Clipping - Cuba rejeita exigências e anuncia saída do Mais Médicos
O Globo / País
15/11/2018
Decisão foi reação aos planos de Bolsonaro de modificar termos do acordo, que envolve 8.332 cubanos
Cuba anunciou a saída de 8.332 profissionais do Mais Médicos
após Bolsonaro dizer que cortaria a transferência da parte dos recursos que vai
para a ilha. Mais de 24 milhões de pessoas podem ficar sem atendimento.
“É lógico que vai ter um ‘gap’ de dois ou três meses sem
médico nesses lugares, vai ter problemas. Mas a retirada não se dará de hoje
para amanhã” Mauro Junqueira, presidente do Conselho de secretários municipais
de Saúde (Conasems)
Depois de cinco anos fornecendo a maior parte da mão de
obra do Mais Médicos, o governo de Cuba anunciou ontem que deixará de
participar do programa. A decisão foi tomada em reação aos planos do presidente
eleito Jair Bolsonaro de modificar os termos do acordo, o que reduziria o
volume de recursos repassados ao governo cubano.
Bolsonaro criticou ascon dições a que os médicos cubanos
estão submetidos, comparando-asa trabalho escravo. Os médicos ficam apenas com
uma parte dos salários, sendo que o restante é retido pelo governo de seu país.
Fontes diplomáticas estimam que, por ano, o governo de Havana obtenha cerca de
US$ 270 milhões (R$ 1,023 bilhão) com o programa.
Após o anúncio da retirada, o Ministério da Saúde
brasileiro anunciou que vai abrir um edital nos próximos dias para repor as
8.332 vagas preenchidas atualmente por cubanos, o que representa mais da metade
do total de profissionais do programa.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde( Conas e ms ), Mauro Junqueira, avaliou que a saída dos cubanos pode
levar a uma desassistência temporária de 24 milhões de brasileiros, que e qui
valeàmet ade atendimento estabelecida por cada prefeitura. Ressalvou, porém,
que o impacto da decisão dependerá da agilidade do Ministério da Saúde.
O maior impacto ocorre nas áreas mais remotas, com menor
atratividade, em especial em partes da Amazônia e do Nordeste. Segundo
Junqueira, os cubanos são 90% dos profissionais que atuam nas áreas indígenas.
— É lógico que vai ter um gap (intervalo) de dois ou três
me sessem médico nesses lugares, vai cri aruma desassistência,vai ter
problemas. Mas também não posso dizer se a retirada de Cuba pode se dar
unilateralmente de hoje para amanhã. Eles vão ter que informar que não
interessa mais, que vão retirar e dar um prazo de 90, 180 dias para poder
recompor, porque eles não podem ser irresponsáveis
—disse Junqueira.
O presidente do Conasems destacou que, nos últimos três
editais, todas as vagas foram preenchidas, primeiramente, por brasileiros
formados no país. Depois, por brasileiros formados no exterior. Não foi preciso
recorrer a estrangeiros.
No Granma, jornal oficial do Partido Comunista de Cuba, o
governo da ilha apontou as críticas de Bolsonaro como razão para deixar o
programa. As condições impostas pelo presidente eleito foram consideradas
“inaceitáveis”. A decisão foi comunicada à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas),
que faz a interlocução entre os dois países, e depois repassada ao governo
brasileiro. Sobre a retenção de parte dos rendimentos dos médicos, o governo
cubano justificou que a remuneração recebida no Brasil equivale aos valores
pagos a um médico na ilha.
“O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com
referências diretas, depreciativas e ameaçando a presença de nossos médicos,
disse e reiterou que vai modificar os termos e condições do Programa Mais
Médicos, com desrespeito para a Organização Pan-Americana da Saúde e o que foi
acordado por ela com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e
condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única
forma a contratação individual”, diz trecho de texto publicado no site do
Granma.
Com a decisão, o Ministério da Saúde informou que vai
conversar com a equipe de transição de Bolsonaro sobre a necessidade de adotar
algumas medidas que já vinham sendo estudadas para ampliar a participação de
brasileiros, como a negociação com os médicos formados por meio do Programa de
Financiamento Estudantil (Fies).
Dados do Ministério da Saúde, obtidos pelo GLOBO por meio
da Lei de Acesso à Informação, mostram que mais de um terço dos municípios
beneficiados
pelo programa Mais Médicos só recebeu profissionais cubanos
até hoje.
Jair Bolsonaro afirmou que o contrato precisa ser analisado
para verificar se há alguma sanção possível de ser aplicada. Na sua avaliação,
a ação do governo cubano foi irresponsável, numa referência aos brasileiros que
podem ficar temporariamente sem assistência:
Isso é trabalho escravo. Não poderia compactuar.
—
SEM REVALIDAÇÃO
Os médicos formados no exterior, sejam eles cubanos ou não,
não precisam passar pelo Revalida, o exame de revalidação do diploma no Brasil.
Bolsonaro, que já tinha dito que o exame seria exigido, voltou a defender seu
ponto de vista ontem. Ele afirmou que, se os cubanos fossem bons profissionais,
teriam feito o Revalida.
— Duvido que alguém queira ser atendido pelos cubanos
—disse Bolsonaro.
A Opas informou que ainda não tem datas para a retirada dos
cubanos, e que os detalhes serão conhecidos nos próximos dias. O ex-ministro da
Saúde Alexandre Padilha, responsável pela implantação do programa durante o
governo da expresidente Dilma Rousseff, usou sua conta no Twitter para atacar
Bolsonaro.
— É uma data triste para a saúde pública brasileira e para
a política externa do Brasil. É isso que pode acontecer quando se coloca o
espírito da guerra, da ideologização, do conflito na frente dos interesses,
sobretudo do povo brasileiro —disse Padilha em vídeo publicado no Twitter.
Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da
USP e ex-diretorexecutivo do Hospital das Clínicas e do Sírio-Libanês, em São
Paulo, teme pela falta de assistência médica para alguns municípios que
dependem, em grande parte, do trabalho dos médicos estrangeiros.
—Não tem como substituir de repente esses médicos e os
municípios ficarem desassistidos. É um crime de lesa-humanidade. O governo
tinha que tomar mais cuidado com o que está fazendo. Pessoas que tinham acesso
à assistência, ficarão sem atendimento.
Segundo ele, a decisão pode resultar na descontinuidade de
tratamentos básicos como hipertensão, diabetes e doenças crônicas, uma vez que
alguns postos de saúde contam apenas com médicos cubanos do programa.
(*Correspondente. Colaboraram Igor Mello e Luciano Ferreira)
Bolsonaro oferece asilo a profissionais
que quiserem ficar no Brasil
Ao comentar a decisão do governo de Cuba de deixar o
programa Mais Médicos, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que pretende
dar asilo a todos os cubanos que desejarem continuar no país, e criticou o PT
por ameaçar deportar médicos que pedissem asilo.
—O governo do PT anunciou que, caso alguém pedisse asilo
aqui, seria deportado. Não podemos admitir isso. Nós temos que dar o asilo às
pessoas que queiram, não podemos continuar ameaçando como foram ameaçados pelo
governo passado — afirmou Bolsonaro, durante entrevista coletiva no Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília. Depois, acrescentou: — O cubano
que quiser pedir asilo aqui, vai ter.
Bolsonaro afirmou que os médicos cubanos estão submetidos a
“trabalho escravo” no Brasil, por ficarem afastados da família e por parte do
salário ir para o governo daquele país, e afirmou que nunca teria feito um
acordo nos moldes do que foi assinado com Cuba:
— Jamais faria um acordo com Cuba nestes termos . Isso é
trabalho escravo, não é nem análogo à escravidão, é trabalho escravo. Jamais
poderia compactuar com isso aí. Eu sou democrata, diferentemente do governo do
PT, e foi renovado esse contrato no governo Temer. Eu não sei se tem alguma
cláusula de sanção no tocante a isso (rescisão unilateral). Se nós tivéssemos
suspendido de forma unilateral, com toda certeza teria.
O presidente eleito ainda se disse preocupado com os
pacientes e colocou em dúvida a formação médica dos cubanos no programa:
— Não temos qualquer comprovação que eles sejam realmente
médicos e sejam aptos a desempenhar sua função.
Ele afirmou ter recebido relatos de “verdadeiras barbaridades”
cometidas pelos médicos, mas não explicou que atos seriam esses.
De acordo com Bolsonaro, o programa segue aberto para
profissionais de outros países, desde que eles realizem um exame de revalidação
dos seus diplomas.
— O programa não está suspenso. De outros países, podem vir
para cá. Nós exigiremos uma prova de que eles (médicos) realmente são
competentes.