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Clipping - SOB O RÓTULO DA EMERGÊNCIA

O Globo /

10/12/2018


Em dois anos, contratos com dispensa de licitação na prefeitura somam R$ 2,27 bilhões

Numa cidade em crise, a prefeitura do Rio realiza sucessivas contratações emergenciais, sem submetêlas à concorrência, para que empresas prestem serviços básicos, como limpeza de escolas. Desde o início da administração Marcelo Crivella, em 2017, os contratos com dispensa de licitação somam R$ 2,27 bilhões (cerca de 20% do total), dos quais R$ 595 milhões tinham sido caracterizados como emergenciais até outubro. São transações que estão na mira do Tribunal de Contas do Município (TCM), motivam um inquérito do Ministério Público do Rio (MPRJ) e protagonizaram desgastes na própria prefeitura.
Em maio, o secretário da Casa Civil, Paulo Messina, afirmou “não ser normal” a quantidadedelasnapastadaEducação (SME), então comandada por César Benjamin. Em vídeo, Messina dizia que “99% das vezes (os contratos emergenciais) vão ser mais caros e desvantajososparaopoderpúblico”. Mas a prática não cessou. E tampouco se restringiu à SME, envolvendo, inclusive, empresas citadas na Lava-Jato.
Nessaseara,oartigo24,inciso IV da lei federal 8.666, é claro: é dispensável a licitação “nos casos de emergência ou decalamidadepública(...),para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, (...) vedada a prorrogação dos respectivos contratos”.
Na análise das contas de 2017 de Crivella, porém, o TCM já pedia esclarecimentos quanto à “utilização indiscriminada” de contratações sem licitação, principalmente na Saúde e na Educação. Em seu parecer prévio, divulgado em novembro, determinou que o Poder Executivo “planeje e execute os processos seletivos com bastante antecedência, de maneira a evitar a necessidade de realizar novas contratações emergenciais, quando estas podem ser perfeitamente evitadas”.

CONTRATOS: SETE SERVIÇOS
O GLOBO identificou sete serviços que, em primeira análise, caberiam na recomendação. Só a Agile Corp Serviços Especializados (antiga Masan) é detentora de 66 desses contratos em dois anos, 64 para a limpeza e para o preparo de merenda em escolas, num montante de R$ 140 milhões. A primeira leva é de agosto de 2017. Quando findaram, em fevereiro de 2018, novos contratos foram assinados. E refeitos, mais uma vez, em agosto.
Ano passado, as investigações da Operação Ratatouille, desdobramento da Lava Jato, apontaram que a então Masan eaComercialMilanoBrasil— que têm quadros societários parecidos, ambas ligadas à família Luca —tinham experimentado um crescimento exponencialnoscontratoscomo estadonosúltimosdezanos.O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o empresário Marco Antônio de Luca por ter pago R$ 16,7 milhões em propina ao ex-governador Sérgio Cabral, para obter benefícios no fornecimento de alimentos ao estado.
A Milano também é citada em denúncias envolvendo a prefeitura. Sócios da empresa foram acusados pelo MPRJ de se beneficiarem de convênios firmados com a Secretaria de Assistência Social, na gestão de Rodrigo Bethlem, durante a administração Eduardo Paes. No fim do mês passado, o MPRJ instaurou outro inquérito envolvendo a empresa. Dessa vez, investiga por que ela foi escolhida este ano, de forma emergencial pela SecretariadeSaúde(SMS),para serviços de logística, no valor de R$ 2,9 milhões.
A prefeitura também firmou contratos emergenciais consecutivos na central de atendimento 1746 (com a Datametrica Contact Center, ainda em vigor); no controle e distribuição de medicamentos (com a Pronto Express Logística); e no preparo de alimentos do Hospital Miguel Couto (junto à Nutrimed Alimentação Industrial).

JUSTIFICATIVA: REPUTAÇÃO
Na Assistência Social, foram contratadas emergencialmente seis instituições para a cogestão de abrigos e coordenadorias de Assistência Social e Direitos Humanos. Chegaram a ser abertos chamamentos públicos para escolher quem assumiria os serviços. Mas eles foram cancelados, e as mesmas entidades de antes foram contratadas, até 2020, com base em outro inciso do artigo 24, que versa sobre a “inquestionável reputação” da instituição.
Relator da análise das contas de Crivella no TCM, o conselheiro Nestor Rocha afirma ser absurdo o volume de contratos emergenciais. Segundo ele, muitos só são informados ao tribunal quando já estão em vigor há meses. E a única medida a tomar é a aplicação de multas.
—Não é suficiente. Por isso, estudamos a criação de uma ferramenta de acompanhamento das licitações do município, que nos ajudaria a identificar quando uma concorrência deve ser aberta para evitar que se recorra aos contratos emergenciais —afirma ele.
Para a Casa Civil, o parecer do TCM está em consonância com “as cobranças que a secretaria já vinha fazendo” aos órgãos. Esses, por sua vez, se justificam. A Central 1746 alega que o último contrato emergencial foi firmado após determinação do TCM, que suspendeu sua licitação. “O contrato foi necessário para que não houvesse interrupção do serviço”, diz em nota.
A SME também argumenta queseuscontratosforamrealizados para que serviços não fossem interrompidos. Na Saúde, a secretaria informa que a contratação da Pronto Express ocorreu após a suspensão de licitação, por ordem judicial. No Miguel Couto, a SMS informa que foi feito um novo contrato emergencial com a Nutrimed, que, segundo a secretaria, apresentou o menor preço. Um processo licitatório, porém, foi aberto.
Quanto à Milano, a secretaria afirma que, antes de firmar contrato, “buscou parecer da Procuradoria Geral do Município, que respalda a contratação de empresas investigadas, desde que ofereçam o menor preço e atendam requisitos legais, considerando o princípio da presunção de inocência”.
A Milano, por sua vez, diz que a empresa “não responde anenhumprocessojudicialno âmbito da Operação Lava-Jato”. Já a Agile Corp afirma ter sido contratada pela Educação por apresentar os melhores preços. Sobre as investigações do MPF, argumenta que Marco Antônio de Luca não faz parte de seu quadro societário desde agosto de 2015.
Segundo os dados informados à Receita Federal, a empresa Sepasa Serviços e Participações é sócia da Agile Corp e da Milano, e tem como diretores integrantes da família de Luca. Na última sexta-feira, a Nutrimed, a Pronto Express e a Datametrica não atenderam às ligações nos telefones que constam em seus cadastros na receita nem nos disponíveis na internet.