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Clipping - Pacientes sofrem em clínicas sem repasse de verba

O Globo / Rio

20/09/2018


Prefeitura não repassa verba, e pacientes sofrem

Com repasse de verba retido pela prefeitura do Rio, clínica de hemodiálise em São Cristóvão passou a usar agulhas mais grossas, que podem causar dor ao paciente, e filtro mais barato, que prolonga o processo em duas horas. Em outra unidade da Zona Norte, a solução é pegar material emprestado.

Oaposentado Francisco Alberto de Oliveira, de 50 anos, morador de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, tem aneurismas no antebraço esquerdo, caroços do tamanho de uma bola de golfe. Consequências de 26 anos de sessões de hemodiálise, por ser portador de infecção renal crônica. O sofrimento de Francisco está sendo ainda maior no último ano. Foi quando a Nefroclin, clínica onde faz o procedimento, em São Cristóvão, na Zona Norte, teve que passar a comprar material de segunda linha, devido à falta de repasses da prefeitura por serviços prestados pelo SUS.

A agulha de fístula, de calibre 16 milímetros, que passou a ser usada para fazer as punções, por exemplo, não tem o mesmo corte de uma lâmina de primeira.

—Quando a agulha é mais grossa, entra rasgando no braço, porque não tem corte. Venho da Zona Oeste, porque a clínica é boa. Mas a situação está muito séria. Os governantes têm que olhar mais por nós, não podem brincar com nossa saúde —desabafa Francisco.

O dialisador, filtro utilizado nas máquinas de hemodiálise, agora também é de marca mais barata. Custa R$ 40, ao invés de R$ 70, mas tem performance de filtragem inferior, o que faz com que o procedimento demore seis horas, duas a mais que o normal, em pacientes com casos mais complexos.

—Sinto um gosto ruim na boca, mal-estar e tontura, principalmente entre as sessões de sábado e de terçafeira, quando o intervalo entre uma e outra é maior — afirma o estoquista aposentado Vinícius Nunes, de 36 anos, que faz hemodiálise também às quintas-feiras.

A nefrologista Carmen Villarino, sócia-diretora da Nefroclin, confirma que está sendo obrigada a usar materiais mais baratos e diz que os sintomas sentidos por Vinícius seriam minimizados com o uso de dialisador de alta performance.

— O material que usamos é todo importado. Com a alta do dólar, os preços dispararam. Estamos tendo que comprar produtos de segunda linha —diz Carmen.

A clínica dela é uma das 46 que foram prejudicadas pela falta de repasses da prefeitura, que, ao todo, somam R$ 19 milhões. Somente à Nefroclin o município deve R$ 1,1 milhão, referentes aos serviços de outubro, novembro e dezembro, que não foram pagos. Por mês, a clínica faz cerca de 2.900 sessões de hemodiálise, e atende 255 pacientes, com idades entre 17 e 70 anos, todos pelo SUS.

—Já estou devendo R$ 250 mil ao banco para não atrasar o pagamento dos funcionários, nem comprometer ainda mais a qualidade do serviço. É muito difícil trabalhar direito no país — lamenta Carmen, que desligou o ar-condicionado da área administrativa para tentar economizar na conta de luz.

O presidente do Cremerj, Nelson Nahon, disse que a entidade vai denunciar a prefeitura ao Ministério Público ainda esta semana:

—Queremos que sejam tomadas providências enérgicas para que devolvam o dinheiro da saúde. É criminoso o que o município está fazendo, causando sofrimento à população. Que apertem o orçamento em outra área.

Na Clínica Gamen, no Engenho de Dentro, a situação só não é a mesma porque 40% dos 4.500 procedimentos de hemodiálise mensais, em 384 pacientes, são por convênio. Com cerca de R$ 2 milhões a receber da prefeitura, por serviços prestados nos três últimos meses de 2017, a unidade pede material emprestado a clínicas parceiras quando não há verba para reabastecer o estoque.

— Estamos funcionando no limite. Se não recebermos o dinheiro referente a este mês, não teremos condições de atender em outubro. Temos 34 anos e nunca passamos por crise deste porte. E não vemos sensibilidade no prefeito — diz Felipe Mendes, diretor da Gamen.

Secretário-executivo da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante, Carlos Pinho afirma que reunirá

documentação para entrar com ação contra a prefeitura na Defensoria Pública da União, semana que vem.

—O dinheiro é repassado á prefeitura com a regularidade correta pelo governo federal. Isso é apropriação indébita. Os pacientes estão sendo punidos por má gestão, irresponsabilidade e insensibilidade do poder público.

 

Secretaria: solução só ‘em tempo oportuno’

Em nota, a Secretaria municipal de Saúde afirmou apenas que “os valores serão repassados para todas as unidades em tempo oportuno, conforme a disponibilidade financeira e orçamentária do Tesouro do município”.

Após protesto de servidores, a prefeitura repassou à Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), R$ 1,3 milhão atrasados desde 2017. Também repassou R$ 3 milhões ao Hospital Mário Kroeff, que atende pacientes com câncer. Agora, a dívida com 44 clínicas é de R$ 14,6 milhões.

Semana passada, quando os funcionários da ABBR foram às ruas do Jardim Botânico e a crise ficou evidente, descobriu-se também que a prefeitura deixou de repassar às unidades de saúde verbas de emendas aprovadas por deputados federais.

Somente a ABBR, além do R$ 1,3 milhão, tem a receber R$ 3,2 milhões de emendas parlamentares. Após o ato, a prefeitura se comprometeu a pagar o valor das emendas em 14 parcelas. A primeira, de R$ 650 mil, este mês. As demais, de R$ 200 mil cada, nos meses seguintes.