Clipping - Município tem emergências com o triplo de pacientes
O Globo / Rio
19/07/2018
Salgado Filho estava ontem com 84 doentes num espaço destinado a 29
Em meio às denúncias de irregularidades na fila para
realizar procedimentos médicos, a outra ponta do sistema de saúde sofre com a
falta de vagas. Dados do Censo Diário Hospitalar, da Secretaria municipal de
Saúde, mostram a superlotação em grandes emergências da cidade. Ontem, no
Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, o número de pacientes era quase
duas vezes maior que a capacidade. As salas vermelha (para casos graves),
amarela, de isolamento e de trauma estavam com ocupação de 289%. Eram 84
doentes num espaço planejado para 29.
A situação era parecida no Lourenço Jorge, na Barra: a
ocupação chegava a 207%, e estava ainda mais grave no setor amarelo, onde
estavam 47 pessoas numa área destinada a apenas dez. O Rocha Faria, em Campo
Grande, enfrentava o mesmo problema.
Esses dados internos também trazem à tona uma situação
contraditória, que é o alto percentual de leitos impedidos. Segundo médicos,
isso acontece quando as vagas não podem ser abertas devido a obras, a problemas
de manutenção ou à falta de equipes médicas.
O Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, tinha ontem 15% dos seus 368 leitos nessas condições. Já o Albert Schweitzer, em Realengo, estava com 11% das 386 vagas sem possibilidade de uso. Outros 17 leitos estavam impedidos no Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, o que corresponde a 5% de sua capacidade.
MENOS SAUDÁVEL E SEGURO
Para Jorge Castro, pesquisador da Escola Nacional de Saúde
Pública da Fiocruz, a superlotação de emergências tem impacto direto na saúde
da população:
— Essa lotação tem consequências para o ambiente
hospitalar, que deixa de ser seguro e saudável e passa a apresentar uma
situação crítica de atendimento. As consequências para a saúde das pessoas é
imediata. O tempo de atendimento aumenta muito.
Em nota, a Secretaria municipal de Saúde disse que suas
unidades de urgência e emergência “não recusam pacientes que necessitem de
atendimento e, por isso, há ocasiões em que podem funcionar acima de sua
capacidade ideal”. Também informou que leitos inoperantes “são situações
pontuais e temporárias, devido a obras ou a algum serviço específico e
necessário nas enfermarias”.
A falta de estrutura nos hospitais e as longas filas no
Sistema de Regulação de Vagas de Consultas e Cirurgias (Sisreg) são reflexos da
falta de investimentos. O município destinou menos recursos para a saúde no ano
passado: se em 2016 foram liquidados R$ 5 bilhões, 2017 fechou com R$ 4,8
bilhões aplicados na área. De janeiro até agora, já foram gastos R$ 2,5
bilhões. O orçamento atualizado para este ano é de R$ 5,25 bilhões.
Uma reportagem do RJ-TV, da TV Globo, mostrou ontem o
depoimento de um ex-funcionário da prefeitura, que relevou um esquema montado
por servidores do Sisreg para furar a fila de espera por atendimento médico. O
GLOBO também teve acesso a fichas de pacientes que conseguiram marcar suas
consultas pré-operatórias em tempo ínfimo. Há casos até de pedidos que foram
autorizados no mesmo dia em que ingressaram no sistema. Foi o que aconteceu com
uma moradora de Botafogo, de 65 anos, que fez sua primeira cirurgia de catarata
ontem, no Hospital Casa Evangélico, na Tijuca. Ela afirma ter participado do
processo regular de consultas em uma clínica da família. No dia 4 de julho, a
unidade solicitou a consulta pré-cirúrgica da paciente na Clínica de Olhos
Avenida Rio Branco, aprovada no mesmo dia e agendada para sete dias depois.
Ontem, ela conseguiu ser operada:
Meu processo foi rápido, mas não sei o motivo. Não conheço
ninguém, fiz tudo certo.
—
PROCEDIMENTO A JATO
Outra paciente, de 52 anos, também conseguiu fazer a
cirurgia de catarata após conviver por dois anos e meio com a cegueira.
Desempregada, ela ganha a vida com a renda de lixo catado na rua e também
recebe benefício do programa Bolsa Família. A mulher contou que fez mais de dez
exames na Clínica da Família Olímpia Esteves, em Padre Miguel, nos últimos dois
anos.
De acordo com a ficha dela no Sisreg, no entanto, a
solicitação do procedimento só foi feita no dia 12 de junho passado e aprovada
no mesmo dia. A cirurgia no olho direito aconteceu oito dias depois, e, ontem,
a paciente faria a segunda operação.
A Secretaria municipal de Saúde abriu uma sindicância para
apurar eventuais irregularidades no sistema de regulação de vagas. Colaboraram
Gustavo Goulart e Elis Bartonelli