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Clipping - Mortalidade materna cresce no município do Rio à medida que problemas na saúde se agravam

O Globo / Rio

09/04/2018



A família de Larissa Eduarda Santos Borges não encontra explicações para a morte prematura dela, aos 18 anos, três dias após dar à luz Lorenzo, no Hospital Municipal Rocha Faria, em Campo Grande. Com o netinho de 1 mês em casa e as lembranças da filha única, grávida e feliz, imortalizadas em mais de 300 fotos, a mãe, Priscila Carvalho Borges, vive hoje entre o luto e a missão de cuidar do bebê, que recebeu da jovem num leito do Rocha Faria, onde ela deu entrada no dia 4 de março, na 40ª semana de gravidez.

Larissa fez uma cesariana porque o feto estava em sofrimento, e chegou a ir para a enfermaria, onde amamentou o neném. Mas, com fortes dores e hemorragia, foi operada outras duas vezes e teve o útero retirado. Resistiu até o dia 7. O óbito, agora, é investigado pela Secretaria municipal de Saúde. O hospital e o Instituto Médico-Legal (IML) apontam causas diferentes para a morte.

— Levaram a minha filhinha amada e cheia de saúde. Sempre com um sorriso lindo. Estou sem chão — diz Priscila, sem conter as lágrimas.

O sofrimento da família de Larissa, que vive no bairro 7 de Abril, em Paciência, espelha um quadro que preocupa profissionais de saúde. Na contramão dos avanços da medicina, a taxa de mortalidade materna (da gestação até o 42º dia após o nascimento do bebê) vem aumentando no município do Rio: passou de 71,8 mortes por cem mil nascidos vivos, em 2015, para 82,8, no ano passado. Uma taxa bem superior à da capital paulista: de 51,6, em 2015, e 47,8, em 2017.

Especialistas veem várias razões para a taxa de mortalidade materna estar numa curva ascendente no Rio. Os problemas, dizem, começam no atendimento de pré-natal na rede básica da prefeitura, sem equipes completas, equipamentos e remédios. Profissionais de saúde citam ainda a falta de médicos e de infraestrutura em policlínicas e maternidades, bem como a demora para conseguir marcar consultas com especialistas e exames, além da superlotação dessas unidades.

Embora reconheça que a taxa de óbitos maternos é alta na cidade, a Secretaria municipal de Saúde sustenta que o fato decorre da vulnerabilidade social.

— Está relacionado a nível de renda, educação, moradia, qualidade de vida. A vulnerabilidade social cresceu na cidade — alega Carla Brasil, superintendente de Maternidade da SMS. — Temos um Comitê Municipal de Prevenção e Controle da Mortalidade Materna que analisa as mortes de mulheres em idade fértil.

No ano passado, houve 70 mortes maternas entre moradoras do Rio. Para o ginecologista, obstetra e professor da UFRJ Raphael Câmara Medeiros Parente, no entanto, o crescimento desses óbitos tem como principal causa a redução drástica das consultas de pré-natal por obstetras na rede municipal. Requerimento de informações à prefeitura, feito por ele, mostra que só 4,7% dos atendimentos foram feitos por obstetras no ano passado, contra 15,1% em 2015. Médicos generalistas ou enfermeiros se encarregaram das demais consultas.

Está havendo uma carnificina no Rio — afirma o professor.

     

FALTAM MÉDICOS E INSUMOS

Tal prática está no centro de uma polêmica. De um lado, a SMS diz seguir protocolos com recomendações do Ministério da Saúde e da OMS, e a presidente regional da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras, Sabrina Seibert, afirma que o pré-natal feito por enfermeiras melhora a qualidade da atenção básica de saúde. Por outro lado, um obstetra que pediu transferência do Hospital Municipal Pedro II, em Santa Cruz, alegando falta de condições de trabalho, revela que recebia na unidade pacientes que tinham feito pré-natal precário:

— Atendi, por exemplo, uma mulher com hipertensão gestacional, na 41ª semana. Sua gravidez deveria ter sido interrompida antes, pelo risco de eclâmpsia.

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Nelson Nahon, a crise da saúde do Rio explica a alta da mortalidade materna:

— Equipes de saúde da família estão fragilizadas, com quadro de médicos reduzido. Nas policlínicas, que deveriam fazer o atendimento secundário, faltam especialistas. Nas maternidades públicas, há carência de médicos, materiais e aparelhos.

Quanto à Larissa, o pré-natal foi feito por uma médica do Centro de Saúde Emydio Cabral, em Paciência. E acompanhado pelos pais e pelo namorado da jovem, João Pedro Soares de Mesquita, de 19 anos.

— Minha filha passou bem a gravidez toda — conta Priscila.

Conforme a declaração de óbito do IML, Larissa morreu de sepse (infecção generalizada). Já a declaração do hospital cita complicações obstétricas, como choque hemorrágico. Os dois documentos serão somados a outros que estão sendo recolhidos pelo advogado Thiago Martins Dias, para respaldar ação na Justiça.

Diferentemente de Larissa, Jeniffer Claudino, com 35 semanas de gravidez, fez todas as consultas de pré-natal no Centro de Saúde Carmela Dutra, em Rocha Miranda, com enfermeiras. A demora para fazer exames foi o que mais a incomodou:

— Tive de vir para a Herculano Pinheiro (maternidade municipal em Madureira) para fazer exames de sangue e urina. Bem ou mal, levei quatro horas, mas fiz os exames e recebi os resultados. No posto, levaria um mês.

É num trecho da Zona Oeste, nos arredores de Santa Cruz e Paciência, que se concentra a maior taxa de mortalidade materna do Rio. Prima de Larissa, Karolyne Silva do Nascimento, que mora em Santa Cruz, escapou da estatística, em julho do ano passado, depois de 20 horas aguardando o parto normal, que acabou em cesariana, seguida de infecção, mais duas cirurgias e 21 dias de internação. O trauma ficou.

— Nunca mais quero ter filho — diz ela, aos 18 anos.

Karolyne se trata na Clínica da Família Deolindo Couto, em Santa Cruz, a mesma onde Thais de Araujo Dias faz o prénatal. Ela elogia os profissionais, mas critica a falta de estrutura da unidade:

— O bebedouro ficou meses quebrado. Os funcionários levavam água e copos. O aparelho de ultrassonografia está parado desde o fim de setembro.

“Nas maternidades públicas, há carência de médicos, materiais e aparelhos” Nelson Nahon Presidente do Cremerj.