Clipping - Vacina de células-tronco barra desenvolvimento de cânceres
O Globo / Sociedade
17/02/2018
Experimento com camundongos mostra potencial da abordagem
Uma vacina feita com células-tronco derivadas do próprio
paciente pode se tornar mais uma poderosa arma no arsenal dos médicos na luta
contra o câncer. Experimento realizado por cientistas da Universidade de
Stanford, nos EUA, com camundongos revelou que a técnica conseguiu barrar ou
frear o desenvolvimento de tumores de mama, pulmão e pele nos animais, numa
chamada “prova de conceito” que mostrou seu potencial para o tratamento e
controle da doença, e talvez até sua prevenção, no futuro.
Células-tronco são capazes de se transformar em células de
qualquer tecido do corpo e, para isso, se reproduzem muito rápido.
Característica que é compartilhada pelas células cancerosas, cuja replicação
descontrolada forma os tumores sólidos. Assim, os dois tipos de células
apresentam estruturas moleculares semelhantes na sua superfície que podem
provocar reações do sistema imunológico, conhecidas como antígenos.
E foi justamente esse atributo que os cientistas liderados
por Joseph C. Wu exploraram na vacina para “ensinar” o sistema imunológico a
atacar as células cancerosas. Para tanto, eles primeiro coletaram células
adultas, isto é, já diferenciadas, dos animais e as “forçaram” a regredir ao
estágio de células-tronco, similar ao de embriões. São as chamadas
células-tronco de pluripotência induzida (iPSC, na sigla em inglês). Depois, os
pesquisadores “desativaram” essas células com radiação, impedindo que
começassem a se reproduzir e se tornassem elas próprias um “câncer”, para, por
fim, injetá-las nos animais.
— Verificamos que as iPSC são muito parecidas com as
células tumorais em sua superfície — explica Wu. — Assim, quando imunizamos um
animal com células-tronco de pluripotência induzida geneticamente compatíveis,
o sistema imunológico pôde ser treinado para rejeitar o desenvolvimento de
tumores no futuro. Dependendo da replicação dos resultados em humanos, nossos
achados indicam que essas células podem um dia servir como uma verdadeira
vacina contra o câncer específica para cada paciente.
Ao todo, 75 camundongos receberam versões da vacina com as
célulastronco de pluripotência induzida no experimento. Após quatro semanas,
70% deles exterminaram células tumorais de câncer de mama introduzidas nos seus
organismos, enquanto os 30% restantes desenvolveram tumores significativamente
menores que os observados nos animais do grupo de controle, que não recebeu a
vacina. Posteriormente, os cientistas validaram o mesmo processo em novos
experimentos com células de câncer de pulmão e de pele.
MAIOR NÚMERO DE ANTÍGENOS
Segundo os pesquisadores, o uso das células-tronco permitiu
superar um dos principais obstáculos das imunoterapias contra o câncer: o
número limitado de antígenos que pode ser “apresentado” ao sistema imunológico
ao mesmo tempo de modo que ele reaja e passe a atacar as células tumorais. Elas
têm a capacidade de se “disfarçar” como células saudáveis e assim escapar da
reação imune. Nos experimentos, os cientistas também testaram o uso conjugado
na vacina de parte do DNA de uma bactéria conhecida como CpG, já declarada
segura para uso humano em ensaios clínicos anteriores, para reforçar a reação
do sistema imunológico na luta contra o câncer.
— Apresentamos ao sistema imunológico um maior número de
antígenos tumorais encontrados nas iPSCs, o que faz nossa abordagem menos
suscetível à evasão do ataque imunológico pelas células cancerosas — resume Wu,
também autor sênior de artigo sobre a experiência, publicado na edição desta
semana do periódico científico especializado “Cell stem cell”.
Diante dos resultados, os cientistas esperam que no futuro
se possam coletar células da pele, músculos ou do sangue de pacientes com
câncer e reprogramá-las ao estágio de célulastronco de pluripotência induzida
para a produção de vacinas imunoterápicas individualizadas. A princípio, essas
vacinas seriam utilizadas como reforço de tratamentos mais tradicionais, como
cirurgias, quimioterapia ou radioterapia, para evitar o ressurgimento da
doença, mas também não é descartada a possibilidade de se tornarem uma
estratégia de prevenção.
O que mais nos surpreendeu foi a eficácia da vacina com as
iPSCs em reativar o sistema imunológico para atacar o câncer — diz Wu. — Essa
abordagem pode ter grande potencial clínico na prevenção da recorrência dos
tumores ou para atacar metástases distantes.