Clipping - Mulheres esperam até seis meses por cirurgia de mama
Extra / Cidade
06/05/2018
Martha Angela aguardou 221 dias para começar tratamento. O drama é comum a 70% das pacientes.
No dia 4 de agosto do ano passado, quando pegou o resultado
da mamografia e, em função da imagem, a mastologista agendou uma biópsia para
dois dias depois, a dona de casa Martha Angela dos Santos, de 51 anos, já soube
que teria uma luta pela frente. Como ela diz, vestiu a armadura e ergueu a
espada, decidida a não deixar o câncer derrotá-la. Mas confessa que não tinha
ideia da briga que teria que travar contra o sistema público para conseguir o
tratamento. Chegou a pensar em desistir. Entre o resultado da biópsia e a
cirurgia para retirada da mama, foram seis meses e meio. Exatos 221 dias com a
vida em suspenso, sem saber quantas manhãs ainda teria ao lado do filho
especial. Sem saber se passaria mais um Natal com a família.
Apesar de haver, desde 2012, uma lei que determina que o
tempo entre o diagnóstico final do câncer e o início do tratamento no SUS não
pode ultrapassar 60 dias, um levantamento revelou que, no Rio de Janeiro,
apenas 30% das pacientes com tumor na mama são atendidas nesse prazo. E a pena
pelo não cumprimento da lei? Essa quem paga são as 70% que aguardam em média
dois meses pela primeira consulta com mastologista, cinco meses para operar e
de dois a três meses para iniciar a quimioterapia. Os dados foram coletados no
Sistema Estadual de Regulação (SER), do governo estadual, e embasam a série de
reportagens “Uma luta dolorosa”, que o EXTRA começa a publicar hoje.
A pesquisa, coordenada pela médica Sandra Gioia,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia Regional do Rio, apontou
que, a cada mês, mais de 300 mulheres têm dificuldade para agendar o primeiro
atendimento em hospitais que tratam câncer no estado:
— Não há vagas suficientes para todas e algumas sequer
estão na fila — diz.
Sandra explica que a fila para realizar biópsia, após o
laudo da mamografia, tem 300 vagas:
— Essa fila nunca acaba e sempre há pacientes aguardando
para serem inscritas.
A médica estudou o caso de quase 200 mulheres entre 40 e 70
anos atendidas no Rio Imagem, entre julho e dezembro de 2017. E implantou na
unidade, com apoio da ONG americana Global Cancer Institute, o Programa de
Navegação de Paciente (PNP). Com o projeto-piloto, a central de diagnóstico
passou a ter uma assistente social que acompanha as pacientes da mamografia ao
tratamento.
O PNP também suprimiu uma etapa que atrasa a chegada ao
tratamento em cerca de dois meses. As mamografias realizadas no Rio Imagem
passaram a ser analisadas por uma mastologista. Nos casos em que o exame aponta
alterações, a mulher é encaminhada de imediato para a biópsia por agulha, que
pode ser feita
no mesmo dia. Isso evita que ela tenha que voltar ao posto
de saúde, como acontece hoje nas demais unidades que realizam mamografia,
passar por um médico para mostrar o exame e ser inserida novamente no Sistema
de Regulação para agendar biópsia.
— Precisamos eliminar barreiras desnecessárias. São muitas
que se erguem até o tratamento. A ausência de transparência nas filas de espera
para marcar um exame ou consulta é uma delas, e isso contribui para a falta de
discernimento sobre o que deve ser priorizado. O cenário é desolador. A média
nacional de doença metastática na apresentação inicial é 8%. No Rio, estamos em
14%. Nos Estados Unidos, 4% — relata Sandra.
O Ministério da Saúde afirmou que, em 2017, os seis hospitais federais no Rio ampliaram em 5,8% a realização de cirurgias oncológicas de mama, em relação a 2016.
‘O
tumor havia crescido e tive que retirar a mama’
MARTHA ANGELA DOS SANTOS 51 anos, dona de casa e mãe de dois filhos
Fiz mamografia no Rio Imagem no dia 25 de julho de 2017.
Realizei a biópsia e recebi o resultado no dia 4 de setembro. No mesmo dia,
voltei à Clínica da Família levando exames e uma carta que pedia urgência no
agendamento em hospital que trata câncer. Mesmo assim, só fui inserida no SER
nove dias depois, quando ameacei chamar a polícia. Fui agendada para o
Instituto Nacional de Câncer (Inca) para 6 de novembro. O programa de navegação
conseguiu adiantar para 23 de outubro. O tumor havia crescido e me disseram que
teriam que retirar minha mama. Tive que refazer os exames do risco cirúrgico e
passar por consultas com cardiologista, anestesista, enfermagem, psicólogo e
assistente social. Cheguei a pensar em desistir. Foram quase seis meses rodando
no Inca até a cirurgia, no último dia 12.