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Clipping - Auditoria mostra falhas na gestão da fila da saúde no Rio

O Globo / Rio

11/07/2018


Relatório do TCM aponta divergência entre agendamentos e atendimentos

Relatório do Tribunal de Contas do Município revela que a fila para o atendimento de saúde no Rio, gerenciada pelo Sistema de Regulação (Sisreg), tem discrepâncias entre o número de agendamentos registrados e o de procedimentos informados pelas unidades de saúde, em maio e junho de 2017. Para especialistas, o fato de haver até 33% mais atendimentos que agendamentos pode resultar de falha de organização ou desrespeito à fila. A Secretaria de Saúde não se pronunciou.

No centro de uma polêmica, a fila para o atendimento de saúde no município do Rio, administrada pelo Sistema de Regulação (Sisreg), está sob duras críticas. Problemas sérios foram apontados em um relatório do Tribunal de Contas do Município que cruzou dados da plataforma em maio e junho do ano passado — mostrando todos os que aguardavam exames e cirurgias de baixa complexidade, que são de responsabilidade do município — e os atendimentos efetivamente realizados pelos hospitais e unidades de saúde. A constatação foi que “parcela significativa da produção é efetuada à margem da regulação, inviabilizando um controle mais efetivo e fragilizando a transparência do processo”.

O exemplo mais gritante de que os trâmites oficiais vêm sendo burlados é o da Policlínica Guilherme da Silveira, em Bangu. O TCM observou que, enquanto o Sisreg registrava que havia 3.261 agendamentos para a unidade, em junho, a própria policlínica apresentou, no mesmo mês, documento atestando uma produção ambulatorial de 4.363 procedimentos. Ou seja, 33,7% a mais que o agendado oficialmente. Para especialistas, a discrepância pode encobrir tanto falha da organização quanto desrespeito à fila. A Secretaria de Saúde afirmou que não foi informada oficialmente do relatório e, por isso, não o comentará.

O trabalho dos técnicos consistiu em confrontar, num mesmo período, a lista do Sisreg com as das unidades de saúde, para verificar se havia incompatibilidades. Como a prefeitura tem a atribuição de regular as vagas para atendimentos de baixa complexidade em toda a rede, a análise considerou as informações relativas a esta categoria de serviço prestado por unidades municipais, estaduais, federais e conveniadas. A Secretaria estadual de Saúde é responsável pela Central Estadual de Regulação, que faz a gestão dos serviços considerados de média e alta complexidade.

A fila da saúde está no centro de uma crise. O prefeito Marcelo Crivella enfrenta pedidos de impeachment desde que O GLOBO noticiou uma reunião dele com pastores evangélicos, no Palácio da Cidade, em Botafogo. No encontro, Crivella prometeu, entre outras vantagens, atendimento rápido para pacientes evangélicos com catarata e agilização de pedidos de isenção de IPTU para igrejas. Após a repercussão do encontro, o prefeito garantiu que não havia hipótese de a fila do Sisreg ser furada.

Votado na semana passada, o relatório do TCM cita ainda o caso de outra unidade, a Policlínica Rodolpho Rocco, em Inhaúma. Mesmo já contabilizando um percentual de faltosos, o documento diz que havia 3.152 agendamentos previstos, quando o Serviço de Informações Ambulatoriais (SIA) da unidade acusava a realização de 4.181 procedimentos.

O presidente da Associação de Médicos de Família, Moisés Nunes, considera inexplicável que vagas para atendimentos contratadas pela prefeitura não estejam disponíveis no Sisreg.

— Existe normalmente uma reserva para atender a situações imprevistas, como demandas judiciais. Mas essa quantidade é ínfima. Se as vagas não estão no Sisreg, podem estar sendo empregadas para outras finalidades. Uma das hipóteses é que estejam reservadas para apadrinhamentos políticos — criticou.

Procurado, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) informou que vai anexar o relatório em sua ação contra o prefeito Marcelo Crivella, por entender que estas vagas fora do sistema podem ser fruto de clientelismo ou de uma desorganização total.

Para Cátia Domingues, vice-presidente da Associação de Pacientes com Doenças Reumáticas, a Recomeçar, o “quem indica” está passando por cima do Sisreg:

— Artrite reumatoide é uma doença que precisa ser diagnosticada e tratada precocemente para que o paciente não tenha limitações. No entanto, muitas pessoas com a doença passam mais de dois anos na fila. Muitas vezes, o quadro do paciente é agravado pela demora.

O presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores, Paulo Pinheiro (PSOL), avalia que o fato de nem todas as vagas contratadas estarem inseridas no Sisreg só pode ter duas explicações: ou grave falha administrativa, ou emprego das vagas para atender pacientes “por fora” das longas filas de atendimento.

O relatório mostra que existem falhas no sistema de segurança do Sisreg. Se nem todas as vagas estão no sistema, o paciente não tem certeza de seu lugar na fila. Será que essas vagas não são aquelas que a Márcia tem para oferecer a quem procurá-la? — questionou Pinheiro, referindo-se à assessora citada pelo prefeito, no encontro com os pastores, como a pessoa que poderia ajudá-los a encaminhar para a rede pública pessoas necessitadas de cirurgia de catarata, varizes e vasectomia.

FILA DE ESPERA CRESCE

A fila oficial em si já é um desafio, e não para de crescer. Ainda segundo o relatório do TCM, em 2012 havia 157.214 pessoas à espera de atendimento na rede municipal. Essa fila diminuiu em 2015 para 100.043 pessoas. Em junho de 2017, atingiu a marca de 181.274 pessoas. Um mês depois, saltou para 192.648 pessoas, alta de 92% em relação a 2015. A copeira Lucidalva Borges, de 52 anos, sofre de artrite reumatoide e aguarda consulta está desde outubro. Moradora de Inhaúma, ela foi paciente do Hospital municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, mas os agendamentos foram cancelados sem explicação e ela voltou à fila do Sisreg:

— Desde outubro, tento agendar uma consulta e não consigo. Eu me sinto agredida violentada, roubada, porque é algo de que tenho direito.

Aposentada, Nadia Mamede, de 53 anos, tenta desde outubro um atendimento oftalmológico. Moradora de Curicica, ela só conseguiu ser atendida no último dia 20, em Botafogo, a mais de 30km de casa. Precisa de cirurgia de catarata com urgência, mas até ontem, 20 dias após a consulta, não havia agendamento:

— Na consulta, o médico disse que eu seria chamada pelo mutirão nos próximos dias, mas até agora o telefone ainda não tocou.

“Existem interferências políticas no funcionamento do sistema, que dificultam a transparência”

Jorge Darze

Presidente da Federação Nacional dos Médicos

“Desde outubro, estou na expectativa para agendar uma consulta e não consigo. Eu me sinto agredida”

Lucidalva Borges

Paciente com problemas reumáticos

“Será que essas vagas não são aquelas que a Márcia tem para oferecer a quem procurá-la?”

Paulo Pinheiro (PSOL)

Presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal

AS RECOMENDAÇÕES PARA A PREFEITURA

VAGAS ‘POR FORA’: O tribunal pede à prefeitura que explique por que a capacidade instalada garantida pelas unidades de saúde não está integralmente inserida no Sisreg. A transparência possibilitaria a ampliação do número de atendimentos.

DESPROPORCIONAL: O número de vagas de retorno (uma segunda consulta após um procedimento inicial) aumentou muito mais que o de vagas de reserva (a primeira). Na comparação entre 2016 e 2013, enquanto o atendimento de retorno deu um salto de 254% (de 351 mil para 1,24 milhão), a marcação de primeira consulta subiu 35% (de 1,05 milhão para 1,42 milhão). O TCM recomenda que essa tendência seja revertida.

DESPERDÍCIO: O município deve comprovar que todas as vagas para 30 procedimentos ambulatoriais considerados críticos foram agendadas, pois há indícios de que 44.365 não foram marcadas, levando-se em consideração os registros do Sisreg.

DISCREPÂNCIA: A prefeitura terá que explicar as razões pelas quais os agendamentos efetivamente aproveitados (descontando as faltas dos pacientes), relacionados às policlínicas no âmbito do Sisreg, são muito inferiores à produção registrada no Sistema de Informação Ambulatorial, abastecido com informações das unidades de saúde.

FATURAMENTO: Os técnicos do tribunal destacam que o município terá que explicar por que o faturamento dos procedimentos ambulatoriais não é registrado no Sisreg, uma vez que o sistema tem essa ferramenta.

SEM COMPROMISSO: O tribunal destaca que 37,5% dos prestadores de serviços de saúde (da prefeitura ou vinculados) não firmaram termos de contrato ou convênio com a Secretaria municipal de Saúde. Esse documento registra a capacidade instalada das unidades, a fim de garantir que todas as vagas estejam à disposição da Central de Regularização.

NÚMEROS QUE NÃO BATEM: Os técnicos verificaram casos em que unidades têm um número maior de vagas que o oferecido pelo Sisreg. “O que ser verifica é o oposto, em que boa parte da capacidade instalada não é inserida na regulação, limitando o alcance potencial do Sisreg”, ressalta o relatório do TCM.