Santos, que morreu com câncer aos 38 anos na
unidade:
—Passei três dias dando banho, trocando fraldas, dando
remédio e de olho no soro quando acabava. Ou a gente faz ou o paciente fica
jogado. Com a mulher Alessandra Manssano, de 35 anos, com câncer e vomitando
sangue, Fábio Agra chamou, na quarta-feira, a PM porque não conseguia
atendimento. Um médico conhecido passou pouco antes de a polícia chegar e os
levou até um colega. Quarenta e oito horas depois do atendimento inicial, a
mulher aguardava, sentada numa cadeira, que vagasse um leito. Marcos Vinícius
de Oliveira internou o filho Pedro Vitor, de 13 anos, com cálculo renal, no
último dia 1º. Mas foi ele que comprou o remédio para dilatar a uretra, que
faltava no hospital. Mandetta, que chegou a dizer que milicianos controlam
filas, não atendeu aos pedidos de entrevista. Os hospitais de Bonsucesso e do
Andaraí não quiseram se manifestar.