Clipping - Médicos, nutricionistas e dentistas burlam códigos de ética na internet
O Globo / Sociedade
13/08/2018
Para conquistar seguidores e pacientes, perfis de profissionais de saúde vão contra contra os códigos de suas categorias
Na busca policial que terminou com a prisão de Denis César Furtado,
conhecido como “Doutor Bumbum”, a conduta do médico nas redes sociais foi
exposta: ele publicava gravações de procedimentos estéticos semelhantes ao que
levou a bancária Lilian Calixto à morte e fotos de “antes e depois” dos
tratamentos feitos.
Esse tipo de “post” é proibido pelos códigos de ética do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Federal de Odontologia (CFO) e do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN). Contudo, profissionais de saúde burlam essas regras em busca de seguidores — e clientes.
No perfil da cirurgiã-dentista Ana Laura Fontana no
Instagram, é possível vê-la usando um turbante azul sobre os cabelos loiros
enquanto segura, de luvas pretas, um frasco de toxina botulínica. “AMO os resultados
da #toxinabotulinica e vocês?!”, lê-se na legenda publicada no dia 21 de junho.
Dentistas não podem fazer procedimentos estéticos com essa substância desde
dezembro de 2017.
“A gente sabe da liminar. É só isso, meu amor? Boa tarde.
Tchau”, foi o que respondeu ao GLOBO uma das responsáveis pela clínica da
odontóloga, que se identificou apenas como Odete. As perguntas eram: sabia que
o código de ética da profissão proíbe a exposição de pacientes e que
odontólogos são proibidos de aplicar toxina botulínica (botox) para fins
estéticos? Ana Laura não quis dar entrevista.
Os seus 65 mil seguidores também podem acompanhar, em
vídeos, alguns dos procedimentos feitos pela profissional, que tem registro
ativo no Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina. Segundo o código,
é proibida a utilização de imagens ou expressões antes, durante e depois,
relativas a procedimentos. Na aba “recebidos”, ela também publica vídeos
agradecendo os “mimos”, divulgando marcas de jalecos e de equipamentos
utilizados durante a aplicação de botox.
O presidente do Conselho Federal de Odontologia, Juliano do
Vale, afirma haver “um crescimento exagerado do número de usuários de redes
sociais e, consequentemente, o aumento do número de postagens em desacordo com
o código de ética”.
No Instagram, mais de 500 mil publicações usam a hashtag
#silicone e mais de 345 mil, #cirurgiaplástica. Muitas são de perfis de
profissionais e clínicas. Os comentários dos seguidores dão a dimensão de como
as redes sociais se tornaram, de fato, uma vitrine para atrair pacientes.
“Quando eu tiver muito dinheiro, vou aí”, diz uma internauta no perfil de Ana
Laura. “Necessito desse tratamento”, afirma outra, em uma publicação da Clinée
Medicina Estética. Com 16 mil seguidores, a clínica compara imagens de pessoas
antes e depois de procedimentos como dermopigmentação de estrias e implante de
próteses de silicone. Também divulga vídeos gravados durante aplicações de
preenchimento nas nádegas.
Ao telefone, Débora Duarte diz ser sócia da Clinée,
localizada em um shopping na Zona Oeste do Rio, e afirma saber das proibições.
Ela argumenta que o perfil não pertence à sua empresa, mas sim a uma
terceirizada contratada para a divulgação e, por isso, a clínica não estaria
contrariando as regras do CFM.
O comportamento dos médicos nas redes sociais é regulado
por três documentos do Conselho Federal: o código de ética e duas resoluções,
de 2011 e de 2015. O texto mais recente proíbe profissionais e estabelecimentos
de saúde de publicar “imagens do ‘antes e depois’ de procedimentos”. Mesmo
publicações feitas por pacientes — se seguirem esse padrão e forem feitas “de
modo reiterado e/ou sistemático” — deverão ser investigadas pelos conselhos
regionais.
O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
André Maranhão, explica que a entidade segue o código de ética do CFM e que
abre “processos administrativos que variam de advertência a expulsão”. Em vigor
desde 2010, o código proíbe divulgar informação de “forma sensacionalista” e
“promocional”.
Já a resolução de 2011 proíbe os profissionais de exporem a
figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de
tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo”. A única exceção é
para artigos científicos, e apenas nos casos em que a imagem é “imprescindível”.
Para o corregedor do CFM José Vinagre, uma das
irregularidades mais frequentes é a promessa de resultados. Ele recomenda
acessar o site do Conselho em vez de entrar no Instagram. A página da
instituição permite verificar se o médico está registrado no conselho regional
e se pode atuar na especialidade anunciada:
— O número de seguidores nas redes sociais não é indicativo
para a escolha de um médico.
— Se for um apartamento ou o segundo andar de um salão de
beleza, nem pensar.
Além da verificação do registro, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de
Janeiro (Cremerj), Nelson Nahon, indicou prestar atenção à estrutura usada
no atendimento.
- Se for um apartamento ou o segundo andar de um salão de
beleza, nem pensar. Vá embora e denuncie ao Cremerj que a gente vai lá e
fiscaliza.
Sem garantias
Entre profissionais da área de nutrição, também há
irregularidades. Os sites “A fórmula do emagrecimento” e “Dieta de 21 dias”,
por exemplo, prometem a perda de até dez quilos em menos de um mês. Os dois são
repletos de fotos de clientes antes e depois da dieta, levando aos nomes de
Rodolfo Aurélio e Fábio Lemos.
O código de ética dos nutricionistas permite imagens de
pacientes exclusivamente em estudos científicos formais. Também é proibido dar
garantias de resultados.
Site do estudante de nutrição Fábio Lemos dpa
"satisfação garantida 100%"; Conselho Federal de Nutricionistas
proíbe garantias, ele afirma saber disso. - Reprodução
O GLOBO enviou mensagens para os dois perfis de Facebook
mantidos por Aurélio. As perguntas foram lidas, mas nenhuma resposta foi
enviada. Já Lemos, questionado sobre as proibições, respondeu: “Estou ciente de
tudo isso, sim”. Sobre o site “Dieta de 21 dias”, ele conta ser apenas um
“afiliado deste produto digital”. Quando questionado sobre a página “A fórmula
do emagrecimento”, no entanto, parou de responder.
— Quem publica anúncios e alega conseguir resultados
irreais normalmente não faz só isso — alerta Lorena Chaves, conselheira do CFN,
explicando que é comum que essas mesmas pessoas também infrinjam outras regras.
— Antes, o profissional alegava que não tinha a intenção de fazer propaganda
enganosa e nada acontecia. Agora, não. A vedação é explícita.