Clipping - Saúde estagnada
O Globo / Rio
04/07/2018
Prefeitura desiste de receber recursos federais para criar 312 equipes de médicos de família
A prefeitura desistiu de ampliar o Programa de Saúde da
Família no Rio. Uma portaria do Ministério da Saúde, publicada no último dia
12, descredenciou 312 equipes médicas que faziam parte de um planejamento do
próprio município. Com isso, mais de um milhão de pessoas perdem a oportunidade
de serem atendidas por um médico de família. Hoje, 70,3% dos cariocas têm
acesso a esse tipo de atendimento.
Diante de uma solicitação feita pela prefeitura, o
Ministério da Saúde confirmou que repassaria verbas para custear, em parte, as
312 equipes. Mas o município não cumpriu o prazo de quatro meses para
implantá-las. Hoje, há 1.294 equipes de Saúde da Família no Rio, que atuam nas
232 unidades de Atenção Primária na cidade. Cada uma delas pode cuidar de até
3.500 pessoas. Com os novos grupos, o programa chegaria a atender 86,8% da
população.
— As Clínicas de Saúde da Família são as portas de entrada
do sistema. É um erro não privilegiar a Atenção Básica, na qual os problemas de
saúde são prevenidos — afirma o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj),
Nelson Nahon.
O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que não
chegou a transferir para a prefeitura recursos relativos às novas equipes. O
repasse do custeio federal, segundo o órgão, está condicionado à implantação do
serviço, que deve estar devidamente registrado no Sistema de Cadastro Nacional
de Estabelecimentos de Saúde (SCNES). Como a prefeitura não criou as equipes, a
verba que viria para o Rio será destinada “a novas demandas de credenciamento”.
“SITUAÇÃO MUITO DIFÍCIL”
De acordo com a Secretaria municipal de Saúde, a
solicitação para aumentar o número de equipes foi enviada ao Ministério da
Saúde em 2016, na gestão do então prefeito Eduardo Paes. “No entanto, não houve
a expansão prevista da rede e essas equipes nunca chegaram a ser implantadas”,
informou, por nota. A justificativa seria a “situação muito difícil deixada
pelo governo anterior, com uma dívida de R$ 266 milhões de empenhos cancelados
em dezembro, referentes a contas de novembro e dezembro”. Ressaltou ainda que,
“apesar de todas as dificuldades enfrentadas, já foram inauguradas, desde o ano
passado, sete Clínicas da Família, com equipes que já haviam sido contratadas”.
Um relatório do Tribunal de Contas do Município, divulgado
na semana passada, indica que a antiga gestão não deixou rombo nas contas
públicas. Diferentemente do que alega o prefeito Marcelo Crivella, o tribunal
concluiu que, mesmo se todos os fornecedores tivessem sido pagos pela
administração anterior, ainda sobrariam R$ 38,9 milhões no caixa. A gestão
atual contesta esses dados e já recorque reu ao Ministério Público.
— Não há dívidas deixadas para o atual governo, e o TCM
comprovou isso. O Crivella prometeu, na sua campanha, colocar R$ 200 milhões a
mais na Saúde, mas tirou R$ 340 milhões — disse Daniel Soranz, último
secretário de Saúde da gestão de Paes.
O presidente da Associação de Medicina de Família e
Comunidade, o médico Moisés Nunes, lamenta o descredenciamento:
— O projeto da gestão anterior era ampliar a cobertura da
estratégia de Saúde da Família. Existem ainda regiões de vulnerabilidade, sem
cobertura.
O vereador Paulo Pinheiro (PSOL) afirmou que vai se reunir
hoje com o secretário municipal de Saúde, Marco Antônio de Mattos, para saber
por os recursos federais não foram usados:
— Isso é um dos maiores absurdos dos últimos tempos. Tanto
por parte do Ministério da Saúde quanto da prefeitura. A expansão do Saúde da
Família tem sido um discurso da prefeitura. Entretanto, temos assistido à
destruição de um programa essencial para a saúde pública.
A perda da verba federal, que já estava destinada ao
programa, não é o único prejuízo que a Atenção Básica sofre no Rio. Desde o mês
passado, clínicas que ficavam abertas até as 20h passaram a fechar mais cedo. O
Centro Municipal de Saúde João Barros Barreto, em Copacabana, passou a
funcionar até as 18h. Ontem, a doméstica Rosa Camilo, de 50 anos, tentou marcar
uma consulta para depois das 18h e não conseguiu:
— Eu queria voltar aqui só depois do meu trabalho, mas me
pediram para ser até as 16h.
No Centro Municipal de Saúde Salles Neto, no Rio Comprido,
Cristiane Cardoso, de 33 anos, tentou agendar uma consulta com um clínico geral
na semana passada, mas terá que esperar mais de dez dias para fazer a marcação:
— Eu fui hoje à Clínica da Família do Rio Comprido, mas me
disseram que meu endereço não faz parte dessa área. Precisamos de mais opções.
A prefeitura afirma que as unidades têm autonomia para
definir as escalas de suas equipes, que cumprem 40 horas semanais. Algumas
mudanças foram por causa da insegurança.